Reroduzo aqui a coluna Acordes Locais, que assino toda quarta-feira na Gazeta do Povo:
Li, há mais de cinco anos, uma entrevista em que Chico Buarque de Holanda previa, quase decretava, a morte da canção. Para ele, a canção que marcou a música do século 20, principalmente a brasileira, estava com os dias contados. Na época, ele falando isso soava como uma capitulação. Logo o maior dos nossos compositores de canções, o melhor letrista que o Brasil já produziu, descerrava a bandeira e depunha as armas. Não havia mais espaço para a canção, dizia ele, argumentando que a letra, a palavra dentro da música, perdia espaço. A melodia era espancada pelo ritmo. Por fim, citava o rap, como uma transformação da antiga canção, um futuro, uma nova forma para a palavra junto à música ou ao ritmo.
Você deve estar se perguntando por que, diabos, eu estou lembrando disso agora, aqui neste canto de jornal, nesta coluna dedicada à música paranaense. Acontece que várias coincidências nos dias deste início de fevereiro me jogaram de novo nessa discussão que, talvez, nunca tenha saído da minha cabeça.
Vou apontar os fatos que se sucederam para tentar desdizer o meu ídolo Chico Buarque.
No fim de semana, a discussão voltou quando assisti, pelo Canal Brasil, a uma parte do documentário Palavra (en)Cantada. O filme foi dirigido por Helena Solberg e discute a relação entre a música e a poesia no Brasil. Foi lançado em 2009, mas gravou os depoimentos entre 2006 e 2007. Ali aparece novamente Chico Buarque falando sobre o fim da canção. Outras pessoas retomam o tema, entre elas o compositor Tom Zé. O paulista-baiano afirma que, antes, a canção afetava o sistema auditivo e cognitivo. Porém, hoje, explica Tom Zé com seu jeito histriônico, ao entrarmos em um carro e ligarmos a música, o som nos bate no corpo todo, nas pernas, no estômago, na cabeça. Então, como a canção poderia sobreviver a esse “espancamento”? Ela vai se transformar em uma outra coisa, assegura ele.
Vendo e ouvindo isso, meu cérebro fez uma ligação imediata com o podcast que havia acabado de gravar, na quinta-feira da semana passada, com o músico, compositor e produtor Rodrigo Lemos, para o meu blog Sobretudo (veja em post abaixo). Está no ar e você pode ouvir agora mesmo, enquanto lê este artigo. Foi cerca de uma hora de conversa e com apresentação de algumas músicas que estão sendo feitas por compositores paranaenses atuais. Todas canções.
O próprio Lemos tocou ao vivo, no ukelelê, a música “Alice”, uma bela canção. Depois, apresentou a cantora e compositor Ana Larousse, curitibana que mora na França e grava aqui o primeiro disco, quase todo de canções. Tocou ainda A Banda Mais Bonita da Cidade e o músico e compositor Thiago Chaves, com mais canções. Ainda apresentou um projeto paralelo dele com os músicos da banda Sabonetes, chamado Naked Girls and Aeroplanes, em que compõem … sim, claro, canções. Por fim, mostrou também em primeiríssima mão, uma das músicas do recém-gravado e ainda não oficialmente lançado disco da banda Humanish, que até a semana passada chamava-se Das Velas, mas decidiu mudar o nome. Esta é mais pop, no entanto não deixa de ser uma canção.
Ou seja, eu acabava de gravar um podcast só com canções e assistia na televisão a um documentário que falava no fim da canção. Lógico que não vou comparar letras de ninguém às de Chico Buarque. Mas, rapidamente, lembrei que não foram só os paranaenses que aderiram às canções. Dois destaques da música brasileira de 2010, Tulipa Ruiz e Marcelo Jeneci estrearam em discos e mostraram o quê? Claro, lindas canções. E, internacionalmente, já que o espaço acaba, rapidamente cito a bela canção de Natal do Coldplay, “Christmas Lights”, e até mesmo o novo e belo trabalho do rapper Kanye West, My Beautiful Dark Twisted Fantasy , que inclui a faixa “Runaway” e está cheio do quê? Do quê? Sim, claro, você já sabe.
A canção não morreu. Ela pode ter se transformado um pouco, mas ainda convive com todas as formas de música. Felizmente.
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