| Foto:

Nesta semana o meio da música fora do eixo foi um tanto estremecido com a notícia da saída em bloco de vários produtores de festivais da Associação Brasileira de Festivais Independentes (Abrafin). A debandada aconteceu no meio do congresso nacional do Coletivo Fora do Eixo, que segue até domingo, no interior de São Paulo.

CARREGANDO :)

Entre os que deixaram a Abrafin estão dois representantes dos mais tradicionais festivais paranaenses, Vlad Urban, do Psycho Carnival, e Marcelo Domingues, do Demo Sul (Londrina). A razão apontada pelos dois para a saída é simples: a “politicagem”, no que tem de pior no termo, se sobrepôs à cultura.

Publicidade

Abaixo eu coloco dois textos a respeito. O primeiro, é um depoimento do Marcelo Domingues sobre as motivações da saída e novidades do Demo Sul que vai ser antecipado em 2012 por causa das eleições. O segundo texto é o documento oficial dos festivais que deixaram a Abrafin.

Leiam os dois e entendam um pouco mais dos bastidores dos festivais independentes.

Começamos com o depoimento do Marcelo, feito a meu pedido:

Não foi fácil, mas demos um passo muito importante nessa reunião da ABRAFIN em SP. Depois de nossa desfiliação, chegamos à conclusão de que fizemos as coisas do modo correto, na medida, de cabeça erguida e sem revanchismo ou provocações. Mantermos o equilíbrio e apresentarmos as causas concretas que levaram à nossa saída.

Acho que essa deve ser a tônica daqui pra frente. Temos que manter esse nível de debate e equilíbrio. Este grupo de festivais que sai em bloco não tem a perspectiva de minar ou destruir a ABRAFIN ou mesmo o Fora do Eixo. Pelo contrário, estamos todos aqui unidos para construir novos modelos de lidar com a música brasileira.

Publicidade

No mais, quero dizer que penso este encontro com os festivais “descontentes” foi uma grande vitória pra todos nós. Vejo muita gente nesse grupo aqui bastante empolgada com o futuro. Voltamos a dialogar traçar planos em conjunto, estabelecer metas coletivas. E o mais importante de tudo: todos esses festivais que saíram entendem que uma entidade só poderá ser forte de fato se tiverem em perspectiva as particularidades e idiossincrasias de seus membros. Estamos unidos pela diferença.

Acredito que nosso propósito maior seja o de colocar a Música e a Cultura em primeiro plano. Essa é a nossa postura política, nós fazemos a política da Cultura, enxergamos Cultura como política e não usamos a Cultura para fazer política.

Acredito mesmo que, em muito pouco tempo, daremos a resposta mais adequada a tudo isso.
Nosso trabalho e as bandas vão falar por nós.

Sobre o Demo Sul 2012, posso dizer pouca coisa, pois os projetos ainda estão em fase de avaliação nos editais onde foram inscritos. O que posso adiantar é que pensamos num festival mais pulverizado na cidade, acontecendo em locais inusitados e tradicionais de Londrina. Vamos manter a grade de shows, com uma média de 25 bandas/artistas se apresentando e as ações formativas que englobam oficinas, workshops e palestras gratuitas. Devido as eleições e os feriados de outubro, tivemos que antecipar o Demo Sul para setembro (tradicionalmente ele acontece no mês de outubro).

————

Publicidade

Agora o documento oficial da saída dos festivais da Abrafin:

Prezados,

Existe um debate acerca da Associação Brasileira de Festivais Independentes (ABRAFIN) ocorrendo dentro e fora da entidade. Deste debate público depreendem-se importantes pontos, dentre os quais a evidência de que a ABRAFIN não é mais uma unanimidade. Boa parte da aura de independência se esvaiu e, não raras vezes, percebemos que a entidade é vista com desconfiança. Qualificar e aprofundar este debate de forma íntegra, democrática e sem ranços é uma necessidade que se impõe à ABRAFIN e à própria rede de festivais independentes espalhados pelo país.

Goiânia Noise Festival, Casarão, Psycho Carnival, DemoSul, 53 HC, Goiaba Rock, PMW, RecBeat, MADA, El Mapa de Todos, Campeonato Mineiro de Surf, Mix Music e Abril Pro Rock são festivais afiliados à ABRAFIN (alguns deles membros-fundadores) que não se sentem à vontade com o atual estado de coisas. Discutindo os rumos tomados pela entidade nos últimos anos, estes festivais, apesar de sua diversidade, apresentam dois aspectos em comum: não pertencerem ao coletivo Fora do Eixo (ainda que praticamente todos eles possuam parcerias pontuais com este mesmo coletivo) e não se sentirem representados pela ABRAFIN. Com base nesta constatação, o conjunto de festivais em questão elaborou este documento apresentando suas perspectivas e anseios em relação à entidade.

A ABRAFIN deve ser capaz de abarcar a complexidade, as diferenças e particularidades de seus festivais membros. O atual panorama da produção musical independente brasileira evidencia os diversos caminhos e abordagens adotados no conjunto de festivais que se congrega na ABRAFIN. Adotar um modelo único de funcionamento é um erro crasso, completamente oposto às premissas da fundação da entidade. Em um país de tantas diferenças e de proporções continentais como o Brasil é inadmissível acreditar na existência de um só paradigma que valha de Norte a Sul. Cada festival possui não apenas a autonomia, mas principalmente a expertise necessária para lidar com sua realidade local, bem como com sua proposta estética.

Publicidade

A ABRAFIN não é e jamais deverá ser Fora do Eixo. Com erros e acertos, o Fora do Eixo é uma das diversas possibilidades no trabalho com a música independente brasileira. Não é a única. Infelizmente, nos últimos anos, houve uma indevida sobreposição entre as duas entidades. O fato desta reunião da ABRAFIN estar acontecendo dentro de um Congresso Fora do Eixo é prova irrefutável desta sobreposição. A opinião pública, obviamente, tem sido incapaz de diferenciar ABRAFIN e Fora do Eixo. Cabe à ABRAFIN se desfazer deste erro e voltar a lidar com a multiplicidade de enfoques que existe em seu arcabouço.

O estatuto da ABRAFIN deve ser mantido e respeitado. Sua construção foi fruto de anos de trabalho laborioso, norteado pelo espírito de independência da nova música brasileira, bem como por sua diversidade e complexidade. Nele estão edificados conceitos ainda pertinentes e válidos, como aquele que define o que vem a ser um festival independente aos olhos da entidade. Abrir mão deste patrimônio é esvaziar de forma oportunista o próprio espírito da ABRAFIN.

A condição de três anos consecutivos para que um festival se filie à ABRAFIN deve ser mantida. Esta premissa tinha vistas a afastar a entidade de festivais aventureiros que surgem aos montes a cada instante. Para que a ABRAFIN seja uma entidade sólida, em sua composição deve haver apenas festivais que apresentem este compromisso com a continuidade. De outra forma não será possível construir um circuito efetivamente forte de festivais por todo o território brasileiro.

Festivais independentes e artistas não são entes antagônicos. A fundação da ABRAFIN trazia em sua concepção a moderna ideia de que tanto os festivais e seus produtores quanto as bandas e artistas que nele se apresentavam necessariamente faziam parte de um mesmo grupo, uma mesma proposta e um mesmo ideário. Nos últimos tempos o que se tem percebido é uma distensão entre estes dois pólos. Cada vez mais a ABRAFIN e artistas têm se encarado de forma animosa, como se fossem opostos. A concepção original da ABRAFIN preconizava músicos e produtores como pares, como partes de uma mesma engrenagem capaz de fazer a música independente avançar rumo a um profissionalismo cada vez mais acentuado, bem como a uma total liberdade criativa.

A ABRAFIN é uma entidade que congrega e aglutina festivais independentes ao longo do país. A razão de ser de cada um de seus festivais afiliados é converter-se em plataforma para a nova expressão musical brasileira. Cada festival deve trazer em si o compromisso com o novo, com a diversidade e com a riqueza musical do nosso país e do mundo, a partir do olhar estético que é próprio de cada afiliado. Estabelecer um grupo único e excludente de artistas que são sempre os mesmos a circular artificialmente por todos os festivais é atentar contra a própria razão de ser da ABRAFIN. Mais que isso, é transformar o circuito de festivais congregados pela entidade num pastiche do mainstream da velha indústria fonográfica.

Publicidade

Dividir a ABRAFIN em regionais é algo a ser evitado neste momento de ataques, dúvidas e fragilidades. Os festivais, cada qual em sua região, já agem localmente. Inflar a entidade com outros tantos festivais de trajetória ainda incipiente ou mesmo duvidosa é abrir brechas para uma ainda maior fragilização da entidade. Ao contrário, a ABRAFIN deve se fortalecer a partir das premissas expressas em seu estatuto, assegurando solidez para saltos maiores num futuro, quiçá, próximo.

Ser ponta de lança na efetiva construção de um mercado independente sustentável é um dos pilares da ABRAFIN. Tal construção passa, necessariamente, pelo apoio do poder público progressista. Por esta via, o uso de verbas públicas deve ser estratégico e voltado para a construção, a médio e longo prazos, deste mesmo mercado. Desafortunadamente, o que se tem visto é uma ABRAFIN que cada vez mais enxerga os recursos públicos como um fim e não como um meio. É papel da ABRAFIN buscar recursos não apenas junto ao poder público, mas também à iniciativa privada, sempre tendo a independência como paradigma de primeira ordem.

A ABRAFIN é uma entidade suprapartidária e superior a qualquer grupo que esteja sob sua alçada. A atuação política da ABRAFIN se dá pelo próprio caráter transformador e progressista da arte e da cultura. A ABRAFIN deve estar a serviço, única e exclusivamente, de seus afiliados e da cadeia produtiva que os cerca.

Tal e qual foi explicitado no início deste documento, o conjunto de festivais que ora o redige não se sente mais representado pela ABRAFIN. Por esta via Goiânia Noise Festival, Casarão, Demo Sul, Psycho Carnival, 53 HC, Goiaba Rock, PMW, RecBeat, MADA, El Mapa de Todos, Campeonato Mineiro de Surf, Mix Music e Abril Pro Rock vêm respeitosamente solicitar sua desfiliação da Associação Brasileira dos Festivais Independentes. Todavia, o mesmo grupo entendeu por bem contribuir para o debate acerca da entidade compreendendo o importante papel que ela pode vir a cumprir na seara da produção cultural brasileira.

Não se trata aqui de uma debandada movida por disputas políticas internas. Fosse assim, a desfiliação seria uma estratégia absurdamente equivocada. É notório que o grupo que assina este documento possui força e representatividade para quaisquer disputas dentro da entidade, mas tais disputas estão completamente fora do escopo de seus interesses. A sobreposição existente entre ABRAFIN e Fora do Eixo tem criado uma série de desafortunados e prejudiciais mal-entendidos a este conjunto de membros e, por ora, a alternativa entendida como mais apropriada a todos aqui é o afastamento.
Sucesso a todos!

Publicidade