Dois lançamentos de música do Paraná que conversam e, em certo ponto, convergem: Lívia e os Piá de Prédio lança seu segundo disco, chamado de “Bloco II”. A banda Stilnovisti, capitaneada pelo compositor e intérprete Aguinaldo Martinuci lança seu primeiro trabalho, dentro do projeto Bandas Fora da Garagem, financiado pelo Fundo Municipal de Cultura, da Fundação Cultural de Curitiba. Lívia e os Piá já fizeram o show de lançamento no Sesc da Esquina, na semana passada, e Stilnovisti fará o show de lançamento às 20h no TUC nesta sexta-feira.
Lívia é curitibana e a cidade é seu principal produto de inspiração. Todas as músicas falam das manias e paisagens ligadas à Curitiba. Martinuci é do interior, morou em Londres e São Paulo antes de optar por Curitiba. É do mundo. Lívia é urbana, mas a produção do disco deixou o som próximo do rock rural e remete a Blindagem, a Sá, Rodrix e Guarabira (a Elis Regina cantando “eu quero uma casa não no campo, mas em Curitiba”). Martinuci é do interior, mas suas músicas são pop, têm referências mundiais e um quê de sinfônico, mas sempre cheirando a mato.Lívia e Martinuci são excelentes compositores e letristas e suas músicas devem ser tocadas e cantadas por mais bandas (pergunta que não quer calar: por que as bandas do Paraná não tocam as músicas de outras bandas do Paraná?).
Mas vamos a um de cada vez.
Lívia e os Piá de Prédio – Se no primeiro disco, Lívia e os Piá de Prédio passeavam por uma profusão de ritmos e tinha apenas Curitiba e suas manias a unir todo o CD, neste novo trabalho já se nota uma preocupação maior com a sonoridade. Com a produção de Fernando Tupan e Marcus “Coelho” Gusso, gravado no Discos Voadores, o “Bloco II” se apoia no rock rural, unindo guitarras, violas e sanfonas, mas com um som atualizado – podemos citar a banda Charme Chulo com uma proposta aproximada.
Curitiba continua sendo a personagem principal. “Eu não falo com estranhos”, “Gilda – nunca houve uma mulher como Gilda, um trocado ou um beijo na Boca Maldita”, “tenho sempre um guarda-chuva, porque a chuva sempre vem”, estas e outras referências e também a falta de referências e características paranaenses (quem sou eu? o que tenho para chamar de meu?) estão em todas as oito músicas. As calçadas irregulares estão lá; o olhar para o chão, está lá; até as antigas polaquinhas que levavam as “caroça com os leite e as verdura” para vender lá na cidade e paravam no Largo da Ordem para os cavalos beberem água, estão lá. “As Polaquinhas” nos remete a nós mesmos assim como dialoga com “As meninas da cidade”, de Belarmino.
É claro que não poderíamos deixar de falar do tempo, daquele sol, o céu azul que nos deixa feliz aqui, “mas fecha o tempo e eu me escondo embaixo do primeiro toldo furado, me rendo a esse inferno/inverno do sapato molhado..// como pode o sol tão quente e de repente o céu nublado?”. Lívia nos recoloca, piás curitibanos de todos os cantos, no devido lugar, mesmo depois que “o Batel virou Soho”. Ela nos dá gengibirra, ajeita os topetes das meninas, acena para o piá pançudo, lamenta o fechamento da Pedreira e dá um abraço pro gaiteiro. Lívia nos dá referências. É um pop clássico curitibano.
Stilnovisti – É sempre uma surpresa, das boas. Quando esbarrei com Martinuci, o capitão desta banda, lá pelos caminhos tortuosos do MySpace, de primeira notei a qualidade das composições deste personagem então desconhecido. Mas ele já tinha história, que apresentava em suas composições, gravadas em Londres e no interior do Paraná. Depois, com o parceiro Fernando Nicknich montou o Stilnovisti e colocaram na internet as músicas em processo de composição. Então vieram os shows com o coro da UFPR – e tem ótimo vídeo no YouTube que mostra a qualidade do trabalho. Quando tudo estava ficando perfeito, eis que Nicknich sai para outras paragens europeias e a banda tem de ser refeita. Agora, reaparece com a nova formação com disco e show.
Projeto pop que reúne muitas influências de MPB, jazz e também de música sinfônica (obviamente mais nítidas com a participação do coral, mas também nos arranjos de quase todas as músicas). QUase um rock sinfônico no que ele tem de bom. Martinuci traz influências tanto do interior paranaense quanto de Londres. O disco foi gravado em 40 horas no estúdio Solo, de Curitiba, dentro do que se propõe o projeto de Vadeco para as bandas de garagem. A produção é de Jorge Falcon, com arranjos de Martinuci e Falcon. Tem participação especialíssima de Edith Camargo (Wandula) na bela música “Canção Impressionista”.
É um trabalho de canções, com boas letras, bem arranjado, pronto para ser reconhecido pelas rádios e espalhado pelos quatro ventos. Como compositor, Martinuci consegue um casamento perfeito de melodia e a prosódia da letra, pro vezes estendendo sílabas pelos compassos, algo mais comum na canção americana e inglesa e menos usado no português. E ele faz isso naturalmente, não parece forçado. Como disse, é sempre uma surpresa, das boas e que continue assim.
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