Na semana passada veio à tona a informação de que a tradicional Oficina de Música de Curitiba seria “encolhida” no ano que vem. A culpa (ou a desculpa) seria da Copa do Mundo, que prejudicaria o calendário de eventos municipais. Matéria a respeito foi publicada na Gazeta do Povo com a versão da Fundação Cultural de Curitiba e do Icac (leia aqui). É uma desculpa esfarrapada para a falta de planejamento e política cultural do município.
O maestro Alex Klein, que dirigiu a Oficina de Música de Curitiba entre 2002 e 2005, ficou sabendo do novo golpe contra o evento e escreveu uma carta que deve ser lida e provocar a reflexão tanto dos frequentadores e professores, quanto dos dirigentes culturais e políticos da cidade. Ele deixou suas funções quando Beto Richa assumiu a prefeitura de Curitiba e promoveu alguns cortes que afetaram a Oficina. Na carta, elogia aqueles que ainda permanecem e se esforçam para por de pé este acontecimento musical da cidade, mas pede mais planejamento e envolvimento dos dirigentes e políticos.
Confira abaixo a carta aberta do maestro Alex Klein, que foi grande instrumentista (solista de oboé respeitado internacionalmente) lamentando a falta de atenção com a Oficina de Música de Curitiba.
Todas as vezes que eu leio sobre os problemas da Oficina de Música eu não posso deixar de lembrar como há 10 anos eu também deixei este maravilhoso festival pelas mesmas razões que continuam impedindo seu sucesso hoje: falta de planejamento superior, neste caso, visão cultural da Prefeitura.
Eu sinto prazer de contar esta história não com a intenção de minimizar o desempenho da Oficina, mas sim, ironicamente, de valorizar o trabalho daqueles que lutam por ela e exemplificar claramente “o que seria a Oficina” se tão somente estas pessoas recebessem de cima o devido apoio para sustentabilizar o evento. Na época em que eu fui Diretor Artístico da Oficina de Música Erudita (2002 a 2005), gradualmente elevamos o evento no âmbito internacional, com idéias provocativas e eficazes para erguer a imagem e efetividade da Oficina. Ainda me dá lembranças ver o Antonio Meneses tocando o Concerto em Dó Maior de Haydn com Cláudio Cruz regendo, Michel Debost na flauta, a primeira apresentação da Sagração da Primavera de que se teve notícia em um festival de música brasileiro, a 4a Sinfonia de Mahler, o lendário trompetista Bud Herseth que recebemos no Afonso Pena com tapete vermelho e fanfarra de trompetistas, e os ensurdecedores 78 músicos de metais que tocaram sob a liderança do também lendário trompista Dale Clevenger, que os regeu de um pódium de quase 3 metros de altura na Catedral Metropolitana.
Porém, após uma eleição (a de Beto Richa em 2005), o orçamento da Oficina foi dramaticamente cortado (45%), a meros dois meses do evento, quando tínhamos alunos e professores já com passagem comprada ou destino definido. O corte inviabilizou uma Oficina que já era organizada de maneira muito eficiente, e cujos professores já eram mal pagos (alguns recebiam R$1000 por duas semanas de trabalho…). Seria uma enorme falta de responsabilidade para um Diretor Artístico encaminhar este planejamento todo – que é parte normal de um evento que deve ser organizado com pelo menos um ano de antecedência – e depois, encima da hora, ter que dizer aos alunos que tal professor não vem mais, pois o dinheiro acabou. Seria mal visto também dizer a um professor (nacional ou estrangeiro) que sua vinda está cancelada, após eles terem reservado estas datas para nós e negar outros convites. Assim é impossível fazer um trabalho de qualidade, em qualquer profissão. Nada de “bom”, a nível internacional, pode ser feito às pressas e aos trancos e barrancos. Aí fica a admiração por aqueles que ainda lutam pela Oficina, e a tristeza ao ver o desprezo das autoridades curitibanas pela cultura local. A Oficina, de fato, é um sinal de como a cultura curitibana perde quando comparada à de outros centros, mesmo aqueles com uma fração do orçamento da cidade ou estado – a exemplo, aqui na Paraíba, um estado economicamente muito inferior ao Paraná e Curitiba, somente o PRIMA, onde trabalho, recebe do Governo Estadual um aporte orçamentário 4 vezes maior do que a Oficina recebe da Prefeitura, e o PRIMA não é o maior investimento sócio-cultural do estado. São R$5 milhões destinados somente à compra de instrumentos musicais, sem contar nossos 50 funcionários/professores, e diversos outros investimentos em infra-estrutura que acompanham o projeto. Porque Curitiba e o Paraná deixam sua rica cultura de lado e não embarcam em administrações mais pró-ativas? Inexplicável…
No final de 2005, desesperado pelas consequências profissionais à minha própria reputação, por fazer um convite “frio” e que não seria respeitado pelas autoridades superiores da Oficina (nova prefeitura de Beto Richa), fiz o único caminho que poderia ser seguido por um profissional responsável: levar este grupo de alunos e professores a um lugar que os poderia acolher. Dentro de 24 horas veio a resposta de Santa Catarina: “nós queremos”. E assim Curitiba perdeu, e Jaraguá do Sul ganhou, como hoje tantas comunidades ao redor do mundo ganham com artistas curitibanos que deixam sua terra à procura de melhores praias. Em Jaraguá do Sul, a meros 130km de Curitiba, cujo aeroporto utilizamos mais que o de Joinville, aquela Oficina de 2002 a 2005 continuou crescendo a partir de 2006, exatamente nos mesmos moldes e princípios estabelecidos durante minha gestão na Oficina. Em outras palavras, o que se vê no FEMUSC hoje é justamente o que seria da Oficina de Música caso houvesse sustentabilidade. E o que se vê na Oficina de hoje são líderes e artistas sofrendo para dar a Curitiba alguma continuidade, ante impossíveis condições de planejamento antecipado – este que é chave para qualquer atividade de alto nível. O FEMUSC tem um orçamento parecido com o da Oficina – cerca de R$2 milhões, incluindo todas as despesas diretas e indiretas. Com esta habilidade de planejar com antecipação, o FEMUSC ontem apresentou sua lista de 700 alunos para o festival de janeiro, 2014, com inscrições provenientes de 28 países e conservatórios de renome. E, sem esta habilidade de planejamento, a Oficina 2014 segue aos prantos e instabilidade. Culpa dos artistas? Dos líderes da Oficina? É claro que não….não se pode trabalhar nem exigir de ninguém que faça este milagres. É duplamente triste perceber como os líderes da Oficina possam ser vistos como incapazes de produzir algo do nível que seus esforços merecem.
Não vem ao caso utilizar este momento para maximizar o trabalho e estratégias do FEMUSC, nem de dizer que o que “eu” fiz pela Oficina não poderia ser feito por outros. Não é verdade. Também não vem ao caso alegar que o FEMUSC é uma entidade privada, ao passo que a Oficina é pública, pois o Brasil está repleto de eventos sócio-culturais públicos de grande êxito, como próprio PRIMA na Paraíba. O caso aqui é que projetos como o FEMUSC e PRIMA só tem sucesso porque lhes são oferecidos sustentabilidade, e enquanto a Prefeitura de Curitiba não reconhecer isso, a Oficina e outras manifestações culturais curitibanas e paranaenses permanecerão na retaguarda da cultura brasileira, para enorme tristeza daqueles que tentam, ano após ano, fazer a diferença.
O que vai acontecer, meus caros, quando eles também se cansarem?
Atenciosamente,
Alex Klein