Vocês lembram e podem acompanhar em post abaixo que a Frente Acorda Cultura Curitiba preparou um manifesto criticando a gestão da Cultura em Curitiba e pedindo uma audiência pública com o prefeito Gustavo Fruet. O manifesto já recebeu quase 2 mil adesões na internet. Depois disso, a Fundação Cultural de Curitiba lançou nota rebatendo as críticas e convidando artistas e produtores culturais da cidade para “tomar um cafezinho”.
Nesta semana, a Gazeta do Povo publicou uma entrevista com o presidente da Fundação Cultural de Curitiba, Marcos Cordiolli, sobre a gestão da Cultura em Curitiba. Entre outras coisas, ele admite que subestimou as dificuldades e que não tinha o total conhecimento dos problemas da Fundação com os quais se deparou.
Agora, com base nessa entrevista, a Frente Acorda Cultura Curitiba responde a algumas das afirmações de Cordiolli. Veja a íntegra da nova nota da Frente, que continua aguardando uma audiência pública com o prefeito Gustavo Fruet:
REALIDADE X ATUAL GESTÃO FCC
Sobre a entrevista concedida ao Jornal Gazeta do Povo
1) Marcos Cordiolli: “Recebemos um diagnóstico incompleto e irreal sobre vários aspectos da gestão. Isso nos levou a superestimar nossa capacidade de atuação…”
Frente Acorda Cultura Curitiba: Ao longo de 2013, em diversos encontros com segmentos da classe artística e cultural, Marcos Cordiolli falou que a atual gestão estava mapeando toda a capacidade de ação da Fundação Cultural de Curitiba, seus limites físicos, de pessoal e financeiros. Ainda assim, na entrevista ao jornal Gazeta do Povo, ele afirma que o problema está, em larga medida (grifo nosso) no diagnóstico recebido. Ora, sendo assim, a atual gestão pautou todo seu trabalho ao longo de 23 meses de atuação em um diagnóstico recebido incompleto e irreal? 23 meses pra descobrir isso? Mas o próprio Presidente não disse por diversas vezes que eles próprios (sua equipe) estavam fazendo um diagnóstico? Duas posições distintas oriundas da mesma fonte.
2) MC: “A partir de 2004, o grosso dos investimentos foi passado para o Fundo Municipal de Cultura.”
FACC: Desde 2004, incluindo os dois anos da atual gestão, os patamares de investimento pela Lei Municipal de Incentivo à Cultura, incluindo aí o Fundo Municipal e o Mecenato Subsidiado, jamais alcançaram os limites previstos em Lei, que seriam de 1% da arrecadação do ISS e IPTU para cada modalidade. Os montantes investidos ficaram, em média, na casa dos 83% do total. Ainda assim, a resposta incorre em um erro grave. Os valores aplicados através do Mecenato Subsidiado contam com os montantes totais, sem nenhuma dedução de qualquer espécie. Já os editais do Fundo Municipal sempre incluem um item denominado “Verba de Apoio”, que destina à Fundação Cultural de Curitiba parte dos recursos de cada edital para uma rubrica genérica, gerenciada pela própria FCC. Em uma média otimista, os percentuais direcionados para essas ações giram em torno de 27%, atingindo em alguns editais o montante de 40%. Na prática isso significa que, em um investimento anual de R$ 10 milhões, por exemplo, a FCC ficaria com R$ 2,7 milhões para “ações de apoio técnico e logístico”, sem nenhuma prestação de contas clara e pública. Isso tudo ainda sem levarmos em conta que os recursos do Fundo não tem liberação automática, podendo ser contingenciados pela Prefeitura. Os do Mecenato não, o que garante a esta última modalidade a aplicação total dos recursos previstos. Mas podemos deixar esse “detalhe” pra outro momento. Então perguntamos: o Presidente da Fundação Cultural de Curitiba não conhece o principal mecanismo de fomento às produções artísticas e culturais da cidade? Se conhece, cometeu um deslize grave ao afirmar uma inverdade. Se não conhece, cometeu um deslize grave pela negligência em suas declarações.
3) MC: “O que nós criticamos foi a origem dele (manifesto), sem uma liderança identificável, sem assinatura.”… “Em momento nenhum criticamos a legitimidade da mobilização, nem a de demandas apresentadas.”…
FACC: O conteúdo destacado se refere às palavras do Presidente da Fundação Cultural de Curitiba, datado de 19/11/2014. Entretanto, em nota oficial datada de 13/11.2014 e publicado no site da FCC, vemos o que segue: “A FCC não reconhece a legitimidade da publicação. Criado a partir de motivações políticas e pessoais, o dito manifesto é um conjunto de informações falsas e desencontradas.” Pela contradição entre os dois discursos, podemos presumir que a FCC tem duas cabeças ou que seu presidente não sabe o que é publicado em notas oficiais em portais cujos conteúdos são também de sua própria responsabilidade.
Ainda a respeito das reivindicações do “dito manifesto”, na entrevista à Gazeta do Povo, o Presidente ainda afirma que “… A principal delas, que é sobre o patamar de 1% do orçamento para a cultura (em letra minúscula no original)…”. Ora, o “dito manifesto” começa todas as suas afirmações com a chancela “NÃO É SÓ POR 1%.”.
Reconhecendo os problemas orçamentários pelos quais passam não apenas a FCC, mas toda a Prefeitura de Curitiba, nos parece que o Presidente da FCC está no mínimo confuso com as suas fontes de informação. Não sendo isso, seria má fé, o que não acreditamos ser possível por parte de um Gestor Público de qualquer estatura.
Por fim, o dialogo que a FCC diz estar mantendo com “movimentos culturais organizados” não inclui a Frente Acorda Cultura Curitiba, que já conta com 1627 assinaturas, e que pleiteia unicamente uma audiência direta, franca e objetiva, mas “apenas” com o Prefeito Gustavo Fruet.
4) MC: “Não reduzimos nenhum espaço cultural desde que assumimos.”… “incorporamos mais dois imóveis (da União Paranaense dos Estudantes e da Casa Kozák), além de termos recuperado uma série de espaços que estavam sucateados, como o TUC, MUMA, Cinemateca, Memorial de Curitiba.”
FACC: Ainda que espaços artísticos e culturais possam não ter sido fechados, houve sim a demissão de funcionários e estagiários de programas de literatura capitaneados pelo Instituto Curitiba Arte e Cultura – ICAC, comprometendo sensivelmente a manutenção das atividades reconhecidas local, regional, nacional e internacionalmente (UNESCO). Também houve o cancelamento de programas de música na Regional Boa Vista que assistia, ao menos, 1.500 alunos, pra não falar nos cortes orçamentários e na confusão de comunicação básica quando da publicação de diversos editais nas mais variadas áreas.
Já em relação à UPE e Casa Kozák, seria interessante o Presidente esclarecer o que, pra nós, se trata de um paradoxo inexplicável.
Ora, na primeira resposta da entrevista o Presidente diz que o crescimento da FCC não foi acompanhado por um conseqüente e necessário aumento orçamentário, bem como do corpo de funcionários da própria FCC. Se as circunstâncias impedem a gestão de promover o que se espera do quarto PIB do país (atrás apenas de São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília), como essa mesma gestão firma contratos de co-gestão, acumulando mais funções ou, no limite, aumentando as demandas por investimentos? Talvez seja por essa e outras contradições do discurso que, de 2013 (ano da assinatura do contrato com a UPE) até agora, nada de efetivo foi realizado. Há apenas e tão somente o contrato firmado e uma “carta de intenções”, o que parece ser a marca registrada da atual gestão.
Ainda em relação aos espaços, a reforma do Teatro Universitário de Curitiba – TUC, não foi realizada pela atual gestão, mas sim na de Paulino Viapiana, nos anos de 2007 e 2008. No mínimo, uma informação incorreta. O MUMA tem problemas sérios de infra estrutura e de mobilidade, comprometendo acervos importantes, patrimônio de toda a cidade. O Cine Guarani, que abriu suas portas precariamente, contava com uma equipe de curadores para sua programação e que foi negligenciada e pouco valorizada, até perder sua função, apesar do amor pela causa de seus integrantes. A Cinemateca de Curitiba, coordenada pelo próprio Cordiolli, mantém seus acervos em condições precárias e suas condições gerais de programação e atividades de formação (que já qualificaram inúmeros profissionais do cinema e audiovisual local) quase à míngua. Todos esses equipamentos estão sendo mantidos graças muito mais à dedicação dos funcionários do que a habilidades dos gestores da FCC.
5) MC: “Eu estranho que esse manifesto se organize com tanta energia contra a FCC e exima das criticas as políticas do governo do estado (em minúsculo no original).”
FACC: “As cidades são reais, o Estado uma abstração.” (José Justino de Souza Neto ou Néstor Garcia Canclini, de uma forma mais elaborada). Tudo acontece nas cidades. Sobre isso temos a dizer que nosso foco é, por hora, a FCC, dadas as condições de gerenciamento em que ela se encontra, suas especificidades e sua ligação natural com toda a cidade de Curitiba. Não negamos os enormes problemas da Secretaria de Estado da Cultura do Paraná, seus desmandos e suas incompetências. Todas elas serão tratadas em momento oportuno por toda a sociedade, incluindo por esta Frente. Apenas temos como foco, no presente momento, ações emergenciais para o resgate da FCC, dos equipamentos culturais da cidade de Curitiba e de todos os servidores públicos responsáveis pela construção de boa parte do que temos de mais precioso em nossa cidade, representado nas manifestações artísticas e culturais.
6) MC: “(Também) achei estranho que esse manifesto não reconheceu a grande mobilização das Conferencias Municipais e dos conselhos setoriais (em minúsculo no original)”….
FACC: Não só reconhecemos a importância das Conferências e dos Conselhos Setoriais, como lembramos que todo o processo de discussões, organizações de seminários temáticos e desmembramento da Conferencia Extraordinária em dois momentos distintos, foram organizados e pleiteados pelos segmentos artísticos e culturais e não pela FCC. Se dependêssemos da proposta oficial inicial, não teríamos os debates nem os resultados extremamente positivos que tivemos. Se cabe algum mérito ao Poder Público, neste caso representado pela FCC, é o de permitir que tal encaminhamento fosse dado. No entanto, talvez isso só tenha sido possível por um desconhecimento claro e notório dos gestores a respeito do assunto em pauta, qual seja, a discussão da Minuta do Sistema Municipal de Cultura, respaldado pelo Sistema Nacional de Cultura. Os segmentos organizados demonstraram um conhecimento substancialmente superior aos de todos os gestores, contribuindo significativamente para o que se sucedeu.
7) MC: “E, até o final da gestão, vamos chegar a esse patamar formal (1% do orçamento municipal para investimentos em Cultura).”
FACC: Ao longo de toda a campanha, o então candidato Gustavo Fruet frisou em diversas ocasiões que, já em 2014, teríamos 1% para a FCC. Há diversas declarações públicas reafirmando isso. Esse é o primeiro ponto: não inventamos nada, apenas lembramos o que foi falado, ainda que saibamos das dificuldades financeiras pelas quais passa a Prefeitura. Não somos irresponsáveis nem tampouco sectários em nossas críticas, ainda que entendamos que é nosso dever pressionar o Poder Público rumo aos anseios de toda a comunidade artística e cultural. Mas temos paciência, e demonstramos isso quando publicamos nosso MANIFESTO “Não é só por 1%”.
No que concerne a concursos, há apenas estudos e em todos eles quase nenhuma menção à FCC, muito menos aos 200 novos funcionários necessários. Não será em uma gestão, portanto, que esse problema será resolvido e, por esse e por muitos outros motivos, os acordos de co-gestão ou gestão compartilhados devem ser realizados em outros patamares, muito diferentes daqueles defendidos e levados à cabo pelo Presidente da FCC. Nós aqui nos eximimos de esclarecer quais seriam eles, por entender que devemos falar sobre o assunto apenas e tão somente com o Prefeito Gustavo Fruet.
Finalizando, sobre os “críticos… colaborarem de forma correta”, lembramos que em quase dois anos, foram realizados inúmeros papos de classe com diversos segmentos artísticos e culturais, dezenas de reuniões com os principais gestores e seus assessores, o que resultou em contribuições do mais alto valor ao Poder Público. Até o presente momento, 19 meses após a posse, pouca ou nenhuma ação de envergadura derivada desse acúmulo precioso foi realizada. A sociedade organizada se dispôs, desde o início, a contribuir com a atual gestão. Primeiro por simpatia e esperança, depois por julgar que ainda havia espaço para ajudar não “apenas” produtores e realizadores artísticos e culturais, mas toda a sociedade curitibana e, é claro, o próprio Poder Público. Podemos aceitar críticas, mas uma não cabe a nós de maneira nenhuma: a de que não depositamos nas mãos dos atuais gestores da FCC tudo o que tínhamos de melhor. Infelizmente, eles não souberam aproveitar nosso potencial nem respeitar a nossa esperança e a nossa confiança.
Curitiba (PR), 20 de novembro de 2014.