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“Que tudo vive a dizer, que você é diferente dessa gente que finge querer”

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Chama-se “Curare” e é de Rosa Passos, cantora, compositora e instrumentista de fino trato. Que vem a ser o primeiro projeto formatado em Compact Disc no Brasil, e o segundo título da discografia da intérprete baiana.

Delicado e com o toque personalíssimo da Rosa baiana ao violão, o disco retorna às lojas 17 anos depois em edição luxuosa como parte dos 10 anos de existência da gravadora Deckdisc.

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Rosinha, a quem sou todo afeto e admiração desde há muito, nunca comentou nada a respeito nas conversas ao vivo ou por telefone.

Ligo para seus números, caixa postal. Não deixo recado, mas a ouço cantando “Vatapá” (Caymmi)na gravação. Deve estar encantando em algum lugar do mundo… Mas imagino Rosinha respondendo: “Falei nada não, meu preto?”

“Curare” foi lançado no segundo semestre de 1991, numa época em que discos de vinil ainda imperavam. O CD recebeu a classificação AAD (correspondente à gravação e mixagem analógica e reprodução digital).

A idealização de uma gravadora que pudesse colocar no mercado produtos apenas em CD foi de Umberto Contardi. Projeto ousado, afinal o preço do equipamento para reproduzi-lo não era acessível. Inicialmente, criou-se um selo.

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“Tecnicismos à parte, significava uma qualidade de som fenomenal quando comparado ao som DDD dos dias de hoje”, assinala João Augusto, presidente da Deck Disc, no material de divulgação. “Fomos rapidamente seduzidos pelo entusiasmo de Umberto com o projeto. A idéia era fazer uma gravadora diferente em que artistas tivessem alta qualidade e nível para vender CD”, complementa ele.

Umberto Contardi foi quem sugeriu o nome de Rosa Passos. Contrato assinado, mãos às cordas. “Curare” reúne clássicos que vão desde a faixa título, bela canção de Bororó, a releituras particularíssimas de “Aquarela do Brasil”, “Tim Tim por Tim Tim” em que se percebe a habilidade rara de Rosa brincar com os compassos.

Algumas faixas tinham sido relidas por João Gilberto, a quem a cantora e compositora tem como mestre. Ah, sim, “Curare” serviu para reforçar a conversinha de que a intérprete era uma espécie “João Gilberto de saias”. Ela responderia tempos depois. “João foi minha influência assim como a Bossa Nova, mas não fico o dia todo sentada num cantinho e com o violão. Eu componho diversos estilos”.

Com o tempo, a comparação foi cessando e Rosinha seguiu adiante com seu estilo particular de cantar e tocar e sentir o samba com sotaque jazzístico.

Olha que interessante: “Curare” tem arranjos e regências de cordas de Waltel Blanco. Participam também os seguintes músicos: Lula Galvão (violão e arranjo), Erivelton Silva (bateria), Jorge Helder (baixo acústico), José Antônio (piano), Idris Boudrioua (saxofones), Marçal (percussão).

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Nas cordas, Zé Alves, Pareschi (spalla), Daltro, Vidal, Aizik, Waltel Hack, Eduardo Kack e Léo Ortiz nos violinos, além de Stephany, Jesuína, Penteado, Eduardo (violas) e Marcio Malard e Jorge Kundert (cellos).

O encarte, agora com todas as letras, reproduz as declarações apaixonantes de ilustres personalidades como Aloysio Oliveira: “Não sei como cabe tanto talento dentro dessa `baianinha mirim´chamada Rosa Passos, e é este tipo de talento que quem presencia pela primeira vez e não vai esquecer nunca”.

O crítico e pesquisador Tárik de Souza foi mais além: “A vozinha de Rosa Passos fala de Bossa Nova e Tropicalismo, samba e bolero. Rosa Passos simplesmente ultrapassa os tradicionais limites da estréia promissora”. Até o temível José Ramos Tinhorão se rendeu em elogios, assim como Nana Caymmi, Caio Fernando Abreu e Johnny Alf.

ROSA UNIVERSAL – Lembro-me de já estar apaixonado com divisão e “quebradas” harmônicas inteligentes ao violão e a voz penetrante de Rosa Passos quando recebi “Curare”, relançado pela gravadora Velas. Fui a Curitiba conhecê-la de perto.

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Meados da década de 90, Teatro do Paiol, passagem de som, fiquei de longe observando Rosinha dando as coordenadas aos músicos. Violão em punho, vontades próprias. Instrumentos arriados, fui trêmulo me apresentar. Acolhimento. Pronto, o amor amigo estava instalado. Para sempre.

Tantas batalhas e hoje aí está Rosa Passos, uma estrela internacional. Desde maio deste ano, ela tornou-se a primeira artista latina a ostentar o título “Doutora Honoris Causa”, da Berklee College of Músic, universidade referencial do jazz, em Boston. Recentemente foi ovacionada no Tim Festival 2008.

Rosa Passos brilha. É a grande senhora do samba-jazz brasileiro, assim reconhecida por monstros sagrados como Ron Carter, Yo Yo Ma, Henri Salvador, Paquito D´Rivera, Michel Bublé. Alguns. Muitos.

Ouço “Curare” com o pensamento voltado no dia em que toquei aquela Rosa.

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Sugestão de comentário: Você ainda guarda discos de vinil ou se rendeu definitivamente ao CD?
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Repertório de Curare

1.Curare – (Bororó)
2.Fotografia – (Tom Jobim)
3.Tim Tim por Tim Tim – (Geraldo Jaques – Haroldo Barbosa)
4.Coisa Mais Linda – (Carlos Lyra – Vinícius de Moraes)
5.Dindi – (Tom Jobim – Aloysio de Oliveira)
6.Aquarela do Brasil – (Ary Barroso)
7.A Felicidade – (Tom Jobim – Vinícius de Moraes)
8.Folha Morta – (Ary Barroso)
9.Só Danço Samba – (Tom Jobim – Vinícius de Moraes)
10.Sim ou Não – (Djavan)
11.O Nosso Amor – (Tom Jobim – Vinícius de Moraes)
12.Adeus América – (Geraldo Jaques – Haroldo Barbosa) / Eu Quero um Samba (Haroldo Barbosa – Janet de Almeida)
13.Ilusão à Toa – (Johnny Alf)

Mais informações sobre a artista podem ser obtidas no site: http://www.rosapassos.com.br/stage/pt/home.asp