A mais recente edição do jornal literário Rascunho traz um texto do escritor londrinense Domingos Pellegrini respondendo a uma crítica que o próprio jornal publicou sobre a poesia de Paulo Leminski.
A crítica anterior foi assinada por Marcos Pasche por ocasião do recém lançado livro Toda Poesia, que traz, como o nome indica, toda a produção literária do poeta curitibano.
O crítico parece ter se prendido apenas ao que não gostou na poesia de Leminski. Destacou e questionou alguns versos dentre as centenas de poesias do livro. Mesmo assim, reconheceu que também há “brilhantes lances de criatividade”.
Mas o que se questiona mais a fundo é a edição do material. O jornal pesou a mão propositadamente em títulos e manchetes de capa para se tornar mais “polêmico”, não importando a qual custo.
Mas vou deixar o Domingos Pellegrini argumentar porque ele escreve muito melhor do que eu:
A despeito de Leminski: POLACO OCO OU RASCUNHO CASMURRO?
Domingos Pellegrini
Rascunho teve época nazista, com matérias que não se limitavam a comentar autores, queriam sua eliminação, como quando estampou em título garrafal: Sebastião Uchoa Leite insiste em fazer poesia: PARA COM ISSO, SEBASTIÃO! Rejeitado pela reação ética de muitos leitores, Rascunho passou a limpo essa fase, mas agora tem recaída (embora precavida porque rescaldado) com a matéria sobre Leminski.
A tentativa de “matar” Leminski tem a precaução de se armar com uma análise argumentativa e digna de Marcos Pasche, revestida porém por um tratamento editorial raivoso e despeitado. Na capa do jornal, em vez de foto do autor (como é regra do jornal), uma ilustração bisonha e um título trocadilhesco que, no afã de depreciar Leminski, deprecia o jornal: POLACO OCO. Nas páginas centrais, um título raivoso e grotesco como a ilustração que estampa: Sobraram apenas os óculos e o bigode.
Acrescente-se que sobraram também os milhares de leitores que já sabiam de cor poemas de Leminski, aos quais agora vão se somando outros milhares. O título original de Pasche decerto foi transformado em subtítulo: Toda poesia de Paulo Leminski revela uma obra datada, vazia e repetitiva. Rascunho manipulou a edição do artigo de forma a “matar” toda a obra de Leminski, enquanto o próprio articulista ressalva que sua poesia tem “brilhantes lances de criatividade”.
Cheguei a sugerir a Alice Ruiz que a poesia de Leminski, dispersa e em edições esgotadas, precisava de uma antologia, pois temia que a publicação de sua poesia integral pudesse resultar num livro de preço distante da moçada leitora. Mas a obra saiu compactada com bom preço e, assim, os leitores podem ter visão geral e suas próprias preferências, apesar das muitas baixices e inocuidades do poeta. Como, porém, seus leitores são afetivos e argutos como Leminski foi, isso não o matará, ao contrário. Ele não se queria Deus perfeito, embora, sim, se dedicasse espertamente a criar a imagem de um “pop star literário” (o que não é crime nem é anti-ético).
É engraçado (ou é desgraçante) que os mesmos que reclamam da literatura não ter mais leitores, não suportam quando algum autor faz sucesso, como aliás detestam os livros de auto-ajuda que, porém, sustentam a indústria editorial, até para que possa também publicar livros outros.
Esperemos que, na onda (que bela onda, Paulo, nós que te amamos estamos tão felizes por você) na onda do sucesso de Toda Poesia venham também a antologia, e a reedição de VIDA, contendo as biografias de Jesus, Basho, Cruz e Sousa e Trotsky, primorosas pela agudeza amorosa com que foram escritas. E que o Catatu continue a encantar quem gosta de vanguardices, e que os Ensaios Crípticos continuem a ser exemplos de visão criativa, com menos ou mais leitores mas sempre a configurar um escritor que não pode ser despeitosamente reduzido a óculos e bigode.
Leminski trouxe à poesia um frescor jovem, uma feição pop, uma aura cult, e, principalmente, uma atitude de vida, que vão continuar encantando os leitores de mente clara e coração aberto. Não será com dois títulos casmurros que matarão Leminski, embora ele esteja morrendo de rir.