• Carregando...
Como eu me tornei atleticano
| Foto:
Antonio Costa / Agência de Notícias Gazeta do Povo
Marcelo – Atlético

Aí vai um conto que explica o dia em que tive a consciência que era torcedor do Clube Atlético Paranaense:

Como eu me tornei atleticano

Ploc! A lima de ferro cravou a ponta na terra, bem ao lado da formiga. Bem pertinho. Puxou e jogou de novo. Ploc! Agora foi mais longe. Tirou de novo da terra, segurou pela pontinha bem perto da testa, fechou um olho e com o outro tentava mirar bem em cima do formigão, ficando de pé, com a cabeça bem em cima dela, fazendo a mira, concentrado. Era um pouco difícil porque ela não parava de andar. Ele calculava, segurando a lima com a ponta dos dedos polegar e indicador em forma de pinça. Quando ia soltar, ouviu o grito da mãe: “Venha que teu pai tá saindo com teu irmão! Ou você vai ficar?” que nada, ele largou a lima mais que depressa e saiu correndo, sem ver a formiga partida ao meio, uma metade de cada lado da ponta de ferro.

Alcançou o pai e o irmão mais velho que estavam esperando no portão. A mãe passou-lhe as mãos na cabeça, tentando ajeitar o cabelo espetado. Ela deu um beijo em cada um e disse: “Me tragam a vitória, ein?!”. Eles caminharam até o ponto de ônibus em frente à sede da Empresa Água Verde. Um Corcel marrom passou com uma grande bandeira rubro-negra e buzinou para nós quando meu pai gritou saudando-os.

Nas pedras pretas dá pra pisar, nas brancas não dá, pula a branca, ali tem uma preta, aqui não vai dar então pulo na grama que dá e daí saio na preta. Ôba. Olha o cocô de cachorro, quase pisei. Ai, quase pisei na branca. Vou correr e pular desta preta até aquela lá. Puuulaaa… Não consegui, não valeu, tenho três chances. Vai começar agora. UUUUMMMM. Quase. Vamos começar de novo. UUUUUMMMMM. Ai foi pior, Então vai os DDDOOOOIIISS. Quase de novo. Agora eu consigo. Lá vai os TTRÊÊÊÊSSS . WUEE. Consegui!!! O maior pulo do muuundooo. VVIIVVAA. Ai, tá me dando uma vontade de fazer xixi. Será que o pai me leva lá em casa?

– Que casa que nada faz ali, no muro, no cantinho. E rápido que o ônibus já vem.

Vou fazer bem em cima daquele besouro ali. Que gozado, ele não sabe se virar sozinho. Fica com essas patas pra cima. Que burro! Vou mijar nele.

– Rápido que o ônibus tá vindo.

Mas o ônibus ainda vai parar no outro ponto. Pô, vem dois juntos e só um parou no ponto lá. Rápido, rápido. Ai, mijei no pé, mas já tá acabando.

– Você vai ficaaar.

Ah, esse meu irmão é um saco. Ele já tá chegando, já acabei. Corre corre. Pronto, Sobe, sobe. Passa por baixo da catraca.

– Senta mais pra frente pra descer senão o ônibus enche.

Vou sentar no motor. Ai, tá quente. O motorista nem viu. Meu irmão é burro, que que ele tá rindo? Vou ficar aqui com meu pai. Olha a perna daquela mulher, que gorda, parece uma bola. Dá pra chutar a perna dela lá na rua, Já pensou, tum lá no muro de gol. Tum pra cima. Num dá pra cabecear. Ói mais carro com bandeira. Aqui o Lisymaco. Não tem ninguém. Queria ir lá naquela torrinha, lá em cima. Que será que tem lá? Nossa quanta gente. Eles também vão no jogo. Meu irmão tá apertado, bem feito. Cadê a perna gorda. Deixe baixar, táli. Quase não dá pra ver. Ói. Pessoal gritando gritando pro carro que passou buzinando. Mas esse não tem bandeira. Meu pai puxa meu irmão. Fica bem juntinho. Ei, olha o outro ônibus passando pela gente. Também tá cheio. Não, tem lugar ainda. Ah queria tá nele. Queria sentar lá naquele banquinho da frente, do lado do motorista. Ôpa, já tá na hora de descer. Meu pai tá levantando.

– Péra aí, dá a mão.

Aperta, aperta, aperta. Sai, ufa! Pensei que todo mundo ia no jogo, mas tá cheio ainda e desceu um montão. Cadê meu irmão? Ah taqui. Puxa pensei que ele tinha ficado. Que que esse cara fica passando a mão na minha cabeça? Sei lá, tá conversando com o pai. Olha aquele menino tá com a camisa do Atlético. Vermelha e preta. Puxa, que legal, essa camisa. Queria jogar bola com ela. Já pensou de uniforme inteirinho, ele tá de uniforme inteirinho até meia e calção. Será que ele joga no Atlético. Queria jogar no Atlético, de uniforme inteirinho, chute é gol, pum. Olha a pipoca, ele vai comprar pipoca. O menino da pipoca vai olhar pra ele também. Será que ele é filho do cara que vende pipoca? Tá encostado no carrinho de pipoca. E ficou olhando para o menino de uniforme inteirinho. Ele também queria. Mas ele tem pipoca de graça e eu não tenho. Nem pipoca nem uniforme inteirinho. Que fila é essa? Pra entrar? Ah, é pra comprar ingresso. Tem um menino pedindo dinheiro. Será que ele não tem pai. Ele é maior que meu irmão e tá todo sujo. Mais sujo que o Polaco. A mãe manda o Polaco tomar banho. O Polaco é bom no búrico. Ele joga bem e sempre tá cheio de bolinha. Ele não tem dinheiro, mas ele ganha bolinha no jogo. apostando. Por isso que não aposto com ele. Só jogo se for na brinca. Ele sempre ganha… Vamos entrar, ôba. Olha que ginásio grande. A T L É.. Atlético, Eu li, Eu li. Pai, eu li Atlético ali ó. Que legal né. Olha que campo grande, maior que o do Seminário. Eu já vim aqui sim, um montão. Uma vez eu sentei lá, quando eu tava com meu primo, mas meu pai não quer sentar lá. Olha ali o menino de uniforme completinho. Meia-calção-camisa. Ele vai sentar ali. Meu pai gosta de sentar lá naqueles banquinhos. Tem um homem que não deixa todo mundo entrar. Ele pede carteirinha. Qué vê, ele vai pedir carteirinha pro meu pai. Pediu, viu. Quando senta aqui não chove. Quer dizer, chove, mas não chove aqui na gente. Mas hoje não vai chover, tem sol. Aqui não tem sol mas lá, ó, tem. Eu vou sentar desse lado, meu irmão sentou daquele. Oi, eu conheço esse cara aí conversando com meu pai. Ele é pai dum guri que estuda lá na escola. Acho que é da sala do meu irmão. Ôba, meu pai comprou amendoim. Ah, botou do lado do meu irmão… Ôba, botou aqui do meu lado também. Legal! Vou pegar esse aqui que tem quatro. Abre abre quebra casca, ai caiu um. Vou esfregar pra tirar a casca. Esfrega esfrega esfrega. Isso agora assopra que ela vôa. Umm bom. Vou pegar mais. Ra ra ra ra Meu pai gritou “Coxa-branca” prum cára e ele saiu todo torto, mancando, parece um aleijado, ha ha tá todo mundo dando risada qua qua qua. Vou subir no banco. Sobe, pula, vou pegar mais amendoim e comer em pé no banco. Vou sentar aqui em cima ó. Dá pra pular daqui ali. Pula.

– Cuidado! Vai se machucar. Não pula aí. Vem pra cá!

Ah, eu não ia cair. É fácil. Pulei com amendoim na mão e nem caiu. Ói que que tá acontecendo, tão gritando, tão vaiando, um começou o jogo. Ah, é o juiz. Meu irmão também xingou de ladrão, meu pai deu risada. “LADRÃO” ha ha ha. Ei, meu nariz tá escorrendo quente. Ih, é sangue, pai meu nariz, tá saindo sangue do meu nariz.

– Péra aí. Vem cá, Segura aqui no lenço. Fica bem quietinho, não pula. Deixa o pai apertar aqui com o lenço

Tá saindo sangue, ai quase não consigo respirar. Ói, tem um cara falando…

– Põe a mão pra cima. Estica. Isso. Põe a cabeça pra trás e fica olhando pra cima. Deixe ele assim que já passa.

Vou ficar quieto, mas não tá passando. Será que tá? Vou ficar quieto. Ei, tá todo mundo gritando. Meu pai levantou e gritou. Aplausos. O time. O Atlético tá entrando em campo.

– Fica aí parado não se mexe senão vai piorar. Põe a mão pra cima, estica a cabeça pra trás e deixa o lenço apertado no nariz.

Ai, tá indo sangue pra garganta, Engole. Num é bom, Mas não é ruim também. Vou ficar quieto. Vai começar o jogo. Tem gente sentando do meu lado. Vou ficar quieto. Ói, tem um cara que qué entrar sem carteirinha. O homem não deixa, não pode. O cara grita que esqueceu, grita com o homem. O homem não deixa, ele balança a cabeça. O cara grita, é brabo, xinga. Agora tá todo mundo gritando será que é pra quem?

– Vamo sentá que vai começar o jogo!! Vamo sentá, Vamo sentá

Agora foi o pai que gritou e as pessoas vão sentando, O cara vai embora, mas vai gritando. Ai, ainda não parou de sair sangue, saco. Vou ficar com a cabeça pra cima de novo. Vou ficar quieto. Pai diz que já passa se ficar bem quietinho. Engole. O cara aqui do meu lado tá me olhando. Vou encostar no meu pai. Mas com a cabeça pra cima. Engole. Saco. O jogo já começou. Eu escutei o apito. Tô escutando no radinho. Meu pai sempre tem radinho. Tem um monte de gente que tem radinho e deixa ligado. Acho que já passou, mas vou ficar mais um tempo quietinho. Meu pai grita, levanta, ai minha cabeça, Ele me agrada e senta de novo, Olha meu nariz e diz que já tá passando, já tá passando. Eu sabia, não tava mais sentindo escorrer nem engolir. Tá passando mesmo. Pai posso baixar a cabeça?

Olha lá o Atlético. Vermelho e preto eu sei. Igual a camisa do menino. Pronde é que faz gol? Prá lá.

– Mas fica quietinho, só olhando, senão volta, eihn…

Tá. Vou ver o jogo. Eu sei quem é o Atlético, Faz gol lá, ó. Ih perdeu. O outro time está de branco. Também é bonito… Eles parecem que são mais grandes. Mais grandes não, maiores, a tia e a mãe falaram pra mim que mais grande éfeio. Mais pequeno é menor e não tem mais maior nem mais menor. Meu pai sempre brinca de falar mais maior de grande e o mais menor de pequeno. He he. Olha, a bola só fica com o branco. O Atlético tá perdendo tudo. O branco tá jogando melhor, tá driblando. Os do Atlético só perdem. Eles parecem pequenininhos. Os de branco são mais… são maiores. Correm mais. Queria ser de branco. Corre mais. Sabe driblar melhor. Mas e o Atletico? A camisa do Atlético é mais bonita. Mas o branco não é feio… O branco parece mais forte que o Atlético. Vou pegar mais amendoim antes que meu irmão coma tudo.Pega. Ih, esqueci do nariz. Num tá mais saindo sangue. Ainda bem. Vou ficar quietinho. Só vendo o jogo. Olha o Atlético tá ruim. A bola só fica com o branco. É bonito também o branco. Nem vou falar pro pai que o branco é melhor que ele vai ficar triste. Vou torcer pro… ah perdeu de novo. Esse só perde. Olha o branco ganhando. Ele é mais forte, sabe jogar melhor. Nem o Polaco joga que nem ele. Vou torcer pro branco. Não, não pode, o pai não quer. Ele vai ficar triste. Ele é Atlético. Olha um cara vendendo pipoca. Olha quanta pipoca. Meu pai nem viu. Mas meu irmão tá olhando pra ele também. Tem pipoca e tem algodão doce. Mas eu não gosto de algodão doce.De comer, não. Só de olhar. Meu pai levanta de novo e senta. Será que ele vai torcer pro branco também? O Atlético é ruim. Só perde a bola. O branco é melhor. Coitado do meu pai, vai ficar triste. Vou ficar quieto. O branco parece até mais bonito. Será que meu irmão também vai torcer pro branco? Queria que o branco fizesse um gol. Não, não queria não. Queria que o Atlético fizesse um gol. Mas esse Atlético é ruim! Eu gosto do branco! Branco! Branco! Branco! Mas num vô falá nada pro meu pai. Coit..

– GGOOOLLL!!! GGOOOOOLLLL!!!! GGGGOOOOOOOLLLLLLLLL!!!!

Meu pai me abraça e grita. Ué, mas foi o branco que fez gol. Meu irmão me abraça e grita. Eu falo:

– Mas não foi gol do Atlético, foi do branco. Foi do branco
– O Atlético tá jogando de branco, seu burro. Pai, ele pensou que o Atlético fosse o outro. É burro. Quá quá quá.

Ufa. E eu também ri e abracei o meu pai bem forte, feliz por sermos atleticanos.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]