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Política pública de Cultura 6 — O debate não para
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Vamos continuar aqui com mais opiniões sobre a política pública de Cultura de Curitiba (mas não só). Este é o sexto post dentro deste blog, que já publicou nove opiniões. Aqui vão mais três:

Sérgio Moura – Artista plástico

1) Curitiba tem política cultural? Qual é? O que falta?

Nossa cidade já teve uma Política cultural, notadamente quando, logo após os ENCONTROS DE ARTE MODERNA, propagados e realizados pela Profª Adalice Araújo (recentemente falecida), em 1969, na Escola Matriz da Arte Paranaense (EMBAP), inspirou o então Prefeito Jaime Lerner a criar o Centro de Criatividade de Curitiba que, a partir de sua inauguração, em 1973, tornou-se referência cultural para todo o país e quiçá para toda a América do Sul.

Tal modelo estava focado na AÇÃO CULT. EDUCATIVA baseada na experiência direta da experimentação criativa, com forte envolvimento da comunidade que participava constantemente dos acontecimentos. A programação era centrada no desenvolvimento de projetos art. criativos e o que atraía a população era o fato do acesso ser livre, aberto e sem custos pois a gestão não visava lucro imediato senão facilitar que o povo aprendesse com os artistas e produtores culturais. Desenho, Pintura, Mural, Fotografia, Gravura, Escultura, Cinema Super 8, Teatro, Dança, Literatura, Arte Popular, Artesanato e Folclore entre outras, eram as linguagens presentes e atuantes.

Aqui, um dos exemplos: qualquer cidadão podia requisitar uma máquina fotográfica na portaria e, após preencher uma ficha de comprometimento, saía batendo foto por todo o parque ou pela cidade;

O QUE FALTA?:
Falta uma gestão composta por pessoal competente e comprometido com uma Política inteligente, atualizada no momento mundial em que vivemos; e sobretudo seriedade na relação Cultura, Sociedade, Educação como partes do verdadeiro desenvolvimento humano, distanciado da sombra do entretenimento deseducador, valorizando sobretudo a Criação, a Pesquisa e a Educação.

2) A Lei de Incentivo substituiu a política pública de cultura?

A considerar o que postei acima, jamais. Basta ver o histórico da Lei Municipal de Incentivo Cult., e quase todos nós sabemos de que maneira absurda ela funcionou mesmo após os reparos por que passou;

3) A falta de dinheiro também suprime a criatividade (esta questão se refere mais à gestão da cultura do que ao fazer artístico)? Como superar?

Essa pergunta não me parece bem colocada, formulada: 1º pq Criatividade nada tem a ver com dependencia financeira; e pensando assim, é possível que o problema maior seja a ausencia de uma gestão adequada que corresponda à realidade atual;

4) Qual é a ação mais urgente que se precisa fazer na Fundação Cultural de Curitiba (FCC)?

Essa é uma questão significativa, e mais ainda se considerarmos minha 1ª consideração: a de que, se a História é importante para nos relacionarmos com o passado, não para segui-lo, todavia para dialogarmos com ele, devemos voltar a olhar para o que já fizemos há décadas atrás e que não foi pouco.

Sergio Moura
www.aartedesergiomoura.wordpress.com

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Trajano Gracia Neto
Irati – Paraná

A sua coluna Acordes Locais edição de 21.11 p.p. contribui para formulação de Política Cultural e como todo cidadão pode ser um proponente para com essa estou apresentando uma das que podem se destinar para tal.

A proposta é para que espetáculos, filmes, peças teatrais, jogos de futebol e de outras modalidades, que venham ser produzidos para um número mínimo de vezes e com expectativa mínima de públicos tenham ingressos produzidos pela Casa da Moeda e disponíveis para venda em casas lotéricas, agências bancárias e pela Rede Mundial de Computadores.

Entendo de que essa forma evita evasão de rendas dos produtores, elisão de impostos e favorece ao público na aquisição de ingressos, sem o risco de ser vítima de “cambistas”.

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Selma Baptista, antropóloga, professora da UFPR e pesquisadora de culturas populares, e, em curitiba nos últimos 7 anos: o carnaval de escolas de samba.

Tenho uma equipe de pesquisadoras e já concluímos duas bolsas de Iniciação Científica, duas monografias de conclusão de curso (Ciências Sociais), uma dissertação de mestrado, outra em andamento, produzimos a pesquisa-base para a realização do documentário “Caras de um carnaval” da Produtora Olho Vivo, participamos de muitos seminários, aqui e fora, no Rio, São Paulo, Minas Gerais, todos sobre o tema do carnaval.

Já me ofereci `FCC, por escrito, para organizar a publicação de um “Cadernos do carnaval curitibano” (ou algo assim), agregando tudo o que vem se escrevendo sobre o assunto (que não somos apenas nós, claro), mas nunca recebi resposta. Também jamais fui convidada para participar dos encontros de Patrimônio Imaterial e congêneres que são organizados pelo poder público ligado à cultura local. Fico triste, não por vaidade pessoal, mas porque isso mostra o tratamento que a FCC e a Secretaria da Cultura dispensam a este segmento da cultura popular.

1.Curitiba tem política cultural? Sabe qual é? É suficiente? O que falta?

Impossível negar: Curitiba tem política cultural e esta “política” específica tem uma história muito interessante à qual não vejo quase ninguém se remeter para suas análises. No entanto esta história é muito elucidativa porque mostra os caminhos paralelos que esta “política” veio seguindo com a alternância dos grupos políticos no governo, com o crescimento da cidade, com a construção de um “modelo” de cidade muito mais ideológico do que realista (se é que podemos usar esta palavra tão comprometida…), com a ocupação desta cidade por grupos de “fora” (das famílias que sempre controlaram o poder público), pela implosão demográfica, cultural, étnica, de classe, enfim, rumo a uma “Curitiba” muito diferente daquela que ainda parece inspirar alguns grupos no poder. As chamadas “elites” cairam por terra já há décadas, mas deixaram seus remanescentes na burocracia de todos os níveis. Esta ainda é uma cidade controlada invisivelmente por valores e comportamentos fora de moda, inaceitáveis… mas que estão por aí.

E quando falamos de “política cultural” também nos esquecemos de que, mais do que os “produtos” gerados por este ou aquele instrumento de viabilização, “cultura” não é um objeto apreensível, e, sim, um modo de ser muito fugaz que reside nos meandros das relações sociais. Daí podermos falar, por exemplo, que o “espírito carnavalesco” não falta à “cidade” e nem à população apenas ( se é que faltaria…) mas, sobretudo, às instituições públicas que lidam com as manifestações populares.

Neste sentido, como antropóloga, eu diria que o que falta no “concerto” das formulações de políticas públicas de cultura, seja a nível municipal ou estadual ( para ficar apenas por aqui…) é o estabelecimento de conexões e orientações para um objetivo comum que deveria ser a compatibilização entre o registro estético ( a criatividade dos grupos) e as formas coletivas de vida, ou, as informações de fundo, aquilo que vem antes do proposição dos “produtos mercadológicos” em si mesmos. Há uma grande confusão neste sentido. E as curadorias, especialmente aquelas que lidam com as propostas que surgem de fronteiras pouco conhecidas, marginais, meio borradas, frutos das nossas vivências contemporâneas, ficam um tanto quanto in-des-classificáveis. Para perda de todo o conjunto social, claro.

O probelma se instala, definitivamente, quando o governo passa a agir como agente cultural, sem ter esta competência “de fundo”, sem ter este preparo, digamos, “antropológico-cultural”… misturando os registros estético e o antropológico pressionado pelos valores rançosos que ainda vigoram em certos redutos da produção cultural. Explico melhor: ainda que possam existir problemas de curadoria para o estabelecimento das agendas já consolidadas como a dança, o teatro, o cinema, as artes visuais, tudo se complica ainda mais quando se trata de agenciar propostas das culturas dos grupos mais populares, que estão mais nas fronteiras com a cultura pop, de massa. Aí a coisa fica complicada: isso é arte? é cultura? é o que??? O mercado, a cidadania, a inclusão social pela cultura…critérios criativos, lucrativos, antropológicos? Cultura? Educação popular? Tradições? Identidades? Qualidade?

E como fica o dinheiro público? e os editais? Imaginem tudo isso, ou seja, lidar com o registro estético ( a criatividade das formas populares) em suas relações com as formas concretas de vida dos grupos ( o registro antropológico) e, acima de tudo, em situações públicas, como é o caso do mecenato do Estado, dos editais, das prestações de contas, dos juridicismos e economicismos de todas estas transações!

Sim, curitiba tem “política cultural”. Em alguns setores funciona melhor do que em outros, mas, não há que se jogar o bebê junto com a água do banho, pois muito se tem feito e há, de fato, um grande esforço para melhorar. Eu mesma reconheço isso nas ações da FCC em relação ao carnaval. Mas estamos longe de compreender, de fato, as situações que envolvem as culturas populares em nossa cidade.

Para nós, antropólogos, a “cultura” é o seu próprio processo de análise, portanto, seria necessário submeter os órgãos públicos a uma “análise cultural” também… e não aceitar que apenas a(s) cultura(s) do(s) outro)s) seja o objeto de reflexão e análise. Neste sentido, considero a iniciativa do Luiz cláudio muito válida. Precisamos ampliar isso, botar esta cultura “institucionalizada” em julgamento… pacífico, claro!

2 – A Lei de Incentivo substituiu a política cultural de estado?

Digamos que houve uma mistura destas dimensões, uma aplicação do que costumamos chamar de “funcionalidade política” dos instrumentos de ação… o que também é bem visível quando observamos a história recente das políticas governamentais para a área cultural, digamos, de uns 50 anos para cá. Não é difícil perceber como a “democracia participativa” (PMDB), ao elaborar o conceito de “cultura local”, misturou vários registros como os étnicos, de classe social, educacionais, entre outros, acabando por gerar um modelo/tradição, ambíguo, que tem mostrado uma incapacidade renitente de reconhecer suas próprias transformações. Numa perspectiva contemporânea, que vem se evidenciando mais concretamente de uns 10, 15 anos para cá, a experiência metropolitana, multiétnica e multicultural veio revelando identidades mais fragmentadas, e um aumento crescente do consumo de produtos culturais gerados nestas fronteiras pouco delineadas, contrariando o que foi sempre o gosto cultural de uma elite mais conservadora e moralista de uma “cidade” já do passado. Daí resultaram os grandes e infindáveis debates sobre o que é e o que não é “arte”, o que merece e o que não merece ser financiado, etc… o que acaba gerando uma incongruência: é mais importante a seleção do que a coisa em si.

No caso de uma apreciação antropológica como em geral se faz em lugares como a Funarte ( não que eles lá sejam modelo de perfeição… mas minha experiência entre eles me mostrou uma competência admirável), prevalece o esforço de colocar as expressões culturais e artísticas que estão pleiteando financiamento, no contexto das demais expressões dos objetivos humanos e dos modelos de vida a que estas expressões dão sustentação. Isso é o que Clifford Geertz chama de “informação de fundo”. Isso nos falta, realmente, porque como vários comentaristas colocaram anteriormente, aqui se confunde “política de grupos” com política cultural.

Digamos que a “Lei de Incentivo” está muito aferrada a uma curadoria de “cultura como produto”, e não de uma “cultura como recurso”, conforme as ideias do crítico cultural George Yúdice. Resultado destas confusões geradas pela história política dos últimos 50 anos, pelo menos.

3 – A falta de dinheiro também suprime a criatividade? Como superar?

Eu diria que não é a falta de dinheiro propriamente dita, mas a dificuldade de “aceitação” junto aos órgãos “legitimadores”… porque o dinheiro não apenas faz acontecer. Ele legitima na arena pública. Quem ganha um financiamento não ganha apenas dinheiro: ganha autenticação.

Neste sentido eu diria que há uma perda para a criatividade geral, da comunidade como um todo e não de grupos ou pessoas físicas. Já é tempo de pararmos de pensar em individualidades.

Como superar?

Talvez encontrando outras formas de legitimação com ou sem dinheiro, já que os cofres estão “minguando” para a cultura e a educação. Mas temos visto inúmeras iniciativas comunitárias muito bem sucedidas, criativas… sem dinheiro público! Precisamos vê-las mais de perto, valorizá-las, divulga-las, fazer delas alvos de fóruns e debates.

4 – Qual é a ação mais urgente que se precisa fazer na Fundação Cultural de Curitiba?

Não sei, de fato. Não conheço muito bem seus interiores.

Mas daria para pensar em alguma coisa bem básica: torna-la mais “funcional”, mais aberta, mais democrática. Menos burocrática. Como falei anteriormente, para sugerir alguma coisa mais substancial seria necessário que a FCC abrisse suas portas para uma análise institucional ampla, por um conselho composto de membros de fora do governo também.

Acho que o Manoel Souza Neto fez uma análise bem minuciosa.

Daria para levar em consideração muitos dos pontos ali abordados por ele.

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