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A política pública de cultura 3 – mais opiniões
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Continuamos aqui com a série que debate a política pública de cultura (principalmente de Curitiba, mas não só). Algumas pessoas ligadas à área estão dando suas opiniões sobre perguntas básicas que fiz na semana passada. Até aqui já opinaram Fabiano Ferronato (Engenheiro, Pesquisador e Músico), Mara Fontoura (musicista, sócia proprietária da Gramafone e Coordenadora Secretária do Fórum MUSIPAR), Getúlio Guerra (produtor cultural, responsável pelo programa de rádio e Festival Pras Bandas, que se transformou em uma Ong) e Thiago Moreira (produtor e gestor cultural).

Hoje publico mais duas opiniões, de André Alves Wlodarczyk, advogado especializado em direitos autorais e leis de incentivo, e de Mauro Tietz, que é o responsável técnico pelo Programa Curitiba Lê, mas que aqui responde como cidadão e não como representante da Fundação Cultural de Curitiba, conforme pediu que deixasse claro.

E, é claro, lembro que a participação é livre e o espaço está aberto a quem quiser opinar. Pode ser nos comentários abaixo, ou, para quem preferir, pelo e-mail: luizs@gazetadopovo.com.br.

Vamos às duas opiniões de hoje:

André Alves Wlodarczyk, advogado especializado em direitos autorais e leis de incentivo:

1 – Curitiba tem política cultural? Qual é? O que falta?

Curitiba não tem política cultural. O que falta é ter. Política para cultura é baseada em diretrizes, planos de ação e abrangência, que envolvam a formação cultural, a produção cultural, a difusão cultural e o acesso de todos aos bens produzidos. Um Plano Municipal de Cultura tardou a ser elaborado para cidade. A cultura nunca foi tratada como saúde, transporte, educação e outros bens essenciais à formação e subsistência do cidadão. Falta plano para o fazedor de cultura e falta plano para consumidor de cultura. Enfim, Curitiba tem “incentivo à cultura”, do que trato na questão seguinte.

2 – A Lei de Incentivo substituiu a política pública de cultura?

Jamais. A Lei que introduziu o PAIC (Programa de Apoio e Incentivo à Cultura) nunca foi bem intencionada. Desde sempre previu em seu bojo maneiras de desvirtuar o escopo principal (cultura), para incentivar produtores e artistas que já estivessem inseridos no meio cultural da cidade.

Tornou o Mecenato Subsidiado um grande negócio para os departamentos de marketing das empresas, atravessadores de captação, grandes estúdios e grandes companhias de teatro (que criaram o know how na elaboração de projetos).

A partir de então o critério meritório não estava mais na arte ou na cultura, mas na capacidade de elaboração de projetos. Editais complexos, burocracia documental, tudo isso beneficiava poucos e sempre os mesmos, detentores desse conhecimento. Não obstante, por muito tempo o currículo valia 50% da nota do projeto, o que tornava praticamente impossível o acesso de artistas sem formação acadêmica aos incentivos.

Tanto o Mecenato como o Fundo Municipal tinham seus projetos julgados por colegiados (comissões julgadoras), formadas por artistas eruditos, grandes medalhões, pessoas ligadas às castas da grande arte na cidade, afastando ainda mais o acesso de pequenos e/ou desconhecidos artistas. As leis de incentivo resumem-se em pequenas licitações, sempre com interesses guardados, muitas vezes direcionados, jamais representando a arte e a cultura da cidade. Era a cultura de poucos.

Pior de tudo é que do valor integral de um projeto cultural para o Mecenato, aproximadamente 50% ficavam pelo caminho, sendo que o artista e o produto cultural desfrutavam da outra metade. O produto cultural nunca tinha destino amplo, ficando empilhados nas estantes de produtoras, FCC e em baixo da cama dos artistas. Muito se produziu (a alto custo e para poucos), pouco se difundiu.

Resumo, a cultura na cidade é o resultado das Leis de Incentivo. Se não temos grandes artistas e pouca cultura que revela nossa identidade é por que nunca funcionou e nem vai funcionar o sistema de incentivo, pois não há plano, apenas um leilão, uma rifa com números marcados.

3 – A falta de dinheiro também suprime a criatividade (esta questão se refere mais à gestão da cultura do que ao fazer artístico)? Como superar?

Ser criativo é a dádiva do artista. Mas não basta, é necessário produzir, difundir, mostrar, sair. O dinheiro é o que faz o artista materializar sua criatividade em produto cultural. Existem níveis e níveis de necessidade financeira para cada projeto cultural. Muitos projetos podem ser realizados de forma coletiva, como os musicais de bandas. Outros projetos exigem extrema profissionalização, como uma ópera, por exemplo.

Dosar a necessidade/possibilidade/viabilidade /abrangência/retorno de cada um para a sociedade, para destinar recurso, é o desafio. Mas como disse acima, havendo um plano, havendo metas, há dinheiro pra muita coisa acontecer!

4 – Qual é a ação mais urgente que se precisa fazer na Fundação Cultural de Curitiba?

Sou radical. Urgente é acabar com ela. Curitiba é uma cidade que não possui secretaria de cultura. É como haver, no plano nacional, apenas Funarte e não haver Ministério da Cultura. Precisamos de um órgão executivo à frente das ações, isso modifica totalmente a forma de se gerir recursos e bem destiná-los. A exemplo, a FCC é submissa da secretaria de planejamento e da fazenda. Como órgão executivo sentaria à mesma mesa com peso igual para discutir orçamento com demais secretarias e prefeito.

Mas isso não vai acontecer tão cedo, tamanho o enraizamento da FCC como “gestora” da cultura na Cidade.

Algumas ideias sobre o que fazer com a FCC, então:

– alterar seus quadros pessoais, que carregam vícios desde sua fundação;

– colocar artistas para trabalhar na fundação, hoje lotada de técnicos que não conhecem a realidade do mercado. Aliás, os três últimos presidentes da fundação são profissionais de Comunicação. Não se pode tocar um hospital com engenheiros o administrando.

– extinguir o ICAC: Esse instituto foi criado com a finalidade de cumprir funções da FCC…(?). Suas despesas em 2012 chegaram a R$ 12.834.182,40. Não vejo sentido na sua existência. Considero a administração do ICAC temerosa. Em sua prestação de contas há aproximadamente R$ 6.000.000,00 de despesas sob a rubrica “prestação de serviços pessoa jurídica/física”. Ter mais um instituto para realizar ações de competência da FCC, repassando-lhe quase metade do orçamento da cultura, não faz sentido, mesmo!! (vide contas do ICAC)

– Mudar completamente a Lei de incentivo, reduzir os tetos de projetos, fiscalizar as captações no Mecenato Subsidiado, utilizar com mais inteligência o dinheiro do fundo, descentralizar o orçamento para projetos culturais permanentes e participativos, em vez de incentivar esse ou aquele projeto individual.

Muito há que ser feito, muito mesmo, para que resultados efetivos sejam alcançados em médio prazo. Curitiba precisa criar identidade, precisa sair do celeiro, precisa expandir e mostrar o quanto temos a exportar de cultura para o Brasil e para o mundo, em vez de elaborarmos projetos individuais vultuosos sem o menor alcance.

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Mauro Tietz, que é o responsável técnico pelo Programa Curitiba Lê, mas que aqui responde como cidadão e não como representante da Fundação Cultural de Curitiba:

Curitiba tem política cultura? Qual? o que falta?

O Programa Curitiba Lê configura uma política para a área de leitura/literatura. Trata-se de um conjunto de espaços de leitura (14 Casas de Leitura, Bondinho da Leitura e Estação da Leitura no Terminal do Pinheirinho) e um conjunto de projetos de leitura e criação literária. Os projetos foram pensados para desenvolver suas ações dentro das Casas de Leitura ou serem agendados pelas Casas e acontecerem em outras Instituições existentes nas regiões onde as Casas estão implantadas. Como existem Casas de Leitura em 09 das 10 regiões administrativas da Cidade, isso permite um alcance maior das ações.

Os Projetos Principais

Área de Criação Literária

1) Oficinas de Análise e Criação Literária

Desde 2006 são ofertadas oficinas de longa duração, ministradas por escritores radicados em Curitiba. A proposta é que a partir da análise da produção de escritores reconhecidos por público e crítica, os alunos produzam também seus próprios textos. A idéia principal é a de que não se faz um escritor sem que este seja um leitor. Também são estudados textos teóricos sobre literatura nestes encontros. Ao término das oficinas os alunos apresentam textos de sua autoria que são encaminhados para escritores especialmente contratados para selecionar textos para publicação. A partir daí é publicado um jornal com os textos indicados. Nestes ano de 2012 está sendo confeccionada uma revista com publicações de anos anteriores e também com os textos de 2012, como forma de celebrar 07 anos de existência deste projeto. O lançamento acontecerá no início do próximo semestre.

Área de Leitura

2) Ciclos de Leitura – Pelo quarto ano consecutivo são desenvolvidas rodas de leitura com a comunidade. A idéia é ler boa literatura com as pessoas pelo prazer de ler. No ano de 2012 estão sendo administradas 1.400 rodas de leitura. A maior parte voltada para crianças e jovens. Uma quantidade menor voltada para adultos. A idéia é que um mediador de leituras escolha um texto de sua preferência (que faça parte de seu repertório de leitor) e esse texto é lido em grupo com as pessoas, que são convidadas a conversar livremente sobre o mesmo. Estas ações de leitura ocorrem dentro das Casas de Leitura ou em escolas, instituições de saúde, comunitárias, etc. Para o ano de 2013, se o programa continuar, conseguiremos administrar 3.000 rodas de leitura.
No ano de 2012, pela primeira vez, estamos trabalhando com rodas de leitura em artes plásticas e cinema.

3) Contações de histórias

Neste ano de 2012 estamos administrando 650 contações de histórias que obedecem os mesmos critérios de distribuição pelos espaços de leitura e comunidade onde os mesmos estão instalados. Grande parte destas contações destinam-se a público infantil e jovem, e uma parte menor para público adulto. Esta ação acontece há 07 anos.

4) Formação de mediadores de leitura –

Considerado um dos projetos mais importantes pois forma o agente multiplicador – este projeto existe desde 2007. Visa dar formação para que as pessoas desenvolvam ações de mediação de leitura. Boa parte do público participante é de professores da rede pública de ensino, mas é aberto ao público em geral, já tendo músicos, artistas plásticos, donas de casa, etc, participando. Ao término os participantes são convidados a desenvolver projetos de incentivo à leitura junto à população. Isso como forma de contrapartida social, já que todo o percurso de formação é gratuito.

Ações Complementares

1) seminários e oficinas – ao longo do ano estas ações são ofertadas como forma de qualificar os profissionais envolvidos nos trabalhos permitindo referências externas para se refletir sobre as ações desenvolvidas ao longo do ano.

2) Ciclos especiais de leitura –

2.1 – Ciclo Obras Completas – visa ler com a comunidade a obra completa de escritores de relevância que tenham produzido na Cidade. Estas acões acontecem nas Casas de Leitura ou locais da comunidade. Já foram feitos os seguintes ciclos de leitura Obras Completas: Jamil Snege, Manoel Carlos Karam, Paulo Leminski, Valêncio Xavier e Helena Kolodi (que está finalizando neste mês de novembro e aconteceu na Biblioteca Comunitária da Vila Torres). A idéia é ampliar e manter a memória destes escritores na comunidade. A leitura se presta bastante a essa função, ou seja, a de divulgar nossos escritores e mantê-los na memória da cidade.

2.2 – Ciclo de Leitura Certos Poemas – levado a público em 2011 visa a disseminação da leitura de poesia, gênero literário tido geralmente como hermético e portanto de pouca inserção.

2.3 – Odisséia da Palavra – visa acompanhar os clássicos da literatura ocidental desde a antiguidade até os tempos atuais. Já foram lidas obras da Roma Antiga e Grécia Antiga. Estes ciclo tem a duração de quatro meses (um semestre letivo). Sua última edição foi em 2010, estando portanto desativado. Mas com a intenção de voltar a público.

4) Todos os nossos funcionários participam de grupo permanente de formação continuada. Um grupo se reúne todas as sextas-feiras à tarde se reúnem para estudar e refletir sobre o trabalho. Os estagiários e os administrativos se reúnem quinzenalmente, às quartas-ferias à tarde, com a mesma finalidade.

Observações

1) o conjunto de ações e de espaços acima configuram uma política para a área de leitura/literatura. Por um lado os números de ações pode causar impressão (1.400 rodas de leitura, 650 contações de histórias, 09 turmas de formação de mediadores de leitura e 10 turmas de oficinas de análise e criação literária, tudo em 2012), mas não podemos esquecer que quando confrontados com uma população de aproximadamente dois milhões de pessoas, ficam bastante relativizados. O que nos faz afirmar que há ainda muito para ser feito, apesar das conquistas que já temos.

2) a aceitação por parte da comunidade das ações de leitura tem nos feito ampliar a cada anos as rodas de leitura e contações de histórias.

3) estes projetos contam com apoio de condução, através de locação de ônibus, o que nos permite a locomoção de grupos advindos de áreas bastante periféricas para dentro das Casas de Leitura. Várias ações são também agendadas para acontecer nestas áreas.

4) temos várias experiências de leitura com grupos fixos, que ficam várias semanas participando de rodas de leitura.

5) todas as ações são oferecidas gratuitamente à comunidade.

6) várias escolas tem recebido ações advindas do Curitiba Lê. A escola Poty Lazaroto, em 2012 incluiu estas rodas de leitura como parte integrante de sua política pedagógica.

7) alunos das oficinas de análise e criação literária foram premiados em concursos e publicados.

8) DESDE NOVEMBRO DE 2011 A CÁTEDRA DE LEITURA DA UNESCO RECONHECE EM SEU SÍTIO ELETRÔNICO O PROGRAMA CURITIBA LÊ COMO UMA AÇÃO DE REFERÊNCIA NA ÁREA DE LEITURA PARA A AMÉRICA LATINA.

2) A Lei de Incentivo substituiu a política pública de cultura?

Creio que a Lei de Incentivo por si é uma das políticas públicas de cultura. Mas demanda revisões e reestruturação. No entanto é necessário que haja disponibilização de verbas próprias para que os projetos e programas sejam desenvolvidos e custeados desta forma.

3) A falta de dinheiro também suprime a criatividade (esta questão se refere mais à gestão da cultura do que ao fazer artístico)? Como superar?

Não há atividades de criação que possam ser levadas a termo com falta de recursos. Se os recursos forem públicos, devem sempre procurar atender à população.

4) Qual é a ação mais urgente que se precisa fazer na Fundação Cultural de Curitiba?

Um diagnóstico o mais preciso possível de sua estrutura interna e funcionamento e a partir de então propor mudanças. Um diagnóstico o mais preciso possível de suas relações com a comunidade e ações de atendimento com vistas a avanços nesta área. Concursos público urgentíssimo. Um levantamento do acervo de produtos culturais financiados pela Lei Municipal de incentivo à Cultura durante seus anos de existência e a aferição dos benefícios para a população podem fornecer também um diagnóstico mais preciso do uso que a comunidade beneficiada tem feito deste mecanismo, e a partir daí se pensar os rumos.

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