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Política Pública de Cultura 4 – O debate continua
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Aí vão mais duas opiniões sobre a política pública de cultura de Curitiba. Como vocês já sabem, abri aqui a discussão sobre o assunto e estou publicando algumas respostas a questões básicas com o intuito de refletir sobre os processos culturais do ponto de vista da gestão pública.

Agora, seguem as respostas de Téo Ruiz e de Frederico Neto. A elas, pois:

Téo Ruiz – Músico e produtor, foi interlocutor geral do Fórum Nacional da Música, que está em processo de mudança de gestão. É da
www.whoisproducoes.com.br

1 – Curitiba tem política cultural? Qual é? O que falta?

A grande questão em Curitiba, me parece, que é a confusão entre leis de incentivo à cultura e política cultural. Não são a mesma coisa, mas aqui e em muitos lugares têm sido há muitos anos. As leis de incentivo são importantes mecanismos de fomento às atividades culturais. Na minha visão, inclusive, muito mais o Fundo do que o Mecenato. Mas os artistas precisam se utilizar do que está disponível. E o que está disponível é, basicamente, essas duas ferramentas de fomento.

As políticas culturais passam por questões macro-estruturais. É igual qualquer setor da economia e da sociedade. Se o governo percebe que existe um problema com a soja, ele não vai ficar criando leis de incentivo, e mecenato, etc, pra resolver esses problemas. Ele vai atuar no problema, estudar o que está acontecendo, e intervir pontualmente pra resolver o que tiver que ser resolvido. Porque a cultura tem que ser diferente?

A cultura é um setor crucial na sociedade, e isso tem que ser entendido de uma vez por todas. Não só pelo governo, mas pelos próprios artistas também. Portanto, falta um mapeamento efetivo das atividades culturais da cidade, um plano municipal de cultura condizente com a realidade do município, uma participação clara e efetiva da sociedade civil nesse processo, estruturação dos espaços culturais da cidade, equipamentos, concursos públicos e pessoal, incentivo à circulação nacional da nossa produção local… Isso pra citar algumas necessidades.

2 – A Lei de Incentivo substituiu a política pública de cultura?

Sem saber acabei respondendo um pouco dessa pergunta acima… Mas é fundamental percebermos essa diferença. As leis de incentivo devem ser um instrumento da política cultural, e não a única opção pra tudo.

Pelo fato de termos uma Fundação e não uma Secretaria, as coisas acabam se perdendo no meio do caminho. As funções se misturam e o foco se perde. Uma Secretaria faz parte da espinha dorsal da estrutura da Prefeitura. As autarquias como a Fundação, em tese, não. Dessa forma, eu acredito que uma Secretaria possa acumular melhor discussões e ações para políticas culturais efetivas, e também aplicá-las. Muitos podem dizer que passa ser um órgão mais burocrático, e é verdade. Mas a Fundação Cultural é tão burocrática quanto uma Secretaria, mas na hora de se posicionar dentro da Prefeitura, pedir orçamento, e uma série de coisas, ela sempre será preterida.

Resumo da ópera: continuamos com as desvantagens de uma Secretaria e sem as vantagens de termos esse órgão. Sendo assim, não me resta dúvidas de que a política pública para cultura em Curitiba passa pela criação desse órgão, ampla discussão com a classe, mapeamento das atividades e ações efetivas de estruturação e fomento cultural.

3 – A falta de dinheiro também suprime a criatividade (esta questão se refere mais à gestão da cultura do que ao fazer artístico)? Como superar?

Bem, nesse caso acho que hoje é necessário uma consciência que há 20 anos não era tão fundamental. Desde o surgimento da internet, dos suportes digitais, vídeos facilmente difundidos, e uma série de evoluções tecnológicas, muita coisa mudou para as artes. Talvez mais do que para qualquer outro segmento de nossa sociedade.

Novas ferramentas surgiram, novas possibilidades e também uma maior democratização dos mecanismos de produção.

O outro lado da moeda é justamente o papel do artista. Passou a ser cada vez mais importante, pra não dizer determinante, que o artista tome consciência de seu trabalho e de fato assuma as rédeas de sua carreira. Quando isso não acontece, os casos de “sucesso” passaram a ser cada vez mais raros.

É cada vez mais difícil encontrar uma pessoa que cuide de toda parte burocrática de uma carreira artística, que faça tudo, que busque difundir e circular esse trabalho “simplesmente” porque é genial.

Justamente pela ampla difusão dos mecanismos de produção muito se produz e cada vez com mais qualidade, tanto técnica quanto artística. Por uma simples equação de mercado, o artista começa a ficar cada vez mais “sozinho” no que diz respeito a gestão de sua carreira e tem que realmente tomar a frente de quase tudo. Quando o artista não faz isso, a tendência é de que ele não consiga difundir seu trabalho.

Feliz ou infelizmente, a realidade puxou o artista a ser seu próprio empresário, gerente, manager, relações públicas, office-boy e, por fim, criar e ser genial. São muitas funções acumuladas mesmo, e claro que em muitos casos a criatividade é afetada. Por isso há uma necessidade de uma maior organização mesmo.

Há 20 anos não existiam muitas opções, e os artistas que conseguiam se firmar contavam com toda a estrutura necessária, que era gigantesca. Hoje em dia o artista possui uma série de ferramentas que permite que ele faça todas essas funções, nos velhos meios e também nos novos que surgiram. E talvez justamente porque ele tem essas opções que antes não existiam para ele, é que as responsabilidades dessas diferentes funções tenham se acumulado no artista.

Não estou dizendo que o artista está fadado à solidão profissional. Mas ele precisa, sim, participar, conduzir e ditar os rumos que ele quer para seu trabalho. O que não impede, em hipótese alguma, parcerias. Que, aliás, são extremamente bem-vindas e necessárias também.

4 – Qual é a ação mais urgente que se precisa fazer na Fundação Cultural de Curitiba?

Acho que é necessário, realmente, uma Secretaria de Cultura. Através dela podemos ter um diálogo mais amplo com a sociedade civil, traçar metas, mapear, organizar a demanda e reestruturar as políticas culturais para a cidade. Do jeito que está, os avanços são muito lentos para a velocidade das mudanças que atingem o setor cultural.

A própria lei que institui o PAIC já precisa de reformulações sistêmicas, e as últimas mudanças aconteceram, se não me engano, há 5 anos. Nesse período as demandas cresceram assustadoramente. É muito desgastante mudarmos leis e recomeçar todo o processo a cada 5 anos. Me parece muito mais lógico e sensato traçar um plano de cultura para os próximos 10 ou 20 anos. E isso, acho que uma Secretaria de Cultura terá muito mais ferramentas para fazer.

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Frederico Neto, bacharel em cinema, editor e redator do blog produtor.org

1 – Curitiba tem política cultural? Qual é? O que falta?

Existe uma política de artista oficial com seus espaços de formação oficiais (FAP, EMBAP e UFPR), de circulação oficial (MON, Teatro Guaíra, FCC) e de fomento (Mecenato e Fundo Municipal) que só servem para beneficiar uma pequena parcela que busca um currículo burocrático com qualificações e prêmios no âmbito local. Esse esquema acaba por provocar um isolamento dessa produção e em decorrência o seu atavismo.

Falta uma preocupação por parte dos gestores públicos em encarar a política cultural como uma política de Estado a longo prazo e não como um marketing de curto prazo. Falta diálogo com os realizadores de cultura, com o público específico de arte (se é que se pode chamar assim) e com o público em geral (a sociedade). Falta também uma visão mais contemporânea de arte, às vezes se tem a impressão que a única arte possível é a do século XIX. Estamos no século XXI.

2 – A Lei de Incentivo substituiu a política pública de cultura?

Não substituiu e não tem nada de “público” nesse tipo de política. A Lei de Incentivo é importante porque, aos trancos e barrancos, consegue subsidiar uma parcela da produção cultural. Porém, a política de renúncia fiscal só serviu para causar distorções na parca cadeia produtiva que a cultura local tenta manter. Ou seja, os fornecedores são sempre os mesmos e isso encarece o produto cultural, os espaços são poucos e na maioria das vezes precários. Por fim, as empresas não parecem se preocupar com o artista ou com a produção que vão apoiar.

Parece que a única preocupação existente é medir o retorno para a marca ou se os espetáculos ou eventos vão agradar seus clientes ou se serão uma boa ação de marketing. Esses fatores geram uma padronização do produto final.

3 – A falta de dinheiro também suprime a criatividade (esta questão se refere mais à gestão da cultura do que ao fazer artístico)? Como superar?

A falta de dinheiro faz com que a produção acabe sendo diletante e as vezes penosa para o realizador de cultura. O que implica na limitação material do artista e o seu obscurantismo ou seja, o artista faz arte quando pode e se tiver disponibilidade de tempo, humor e dinheiro para isso.

É importante uma visão abrangente por parte do gestor público ou mesmo privado de cultura. É necessário pensar as características específicas de cada seara artística e cultural, além do tipo de produção que deve receber o fomento e o tipo de fomento, se ele é integral ou parcial. A grande questão é ter um meio de circulação da produção e que esse meio seja democrático, principalmente se o aparelho cultural for público.

4 – Qual é a ação mais urgente que se precisa fazer na Fundação Cultural de Curitiba?

Ao meu ver é necessário uma reformulação estrutural e conjuntural na pasta. O que significa a transformação da FCC em uma Secretaria Municipal de Cultura através de um processo de discussão democrática com todos os setores culturais de Curitiba, Paraná e Brasil.

É necessário criar espaços colegiados efetivos e com poderes de deliberação.

É necessário descentralizar os aparelhos culturais, profissionalizar a gestão com concursos públicos coerentes e um plano de carreira que trate os servidores públicos com decência.

Também é necessário acabar com as tercerizações ilícitas (contratos por prestação de serviço, o ICAC, rever a privatização da Pedreira) e com o sucateamento dos aparelhos culturais do executivo municipal.

Além disso se deve implementar um plano municipal de cultural e a Curitiba tem que integrar o SNC – Sistema Nacional de Cultura.

Outra questão que deve acabar é o dito “balcão de negócios” da FCC, o que significa que é necessário ter isonomia na gestão da pasta e acabar com os vícios patrimonialistas recorrentes no Estado brasileiro. As comissões que selecionam projetos ou que dão pareceres devem ser profissionais, pessoas remuneradas e a indicação deve ser transparente para impedir conflito de interesses. Não é possível continuar com o que sempre acontece: um ano uma pessoa é da comissão avaliadora e no outro ela apresenta projeto.

Além disso é preciso ter um diálogo franco com a classe artística e sem clientelismo.

Na área de cinema eu tenho reclamações pontuais e urgentes que se encontram neste abaixo-assinado.

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