Para continuar o debate iniciado em um post anterior, pedi à minha querida cunhada Thelma Alves de Oliveira para que escrevesse um texto sobre a discussão da maioridade penal. O pedido não foi porque ela é minha cunhada, mas porque é uma especialista no assunto. Ela me mandou um artigo e um poema, que seguem abaixo. Boa leitura e boa reflexão.
Por que dizer não à redução da maioridade penal?
Sempre me pergunto, assim como você, o que é preciso fazer para reduzir a violência, proteger as crianças e criar um mundo melhor para se viver. Confesso que nesta reflexão algumas coisas me incomodam muito.
Todos os dias morrem meninos por este Brasil a fora, vítimas da violência. Eles são negros, pobres, moradores de territórios violentos, expostos cotidianamente a atos e fatos violentos. Ninguém fala deles. Ninguém se mobiliza para interromper essa violência tamanha?! Por que esta invisibilidade?
Dados do DATASUS/Mapa da Violência apontam que em 2012 no Brasil 26.854 jovens entre 15 a 29 anos foram vítimas de homicídios (53% do total). Destes, 74% eram negros e 91% do sexo masculino. A violência tem endereço.
Cada vez que ouvimos uma notícia de morte de uma criança ou jovem, ou ainda, quando estes são autores de homicídio vem o desconforto, a inquietude e a indignação. Isso não é natural, não é aceitável, não devemos nos acostumar com essa realidade. Quando isso ocorre é como se a humanidade perdesse junto sua força, sua crença, sua esperança. Essa dor se espalha por tudo e alcança a todos. Essa “doença” se instala de uma forma avassaladora e os “remédios” parecem fracos, ultrapassados e sem efeito. A sensação de impotência avança, o desespero toma conta e soluções fáceis enganam. Propagadas sem reflexão vão criando falsas ilusões. Neste contexto, alguns defendem a redução da maioridade, imaginando que com isso se interrompe o ciclo das violências, ou ainda, pensam apenas em punir para ensinar. A motivação pode ser legítima, mas a solução é ilusória. Observem algumas consequências negativas.
Reduzir maioridade significa encarcerar os adolescentes junto com os adultos em prisões fétidas, superlotadas, em guerra cotidiana e silenciosa, chamadas de escolas do crime. Sem estudo, sem trabalho, sem profissionalização. Com perspectiva de saírem menos cidadãos do que entraram. Isso não pode ser saída, ou seja, apostar num sistema falido.
Reduzir maioridade significa condenar duplamente aqueles que já vivem em ambientes violentos. Crianças que crescem em ambientes desprotegidos, sem exemplo de cidadania, aprendem rapidamente a responder conflitos com agressões, usando o comportamento anti-social como escudo.
Lembrem-se: crianças aprendem rápido e fácil. A responsabilidade de ensiná-las é nossa: dos adultos pais, professores, vizinhos, amigos, autoridades.
Reduzir maioridade penal significa reduzir perspectivas de futuro para quem ainda tem chance de aprender a refazer seu caminho. Está provado que os jovens precisam de sonhos que inspirem projetos de vida. Precisam também de apoio e limite. De construção de autonomia. De oportunidades concretas para aprenderem a ser e a conviver. Isso também é responsabilidade nossa, dos adultos.
Reduzir a maioridade significa o castigo do Estado ausente, inoperante e violador de direitos que depois de errar entra para punir. Quando um ato infracional é cometido por crianças ou adolescentes já falhou a Família, o Estado e em certa medida a Sociedade. A família que por um lado não foi suficientemente protetora e educadora. O estado que não entregou políticas públicas de educação, saúde, cultura, esporte, lazer, profissionalização, moradia, alimentação, enfim, não garantiu direito básico algum, muitas vezes nem aos pais e nem aos filhos. E ainda, a sociedade que praticou, e portanto, veiculou valores do consumismo, individualismo, hedonismo, imediatismo e outros “ismos” da modernidade, que só contribuem para aumentar a violência cotidiana e sistêmica, transformando a vida num espetáculo de inconsequências.
Idéias repressoras se expandem na proporção do crescimento da violência. Responder as tensões sociais produzidas pela desigualdade e exclusão social e pelo confronto da riqueza e pobreza, que divide em dois mundos, duas infâncias adolescentes distintas com mais repressão não resolve, simplesmente porque o jogo é desigual e o pior alcança sempre o mais fraco. Este não é um movimento novo na história.
Mais repressão não é remédio, nunca foi e nunca será. A restrição do acesso aos bens culturais, escassez de boas escolas, pífias ofertas de formação profissional, e ainda, a quase absoluta ausência de espaços de lazer e cultura, fazem parte da vida empobrecida e destituída de valor da maioria dos adolescentes que respondem medidas socioeducativas hoje. Neste sentido é preciso inverter esta lógica. Educar mais para punir menos. Criar mais oportunidade para excluir menos.
Para seguir na argumentação será preciso estabelecer um consenso mínimo: ninguém aqui concorda ou defende os atos infracionais ou comportamentos antissociais praticados. Pelo contrário, estes devem ser evitados, prevenidos, e não sendo possível impedi-los, deve haver responsabilização adequada.
Outro consenso necessário é de que devemos buscar resultados semelhantes: menos violência, mais segurança, mais direitos garantidos, mais cidadania a todos.
Considerando estas premissas vamos a outros argumentos para demonstrar que reduzir a maioridade penal não é solução. Praticar a lei sim.
Sinase
A responsabilização do adolescente é assegurada pela Lei nº 12.594/2012 que instituiu o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo – SINASE, e previu 03 objetivos para as Medidas Socioeducativas: a responsabilização do adolescente; a integração social, garantia dos direitos individuais e sociais e a desaprovação do ato infracional. Portanto, a lei colocada em prática implicará num processo educativo ao invés de punitivo simplesmente. Onde deverá combinar apoio e limite, ensinar a consequência dos atos e preparar para o retorno ao convívio social em novos padrões. Isso tornado realidade pode mudar o rumo das coisas.
Nem o Estatuto da Criança e do Adolescente e nem o SINASE estão sendo praticados na íntegra pelos programas municipais e estaduais, portanto, não há como avaliar a efetividade da legislação, uma vez que seu cumprimento é parcial. Para que isso aconteça os estados e municípios devem investir numa política de atenção ao adolescente em conflito com a lei de forma clara e consistente, ao mesmo tempo em que devem ampliar as políticas básicas, criando um ambiente inclusivo, protetivo e educativo, com consequências preventivas à violência para todas as crianças, adolescentes e jovens, em especial, para aquelas que dependem quase exclusivamente do Estado para isso.
Por fim, proponho substituir a discussão sobre redução ou não da maioridade penal pela implantação do SINASE, numa demonstração de coragem e aposta no futuro. E neste cenário explicitar a sociedade que queremos deixar para nossos filhos, ou melhor, que queremos construir junto com eles. Um lugar onde ninguém tenha que se esforçar para exercer um direito, para requerer igualdade, onde a desigualdade incomode a todos os desiguais. E ainda, onde todos tenham a coragem de desejar para os filhos dos outros aquilo que desejam para seus filhos. (inspirado na compreensão de uma mãe da Vila Torres sobre o ECA).
Curitiba, 14/04/2012 Thelma Alves de Oliveira – ex-secretária da Criança e da Juventude do Paraná, psicóloga e professora de Educação Física, com especialização em psicodrama e gestão pública. Foi diretora-técnica da Fundação de Ação Social do Estado do Paraná (Faspar), instituição que originou o Instituto de Ação Social do Paraná, e a primeira secretária executiva do Conselho Estadual da Criança (Cedca), em 1994, órgão que presidiu por duas gestões, entre 2005 e 2008. Ocupou a vice-presidência do Fórum Nacional dos Gestores do Sistema Socioeducativo, em 2008.
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Lá se vai o menino cedo demais
Thelma Alves de Oliveira
Criança na rua, desprotegida – da – vida sem o cuidado dos pais ocupados em sobreviver, em comer, em prover o pão de cada dia para suas crias
Sem rumo vai por aí o garoto que deixou a escola e agora esmola
Coração de mãe apertado lamenta: Cadê meu guri que saiu por aí solto, roto, que nem se aguenta
Pensamento agitado do menino apressado Prazer imediato- dinheiro exato Futuro por perto – sem rumo certo Assim ele vai … Vasta armadilha- escassa saída Assim ele fica!
Cenário demente que vende gente Que expõe criança e adolescente Por preço barato que não rende
Assim a violência se faz E desprotegido mais uma vez Lá se vai o menino cedo demais
Essa história termina mal Sem valor foi a vida desse tal Que vítima e autor de infração fez sofrer e de nada valeu viveu muita dor e ponto final.