A Virada Cultural é o povo nas ruas. É democracia com arte. Por isso peço um aparte. Me encomendaram escrever aqui um texto sobre o show da Janaína Fellini (magnífica!). Vai ser isso, só que não, só que mais. Um pouco mais para celebrar o que vi e senti neste primeiro dia de virada cultural.

CARREGANDO :)

Dizem que choveu em Curitiba e choveu forte em alguns lugares, mas eu não senti mais do que uma garoinha. Santa Clara trabalhou muito ontem para atender todos os pedidos que lhe foram feitos para clarear o dia. A Virada não foi molhada de chuva, foi molhada de lágrimas de felicidade e emoção de quem gosta de música e de vida ao ar livre.

A minha Virada começou com Luiz Felipe Leprevost, o primeiro show que vi ao sair do plantão da Gazeta e vocês podem conferir clicando aqui. Já foi um prenúncio que as coisas correriam bem. No pós-Leprevost, fui às Ruínas do São Francisco para ver o palco “Musicletada”. Tenho um carinho por este palco porque é dedicado apenas a músicos paranaenses (que poderiam estar em qualquer dos outros palcos, como um dia estarão) e feito com muito amor e trabalho e, infelizmente, menos dinheiro que os outros.

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Crocodilla

Por lá, peguei o final do show da Crocodilla e já deu para notar a banda, que já nasceu boa, em outro patamar de maturidade musical. Rock direto nem sempre precisa ser tosco. Eles fazem o simples e competente “roque curitibano” e que parece ter sido bastante apreciado, pois ouvi elogios de todos os lados. Quando desceram do palco os meninos também estavam bem satisfeitos com a apresentação.

Creio que um próximo passo para este e todos os palcos é pensar na captação sonora e visual de todos os espetáculos. Com transmissão simultânea pela internet. Precisamos transformar isso em algo cada vez mais profissional e com grande potencial comercial (potencial cultural já está mais do que provado que tem).

Falava do Crocodilla, que vi pouco, mas melhor é mostrar. Eles acabam de lançar mais um videoclip. Dá uma olhada:

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Nevilton

De lá do Crocodilla corri para ver o show do Arnaldo Antunes, mas de longe escutei o som vindo da Boca Maldita e estranhei. Fui conferir e era o Nevilton no palco. Para sorte minha, havia dado um problema de queda de energia no palco e o show tinha atrasado. Vi o espetáculo quase inteiro e o trio é matador.

Como? Você nunca ouviu falar deles. Pois é uma banda paranaense, o próprio Nevilton e o baixista Lobão são de Umuarama e o baterista Eder Chapola de Campo Mourão (se não estou enganado). Já abriu para o Green Day em São Paulo, ganhou vários prêmios nacionais, lançou um EP e um CD, começa a soltar na internet um EP que vai virar CD já no início de 2013, produzido por Carlos Eduardo Miranda para a Oi Música e que vai se chamar “Sacode” (já se pode ouvir algo na página deles na internet).

Além disso, tem tocado muito pelo Brasil afora. Para se ter uma ideia, antes de vir a Curitiba eles haviam tocado no Rio de Janeiro, no Circo Voador, na quinta, e em São Paulo, no Sesc Ipiranga, na sexta. Depois do sábado em Curitiba, eles embarcam na segunda-feira para Los Angeles, nos Estados Unidos, onde concorrem ao Grammy Latino como melhor clip musical. É a terceira vez apenas que uma banda brasileira é indicada nesta categoria. É bom lembrar que o próprio cidadão Nevilton, com seu chassi de grilo e nome de remédio (é ele mesmo quem fala assim) tem apenas 25 anos

Então, vamos ao clipe de “Tempos de Maracujá”, que é o que está na disputa do Grammy:

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Gentileza

E lá subi eu a Ébano Pereira da Boca para as Ruínas, O show da Gentileza foi uma maravilha com uma nota triste. Quando cheguei já estava quase no fim também. Mas deu tempo de ver Heitor Humberto pondo os curitibanos para dançar funk, rebolando feito carioca da comunidade. Diversão e arte e um sorriso no rosto de cada pessoa do público. Show de se entregar. Momentos de prazer sonoro, intelectual e corporal.

Pois então primeiro vamos ver como é esse “funk” gentil e depois eu comento a nota triste. A música é “Quem me dera”:

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Garanto que ao vivo foi ainda mais divertido. Repito, precisavam ter filmado, foi impagável.

Agora sim a nota triste, a banda vai perder o guitarrista Lucas Lara, o que é uma perda fenomenal. O cara é simplesmente um dos melhores guitarristas da praça. Não é pouca coisa. Mas, problemas particulares fizeram-no dar um tempo (espero que seja breve e que ele supere tudo). Com a saída dele, a Gentileza vai experimentar a formação em cinco pessoas.

Cauby e Angela

Da Gentileza para o Cauby Peixoto e a Ângela Maria lá fui eu em mais uma descida pela Ébano Pereira. Quando cheguei no palco, o segurança Edilson decidiu que não iria me deixar entrar, pediu credencial, depois pediu carteira funcional, depois queria ver a minha máquina fotográfica (eu mostrei meu bloquinho e caneta), enfim, deu uma de otoridade, mas as pessoas da produção que estavam por perto logo me puseram para dentro, com um pedido de desculpas.

Cauby, quando se olha para ele, é quase uma irrealidade. Ele transcende. Mas a gravidade da voz nos traz depressa ao tom, uma realidade espetacular. Ver Cauby e Ângela juntos no palco é uma possibilidade de mergulharmos no passado. De vivermos há 50, 60 anos atrás. Ele, superando uma doença grave, ela quase cega pelo diabetes. Duas estrelas de máxima grandeza. uma constelação inteira no palco cantando seus grandes sucessos.

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A música “Bastidores”, do Chico Buarque parece que foi feita para Cauby (e “New York New York” o Frank Sinatra deveria pedir licença a ele para cantar — claro que é exagero, afinal é Cauby). O povo dançava pela rua embalado pelo maravilhoso grave da voz dele. E Angela ao cantar “Babalu”, levou o povo à loucura enquanto Cauby, ao lado, falava “bonito” “bonito”. Na janela de um apartamento, o vulto de um casal dançando de rosto colado arrancou aplausos de todo o público quando foi focalizado pela câmera e colocado no telão.

Sensacional. Fiquemos pois com Cauby em “Bastidores”:

Janaína

E lá fui eu Ébano Pereira acima. A Janaína Fellini, além de uma das atrações do Musicletada, também é produtora do evento. Portanto, estava no local desde muito cedo, trabalhando. Num momento de descuido, sua mochila foi roubada, com a chave da casa, do carro, documentos, dinheiro, tudo dentro, inclusive parte do figurino do show. E ela me contou isso na maior tranquilidade. Sim porque quem tem amigos não fica na mão. Um dono de loja emprestou um vestido, outra uma sandalha, outro uma carona, e assim foi solidariamente uma superação de um momento difícil.

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Vi o show da Janaína no Tetro Paiol, no espetáculo de lançamento do primeiro disco da cantora e compositora. Foi muito bom. Estava curioso para ver como iria se sair em uma espaço ao ar livre, maior e com um público mais disperso, muitos já bêbado.

Mas a banda é experiente e o público não foi uma dificuldade, os músicos souberam fazer dele uma vantagem. Começou com um suave reggae a música “Logradouro”, de Rafael Altério e Kléber Albuquerque. A letra é boa para momentos de dificuldades e superação. “Você verá/ Eu vou ser feliz de dar dó/ Vou rir até desaprumar as parabólicas/…/ A solidão vai quebrar a cara/ Então vou encará-la só”. E ali já haviam ganho o povo, pelo embalo do reggae e qualidade dos artistas (o som não estava lá essas coisas, infelizmente).

A banda formada por Glauco Sölter (baixo), Dú Gomide (guitarra), Denis Mariano (bateria), Alonso Figueroa (teclados) e Sérgio Monteiro Freire (Sax) transmite uma segurança e uma qualidade absurdas. A cada show juntos ficam melhores. Com eles não tem “sosseguinho”, eles sabem dos caminhos. Aliás, a canção “Sei dos Caminhos” (Alice Ruiz e Itamar Assumpção) ficou espetacular — outro reggae e dos ótimos.

Não poderia faltar uma homenagem a Silvia Patzsch, que dirigiu o show de Janaína no Paiol e há poucos dias foi baleada em uma tentativa de assalto. Recupera-se em um leito de hospital. Para ela, cantaram a música “Elo” (Téo Ruiz/ Estrela Leminski / Flávio Alves / Alice Ruiz).

Elo de amizades e ligações. A música é uma grande ligação entre as pessoas, o ambiente e a natureza.O povo na rua é um elo, a democracia artística também. A virada Cultural é um elo. E com a música “Elo”, em uma versão mais acústica do que a que Janaína e banda atualmente executam, que eu encerro os meus trabalhos sobre a virada. Domingo é dia de trabalho interno na Gazeta, fico sem Virada. Mas vocês podem e devem curtir e curitibar mais.

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