Da coluna Acordes Locais, publicada toda quarta-feira na Gazeta do Povo:
O disco Fome de Vida, lançado na terça-feira (27) pela internet (http://nuvens.net), conseguiu concretizar o desejo da banda Nuvens de buscar um peso e uma sonoridade que remetessem a um trabalho ao vivo. O tratamento sonoro e a qualidade de gravação são exemplares. Pode-se dizer que o grupo encontrou o seu som, a sua assinatura artística.
O segundo álbum em quatro anos está mais roqueiro, mais pesado que o anterior. De semelhante apenas a intenção de ser um projeto musical conceitual, agora mais aprofundado. A própria banda se explica no material de divulgação enviado aos jornalistas:
“Fome de Vida é um disco conceitual com dez músicas que abordam um tema amplo, apresentando muito mais que apenas dois opostos: o som e o silêncio, o certo e o errado ou o bem e o mal. Nesse caos, a busca então é estar à vontade para trilhar um caminho, ‘entre o segundo e a eternidade’. E assim as canções passam de forma, ora passional, ora reflexiva, por um contexto que se torna uma apologia ao ato de estar vivo.”
A dualidade, ou o percorrer de um meio-termo; o duvidar da existência de apenas um lado, ou a atração de opostos; o desconcerto, ou a surpresa poética de confrontar verdades e afirmações. Não há trilha para se chegar ao discurso atual da banda. Ou seja, não há um só caminho e muito menos um que seja seguro. É preciso construí-lo caminhando, como diria o poeta.
O agora um tanto esquecido conceito marxista de dialética, pode ser requisitado para tentar explicar o tema das letras da Nuvens. Pode-se, quem sabe, pedir ajuda a Baktin e lembrar que as palavras (os signos) estão em uma arena de luta ideológica ou de classes. O escritor Raduan Nassar em seu Lavoura Arcaica lembrava que as palavras são afiadas e podem cortar para qualquer lado, depende de quem as esteja manejando.
“Cada homem é um mundo e todos juntos são um só”, canta Raphael Moraes. Ele diz ter se inspirado em três livros para criar as canções de Fome de Vida. São eles: O Poder do Mito, de Joseph Campbell, O Lobo da Estepe, de Hermann Hesse, e A Alma Imoral, de Nilton Bonder.
As letras são caudalosas. Apesar de terem imagens poéticas interessantes, o conjunto está mais para prosa do que para poesia. Há uma intensidade de discurso, uma vontade de passar algo, de fazer refletir. Nem sempre dá certo. Alguns escorregões, embora não sejam predominantes, surgem quando aproximam o trabalho do lugar-comum e mesmo da autoajuda – felizmente, poucas vezes.
De qualquer forma, é daqueles trabalhos nos quais é preciso prestar atenção para compreender. E isso é louvável na proposta de qualquer grupo. Se ainda não há certezas, há a busca consciente.
Agora, voltemos ao som.
Marcus Pereira acertou a mão na percussão (acústica e eletrônica) e eu até agora estou quebrando a cabeça para saber como ele e o baterista Guilherme Scartezini conseguiram preparar uma cama rítmica que ao mesmo tempo remete ao passado e aponta para o futuro – novamente a dualidade, dentro do próprio conceito do disco. É uma “cozinha” maravilhosa, que deixa os outros músicos à vontade para criarem suas filigranas, detalhes e, por vezes, excessos. A banda apresenta-se afiada, tirando tudo de seus instrumentos. Diria que o discurso musical está à frente do poético.
Raphael Moraes, que no primeiro trabalho apresentava um canto por vezes claudicante no seu tom bastante alto e de voz sem muita extensão, agora aparenta bem mais segurança. Apresenta uma notável evolução vocal. É dele a direção artística do trabalho, que teve a produção de Alvaro Alencar, produtor e engenheiro de som que já trabalhou com Maria Rita, Lenine, Lobão e O Rappa. A identidade visual é do artista e designer Juliano Domingues, mas o disco físico ainda não está disponível.
Bolsonaro e aliados criticam indiciamento pela PF; esquerda pede punição por “ataques à democracia”
Quem são os indiciados pela Polícia Federal por tentativa de golpe de Estado
Bolsonaro indiciado, a Operação Contragolpe e o debate da anistia; ouça o podcast
Seis problemas jurídicos da operação “Contragolpe”