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Da coluna Acordes Locais, publicada às quartas, no Caderno G da Gazeta do Povo:

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O ator, diretor e dramaturgo Enéas Lour colocou, semana passada, uma foto no Facebook dele convocando amigos e artistas em geral a “retomar” o Passeio Público de Curitiba. Não se tratava de nenhum movimento organizado, nem patrocinado, nem tinha página específica, nem comissão de organização ou outras burocracias.

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Partiu de um desejo de reviver um antigo e belo ponto de encontro de pessoas que ali se encontravam aos sábados. Costume da década de 80 do século passado, que se perdeu sem que ninguém saiba exatamente o porquê.

Eram reuniões muitas vezes regadas a música ao vivo com um grupo, uma orquestra, uma banda, um cantor, que se apresentava no palco flutuante (hoje transformado em um inútil e deselegante chafariz que não funciona. Vamos fazer esse palco funcionar novamente, caros novos gestores de uma Curitiba carente. Só com apresentações de orquestras e grupos fixos das administrações estadual e municipal, mais os professores e alunos da Embap e do Conservatório de Música Popular de Curitiba já daria para encher um semestre de atrações musicais semanais).

Voltando ao assunto, eram encontros de velhas e novas amizades em que se discutia o passado, o presente e o futuro da humanidade. Na mesma medida em que as conversas se desenvolviam e os copos e as garrafas esvaziavam, o mundo ficava mais em ordem. Ou seja, quanto mais nos desequilibrávamos, mais equilibrávamos o mundo.

Projetos de todos os tipos nasciam por ali e alguns deles, veja só, chegavam mesmo a se tornar realidade – não que isso seja condição essencial para se medir o valor de qualquer projeto criado em uma mesa de bar. Talvez os melhores nunca deem muitos passos além daquela mesa.

Quem faz um bar ou um local de encontros, em primeiro lugar, são as pessoas que o frequentam. Depois, com o mesmo nivel de hierarquia, vêm a localização, o atendimento e a qualidade e variedade do que é servido.

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Portanto, a retomada do Passeio Público depende, antes de tudo, dos amigos convocados pelo Enéas Lour. E muitos deles compareceram no sábado passado e pretendem refazer ali um ponto de encontros aos sábados, num dos mais belos locais do Centro de Curitiba.

Ali pudemos rever amigos desencontrados há anos, ou aqueles de quem nos despedimos na noite passada, mas com quem ainda faltava um dedinho de prosa para o bem da humanidade.

Logo, novos projetos começarão a surgir, como no sábado passado já houve a ideia daqueles dois ali da foto, o iluminador Beto Bruel e o cartunista e escritor Dante Mendonça. Eles já programaram uma regata de pedalinho, com provas em várias categorias, linha de partida e linha de chegada, reta dos boxes e curvas que ficarão mais famosas do que a do Circuito de Monte Carlo, em Mônaco, ou a Eau Rouge, de Spa-Francorchamps, na Bélgica. E eles juram que já têm o apoio de uma importante casa de vinhos da cidade para que os vencedores de cada bateria possam comemorar estourando champagne.

Curitiba vive um período de retomada, de revalorização de seus espaços. Tudo feito por iniciativa da própria população, cansada de ser maltratada por seus governantes que só querem os carros nas ruas e as pessoas em casa.

O Passeio Público é ainda mais do que um ponto de reunião. Em que outro local, na saída de um bar, mesmo sem beber nada, poderemos ver pássaros em profusão e aprender um pouco sobre eles? E ver homens e mulheres correndo para manter a forma, e crianças correndo para brincar, e prostitutas feito estátuas, exageradamente pintadas para seduzir?

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Em que outro local público poderemos ver, como vi no sábado passado, aquele senhor meio careca, de barba por fazer, maquiagem um tanto borrada, grandes brincos de argola nas orelhas, usando um vestido estampado, sentado em um banco e derrubando uma lágrima discreta sobre um rosto melancólico, enquanto uma mulher loira, com jeito de turista alemã, em sua camiseta, bermuda jeans e sandálias de couro lia para ele o que certamente deveria ser um livro muito triste?

Pois eles estavam logo ali, indiferentes aos olhares curiosos dos passantes e de um pássaro com porte pré-histórico chamado calau, na direção da curva norte da pista de pedalinho.