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Cilene Tanaka ataca novamente. A estudiosa de teatro e escritora, em mais uma ação generosa, oferece a este blogueiro a publicação da crítica que fez sobre a peça de teatro “A Falsa Suicida”, que esteve em cartaz até há pouco em Curitiba e parte para outros ares. Eu, é claro, aceitei de bom grado esta preciosa oferta que compartilho com vocês:

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A falsa suicida

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Uma mulher se joga duma janela e cai sobre um homem que fica aleijado pelo resto de sua vida. Ele agora tem de usar um gênero de armadura encaixada em sua coluna. Ela troca e troca e troca de roupa sempre voltando a ficar nua. E isto é uma metáfora. Ele a quer. Quer tudo dela. Tudo o que ela não tem. Horácio e Ofélia. Mas a voz de Ofélia não nos alcança. Estará ela muito enfiada no cubículo onde trabalha desnudando-se para homens ou será que alguém não viu que sua voz não chega? A voz de Horácio, entretanto, é incomodamente alta. E agradável. Mas muito alta. Ofélia talvez tenha se despido muito rápido: mal pude ver seu vestido e já a vira presa. Não houve contradição suficiente para o efeito aparentemente buscado. Ele forja a voz duma boneca Barbie (ou Suzi) enquanto Ofélia se ajeita para a próxima cena: hilário. Mas não provoca gargalhadas. Por alguma razão não provoca gargalhadas. Um dia chuvoso não é de se gargalhar. Mas é que o tema é suicídio. Pode ser o frio.

Quando Horácio entra no palco decidido a tomar Ofélia em seus braços, a coisa não é romântica como faço soar. Ao menos não na concepção convencional de romance. Horário e Ofélia de Shakespeare, saem das beiradas para se tornarem a história principal, essencial. Ele usa aquela armadura terrível que só se vê quando tira o casaco. Ela se assusta com a invasão, tem medo de se aproximar do outro porque “a morte do outro é o pior que poderia acontecer”. Pior que a própria morte. E eles nos reiteram isso. Através da fala. Através da fala. E através da fala. Sinto um receio emanando dos atores. Talvez não queiram se molhar na chuva lá fora. Talvez a platéia vazia os tenha desestimulado. Quem sabe as piscinas do próprio cenário que sequer precisa comentários já que é extremamente, escandalosamente o protagonista. Mas não era medo das personagens. Emanava dos atores.

Ela pergunta: “se masturbou”? Ele diz que não. E seguirá assim dizendo por bom tempo. Depois ele brinca de boneca e, quando volta, diz que se masturbou só para agradá-la. Ela fica feliz da vida. Um texto assim exige coragem. Mas ir muito fundo dá medo. Sei bem. Todos sabemos. Esta é mais uma razão para irmos ao teatro.

Ele havia subido no palco de streap tease para buscá-la. Ele arrasta o palco um pouco mais para a frente. Ela grita assustada. Nós ansiamos por olhar seus rostos ocultos pela luz e pela distância da platéia. Só no final gozaremos com a proximidade. E ela põe um vestido de noiva e morre dizendo que, na verdade, não se jogara da janela. Um vestido branco. Rosas vermelhas. Uma mulher semi-nua e um homem segurando seu tórax quase abandonado. Lindo. Mas preferiria ter visto isto em silêncio, sem o abalo poluído de falas enxarcadas dum drama que, diante das rosas vermelhas…rosas já são rosas e vermelhas são já vermelhas.

O espetáculo inteiro me forja sensações com potencial avassalador. Nenhum potencial, nenhunzinho se resolve em mim porque as cenas parecem não se integrar. Queria muito ter sentido tudo o que me queriam fazer sentir. Só que havia chuva: na gente e lá fora. Quiçá nos ensaios houvesse alguma neblina. Quiçá se esta neblina tivesse sido incorporada ao espetáculo. Mas neblina, dizem, é sinal de sol no dia seguinte.

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