A poeta e compositora paranaense Etel Frota foi surpreendida pelo poder da internet. Ela publica no site MySpace algumas de suas canções e um belo dia recebeu uma mensagem de um músico sueco propondo que passasse a escrever letras para a banda A Bossa Elétrica, um grupo de suecos que tocam latin jazz com muita influência brasileira. Convite aceito, como a compositora não fala sueco, faz-se um complexo esforço para a criação de letras em português para um grupo sueco, com a intermediação do inglês.
Um verso não define uma pessoa. Um livro inteiro de poesias também não. Toda uma obra pode chegar perto. Mas, para falar da poeta e letrista Etel Frota, vou usar alguns versos, escritos por ela: “a canção é/ meu pecado/ minha dor e redenção/ meu brinquedo, meu reisado/ o meu bocado de/ pão“. Este é um trecho da canção “Sete Trovas, parceria de Etel com Rubens Nogueira e Consuelo de Paula, gravado por Ana Cascardo no disco “Esta noite vai ter sol” (e você pode escultar na internet aqui).
Poeta temporã, antes Etel foi médica por 18 anos, até que, como ela própria descreve, a profissão deu sinais de inanição. Trocou o estetoscópio por escritos que auscultam a alma. Transformou-se, publicou-se e musicou-se. Hoje é letrista de inúmeras parcerias. Já assinou letras para músicas de muita gente boa, entre os quais o recentemente falecido Zé Rodrix. Veja a lista atual de parceiros, por ordem alfabética, já que o número só cresce: Alexandre Lemos, Álvaro Ramos, Angel Roman, Ceumar, Claudio Menandro, Consuelo de Paula, Cris Lemos, Davi Sartori, Emerson Mardhine, Érico Baymma, Felipe Cerquize, Felipe Cordeiro, Felipe Radiccetti, Gerson Bientinez, Guilherme Rondon, Indioney Rodrigues, Iso Fischer, Kim Ribeiro, Liane Guariente, Lucina, Luhli, Luis Felipe Gama, Luís Otávio Almeida, Lydio Roberto, Milton Karam, Oswaldo Rios, Ozias Stafuzza, Rafael Altério, Raymundo Rollim, Renato Lucce, Rogério Gulim, Rosi Greca, Rubens Nogueira, Sérgio Santos, Sonekka, Tato Fischer, Tavito, Zé Gramani, Zé Rodrix.
Agora, inicia a parceria internacional, um processo sobre o qual ela mesma descreve:
“Esse pessoal só canta em português. O engraçado é que eles não dominam o idioma, então está funcionando assim: eles me mandam a melodia, eu escrevo a letra em português, gravo essa letra, falando pausadamente, na divisão da melodia, pra eles entenderem a acentuação e mando pra eles com um ‘meaning’ em inglês.” É isso e mais um turbilhão de e-mails para tirar dúvidas de ambas as partes.
Mas qual o segredo para ser uma tão requisitada letrista? “O jeito que mais gosto de escrever letra é assim, como estou fazendo com os suecos, a partir de uma melodia que já existe. É desafiador e altamente gratificante ir encontrando as sílabas que melhor se entendem com as notinhas, as palavras que cabem no desenho da melodia, os sentimentos que melhor se encaixam nas nuances da harmonia. É uma viagem! Uma outra modalidade tem sido escrever um poema que alguém escolhe pra musicar. Escrever uma “letra” assim, pra ser letra mesmo, já aconteceu – muitas vezes – mas não é o meu modus operandi predileto.”
Etel está tão longe e tão perto. A cantora Ceumar acaba de lançar o CD “Meu Nome”, gravado ao vivo. Neste trabalho, mais uma composição da poeta paranaense, que você pode ver pelo YouTube clicando aqui ou vendo direto ali abaixo. Trata-se da canção “A comadre”. Também pelo YouTube é possível ver o interessante trabalho de Rogéria Holtz e Antônio Spina Filho, chamado “Acorda + Poesia”, que fala sobre a produção poética e musical de Curitiba. Feito para o formato de televisão com depoimentos de vários poetas e canções interpretadas por Rogéria Holtz. Na internet foi dividido em seis partes. A que Etel fala e Rogéria (en)canta pode ser acessada no link: http://www.youtube.com/watch?v=bTbLtLlCkWE&feature=related , ou dando uma olhada ali embaixo também (no vídeo aparece primeiro o depoimento engraçado do Rettamozzo).
Para finalizar, novos versos de Etel:
Sete Trovas
(Rubens Nogueira – Consuelo de Paula – Etel Frota)
a canção é
meu pecado
minha dor e redenção
meu brinquedo, meu reisado
o meu bocado de
pão
a canção é meu estado
minha sina, distração
meu folguedo, meu
congado
meu cajado, profissão
uma sorte, um presente
estandarte,
talismã
minha comissão de frente
uma filha temporã
um rebento, um
trovão
o estrondo da maré
água benta, devoção
luz pagã, auto de fé
uma
fonte, o santo forte
a função o meu papel
rosa dos ventos, meu norte
coração
vertendo mel
a canção é meu bailado
meu sinal e meu bastão
fandango,
sapateado
o final, a expressão
a canção é meu sossego
meu destino,
solidão
minha paz, meu desapego
minha dona, meu perdão
Onde os anjos não ousam pisar
(zé rodrix / etel frota – gravado por Nasi)
Equilibrista na
beirada do abismo
Quem sabe caia ou talvez vá voar
Noite cerrada, ferro,
fogo, batismo
Anjo nenhum vai conseguir me escorar
_vai com açucar, ou
prefere adoçante?
(anjo da guarda se recusa a provar)
Nada a perder
Nada a
ganhar
Enlouquecer
Ou delirar
E eu ainda insisto em andar
Onde os anjos não
ousam pisar
Na matinê morro de tiro ou de tédio
Se deus morreu, quem é que
vai me enterrar?
Prefiro o brilho do meu próprio remédio
Anjo da guarda não
se arrisca a provar
_a camisinha você trouxe, meu bem?
_deixa, meu anjo, que
eu não vou gozar
Nada a perder…
Alma vazia, vendi todos os
móveis
Levei na troca pó de pirlimpimpim
Luz na neblina, solidão,
automóveis
Molhado asfalto das esquinas de mim
Abandonado por meu próprio
destino
Buscando um rumo pra seguir sem pensar
Dentro do peito agonizando um
menino
Que se perdeu porque não soube chorar
Se não tem cura eu toco um tango
argentino
Olhando o anjo que não sabe dançar
Nada a perder…
Onde eu
ando sem ter que pensar
Nenhum anjo consegue voar