Wanderléa sempre será a eterna Ternurinha, título que ostenta desde a Jovem Guarda. Aliás, ela foi uma das responsáveis por imprimir um sopro pop na música brasileira, mesmo que as canções fossem de tamanha ingenuidade.
O público – fidelíssimo – guarda até hoje imagem da cantora de minissaia, botas e coreografias arrebatadoras. Pertencia à turma do iê-iê-iê. Ao lado de Celly Campelo, foi a voz feminina do rock brasileiro. Primórdios!
Tá! O tempo passou – mais de 40 anos de carreira e incontáveis discos e compactos – e a Ternurinha tornou-se, aos olhos de produtores e presidentes de gravadoras, um produto de vendagem certeira.
Wanderléa perdeu as contas de propostas – algumas indecorosas como fazer um trabalho de lambadas, pode? – recebidas para manter-se na tal crista da onda. Não atrás de não e não, obrigada. Não quis se comprometer com expectativas de consumo nem soar oportunista.
Wandeca preferiu continuar fazer shows onde espalha sua aura mítica. Foi assim nos últimos 18 anos aproximadamente. O silêncio foi quebrado com “Nova estação”, disco tão surpreendente quanto inimaginável aos ditadores das multinacionais.
Tais senhores tiveram que engolir a seco a seguinte notícia: “Nova estação” (gravadora Lua Music) foi eleito o melhor disco de 2008 pela Associação Paulista de Críticos de Artes (APCA). “Só livres podemos voar”, avisa Wanderléa.
Um adendo: em 2003, a intérprete registrou o filantrópico “O amor sobreviverá”, que considera projeto especial por ter sido endereçado à Instituição Pequeno Cotolengo, de Curitiba.
“Nova estação” contém releituras. Muitíssimo bem produzido pelo músico e arranjador Lalo Califórnia (marido da cantora) e pelo pesquisador Thiago Marques Luiz.
O repertório vai de tom a tom. Não há uma linha condutora, conceitos ou firulas maiores. Plural, Wandérlea mostra-se uma intérprete requintada e inteligente o suficiente para cantar samba, jazz ou soul sem quebrar telhas.
Há canções conhecidíssimas (“Dia branco” e “Eu e a brisa”, por exemplo), mas prevalecem raridades e versões particulares de obras pouco evocadas. É o caso de “A banca do distinto”, a deliciosa “Choro chorão” (com citação de “Delicado”, de Waldir Azevedo) e “Samba da preguiça”, um samba rock praticamente desconhecido de Erasmo e Roberto.
Wanderléa se sai muito bem cantando samba. Mas há performances preciosas como a buarqueana “Mil perdões”, “My Funny Valentine (eternizada na voz de Chet Baker), a balada pop “Se tudo pode acontecer” (Arnaldo Antunes) e “Mais que a paixão”, de Egberto Gismonti.
“Nova estação” alinha-se a projetos de fôlego gravados por ela na década de 70 como “Maravilhosa”, Feito gente” e “Vamos que eu já vou” (esse produzido por Gismonti). Feito para durar, em outras palavras. Em breve, ela deverá estar na boca do povo por conta da versão de “Te amo” (Roberto Corrêa – Silvio Son), escolhida para embalar o par romântico principal da nova novela de Waldir Carrasco, “Caras e bocas”.
Bom sintonizar a estação de Wanderléa, que resistiu a tantos solavancos pessoais e não perdeu a ternura. Jamais! Um mito sempre permanece em pé!
Você diz que recebeu muitas propostas para voltar a gravar, mas não aceitou. Alguma indecorosa?
Não tenho nada contra nenhum gênero musical. Acho que em todos os gêneros há coisas boas, bem feitas, mas não gosto de oportunismo gratuito. Por isso recusei alguns convites e repertórios com os quais não me identifiquei.
O fato de ser uma das cantoras mais populares do Brasil faz com que produtores e/ou presidente de gravadoras a vejam como uma “máquina” de vender discos?
Daí a minha recusa… A intenção era somente os números de cópias vendidas sem considerar o meu envolvimento real o projeto. Fui saindo fora, mas eles nunca me esqueceram. Querem sempre que eu faça as mesmas coisas porque eles têm certeza do resultado. Estou provando com a receptividade do “Nova estação” o que poderia ter feito há muito tempo, caso tivessem deixado.
Podemos dizer que “Nova Estação” é um divisor na sua carreira? Ou seja, o que passou, passou e daqui pra frente você só entra em estúdios para gravar músicas sem tanto apelo popular?
Não sinto que o disco divide; sinto que soma. O que é bom sempre fica, melhor é sempre estar fazendo com amor, sem policiamento… Só livres podemos voar e foi o que fiz nesse trabalho: alcei voo, planei, dei cambalhotas e estou pousando de leve e bem do meu jeito… Nada como se reconhecer no que faz.
O disco está ótimo, foi premiado, bacana. Em vez de releituras porque não optou por canções inéditas de compositores consagrados ou da nova geração?
Por enquanto está difícil um bom material de inéditas, mas também acho que há tantas pérolas que gostaria de tocar… Existem tantas obras boas, tenho vontade de regravar uma porção.
“Samba da preguiça”, do Roberto e Erasmo, foi gravada anteriormente?
Recebi essa canção juntamente com uma gravação caseira cantada por Nara Leão. Thiago Marques (produtor), que é o responsável pela realização do disco, nos trouxe este samba rock do Roberto e Erasmo que Nara não chegou a registrar em disco. Fiz uma surpresa para meus amigos. Erasmo nem se lembrava mais da letra. Não tenho certeza quanto a outros registros, mas gostei muito do resultado final.
Enquanto não você não gravava, fazia e faz shows, certo? Quem sobe ao palco é a Ternurinha?
Quem sobe (ao palco) sou eu, que tenho sempre que levar a ternurinha pra se exibir. Ela teima em não querer ficar em casa. Às vezes eu a coloco de castigo e ninguém me perdoa. Se ela vai só… enjoa. Ela suga a minha anima, mas já aprendi a conviver com ela, que é muito legal.
Você foi levada pela Jovem Guarda ou se deixou levar por aquele clima e popularidade? Você já parou para imaginar como seria sua carreira não fosse a Jovem Guarda?
As duas hipóteses são válidas. Seria uma carreira com repertório diferente, mas não creio que teria sido tão divertido.
Naquela época, você tinha liberdade de escolher seu repertório ou isso ficava a cargo de produtores?
Eles escolhiam, mas eu gostava, eram dançantes e muito divertidas. O “Pare o Casamento” é pura performance. Eu adorava inventar uma coreografia, ninguém interferia nessa minha criação. Ficava em frente ao espelho inventado uma expressão cênica pra cada nova experiência musical.
É verdade que Elis e Tom ensaiaram um pouco do disco antológico (homônimo, 1974) em sua casa, em Los Angeles?
Em Los Angeles, numa casa enorme, eu morava com o José Renato, meu irmão Bill, o nosso chofer Severino, uma empregada chamada Creuza, outra secretária chamada Eloísa… O Tom (Jobim) aparecia sempre pra passar a noite conosco… Tocava piano, às vezes até de manhã. Quem o levou pela primeira vez foi Elis e César Camargo Mariano. O João Marcelo tinha três anos na época e passava os dias comigo enquanto Elis e Tom gravavam “Águas de Março”… Pensando bem, acho que também fiz parte da produção desse disco.
Quatro décadas de carreira. A música a fez feliz sempre?
Minha personalidade musical, a música não me fez: ela me FAZ sempre feliz.
REPERTÓRIO
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