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A doença crônica que segura o crescimento do Brasil
| Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo

Vários investidores daqui dos Estados Unidos me perguntam se vale a pena investir no Brasil, já que a situação econômica do país não é das melhores. Eu respondo que vale sim e que as perspectivas para 2020 são melhores do que para este ano. Mas eles continuam em dúvida.

Muitos aguardam a aprovação da Reforma da Previdência. Mas está claro que o país precisará fazer muito mais para conseguir um maior crescimento e uma saída definitiva da estagnação econômica.

As projeções publicadas pelo FMI em julho estimam o crescimento da economia global para este ano em 3,2% e para o ano que vem, em 3,5%. A expansão das economias desenvolvidas deve ser de 1,9% este ano e de 1,7% no ano que vem.

O cenário para as economias emergentes e em desenvolvimento é mais positivo, com as projeções de expansão de 4,1% em 2019 e de 4,7% em 2020.

A região de América Latina e Caribe, porém, vai ter o pior desempenho no grupo de economias emergentes e em desenvolvimento, com a previsão de crescimento de 0,6% para este ano e de 2,3%, no ano que vem.

O Brasil, por sua vez, tem previsões piores do que esperadas, devendo crescer em torno de 0,8% em 2019, mas subindo para 2,4%, em 2020, conforme os dados do FMI. Os investidores estrangeiros, porém, trabalham com números menores: de cerca de 0,7% e 2%, respectivamente.

Em recente evento organizado pelo think tank Inter-American Dialogue em Washington, dois renomados economistas: Joyce Chang, do banco J.P. Morgan, e Santiago Levy, da Brookings Institution,  apresentaram análises de possíveis razões para o baixo crescimento da América Latina nos últimos cinco anos (com exceção da Colômbia, todos os outros países da região cresceram abaixo de 2% ao ano no período).

Os economistas reconheceram os esforços da maioria dos países da região em melhorar as políticas macroeconômicas, reforçar as instituições e a independência dos bancos centrais e controlar a inflação. Exceto pela trágica situação da Venezuela e pela grave crise econômica na Argentina, os outros países latino-americanos possuem condições políticas e macroeconômicas mais favoráveis do que há cinco anos.

Mas qual é a razão do baixo crescimento? Mesmo se chegássemos a uma expansão de cerca de 2% ao ano, isso seria apenas a metade do crescimento considerado saudável para a região (acima de 4% ao ano).

A "tragédia da América Latina"

As razões dessa "tragédia da América Latina", nas palavras de Levy, são muito mais profundas. Ele examina a evolução do PIB per capita num período maior, de 1960 a 2018, com base nos dados do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Enquanto o PIB per capita das economias desenvolvidas cresceu 2,5% ao ano no período, a América Latina avançou apenas 1,8% ao ano, bem abaixo das economias emergentes da Ásia, cujo crescimento anual foi de 4,4%.

Levy mostra que os fatores que influenciam a evolução do PIB per capita são a produtividade, os bens de capital e a mão de obra (incluindo a formação). Em termos de capital e de mão de obra, os investimentos dos países latino-americanos nesse período de quase 60 anos foram maiores do que nos países desenvolvidos: representando um crescimento de 0,3% ao ano para os bens de capital e de 1,5% ao ano para a mão de obra (comparando com 0,1% e 1,1%, respectivamente, no caso dos países ricos). Já as economias emergentes da Ásia investiram mais: o crescimento anual dos investimentos em bens capital foi de 0,6%, e em mão de obra, 1,7%.

Resumindo: no período analisado, investimos menos do que os emergentes asiáticos, mas muito mais do que os países ricos. O problema foi o terceiro componente: a produtividade. Segundo a metodologia adotada por Levy, enquanto nos países desenvolvidos a produtividade representou um crescimento anual de 1,3% e nos emergentes asiáticos, 2,1%, para a América Latina, essa média anual de crescimento foi zero. Zero!

A produtividade continua igual àquela de quase 60 anos atrás. Conforme Levy, é exatamente por conta disso que a diferença entre o padrão de vida dos países ricos e o dos latino-americanos hoje é maior do que há mais de meio século. Enquanto isso, nos emergentes asiáticos, esse padrão de vida está se aproximando mais ao dos desenvolvidos.

As disfunções sociais influenciam negativamente a produtividade

E por que a produtividade não avançou? Tivemos sim crises macroeconômicas bastante fortes na região no período, mas conseguimos sair sem graves sequelas da última crise financeira em 2008.

Hoje, as condições externas são adversas, mas tivemos fases melhores. Entretanto, mesmo naqueles períodos, não avançamos no campo da produtividade. Então, não podemos culpar a economia mundial. Até porque as condições externas são as mesmas tanto para a América Latina, que não cresceu, quanto para o Leste Asiático, que acelerou de forma extraordinária.

Levy chega à conclusão de que o problema de baixa produtividade na América Latina tem como pano de fundo as disfunções sociais. E o mais problemático é o mercado de trabalho, que é pouco dinâmico. A maior parte de empresas são de pequeno porte, pouquíssimas contam com mais de 50 empregados. Uma grande parcela do mercado de trabalho é composta por profissionais autônomos ou microempreendedores individuais. Muitos, na informalidade.

Não há economia de escala ("economy of scale") nem o uso de sinergias para produzir maior variedade de bens e serviços com custo menor ("economy of scope"). Não há estímulo de inovar e de aplicar novas tecnologias, não há como apreender fazendo ("learning by doing"), como acontece em grandes empresas. A maioria das micro e pequenas empresas têm produtividade muito baixa e não são integradas ao comércio internacional e às cadeias globais de valor.

A renda nos países latino-americanos é concentrada nas mãos de poucas empresas grandes que têm monopólio ou poder dominante em alguns segmentos de economia. Muitas vezes, são empresas estatais ou de economia mista, muitas das quais exploram recursos naturais (energia elétrica, petróleo, mineração etc.). E por ter o monopólio e o acesso privilegiado a financiamento com juros baixos e a vários incentivos fiscais, essas empresas não buscam inovar e ter uma gestão mais moderna e eficiente.

Ao invés de competir no mercado com bens e serviços melhores, essas empresas exploram o seu poder econômico, buscando aumentar os chamados "rents", ou as cobranças de preços bem acima dos custos, aproveitando a falta de concorrência, os monopólios, os incentivos fiscais, as barreiras tarifárias etc.

Para conseguir isso, normalmente, elas têm uma relação muito próxima com a classe política, o que, por sua vez, impede mudanças.

As empresas não têm incentivo para crescer e para melhorar a produtividade

As micro e pequenas empresas, por sua vez, não têm muitos incentivos para crescer. Pelo contrário, há muitos incentivos para continuar nesse segmento: o microcrédito, os incentivos fiscais e os regimes tributários especiais, bem como o salário mínimo e os benefícios sociais para as famílias de baixa renda. E o mais triste é o fato de que − mesmo com todos esses incentivos − a distribuição de renda na América Latina continua precária, cresce a desigualdade, o desemprego e a economia informal.

A mortalidade das micro e pequenas empresas é altíssima. Mas quando morrem, são substituídas por outras empresas do mesmo tamanho e com a mesma condição de pouca produtividade. A disfunção do sistema social latino-americano não deixa o segmento empresarial progredir.

Por anos, estamos falando em melhorar o sistema educacional. É importante sim, mas infelizmente, não resolve o problema de produtividade. Não adianta produzir mais e melhores engenheiros, desenvolvedores, especialistas em TI etc., se não houver grandes e inovadoras empresas para esses especialistas altamente qualificados trabalharem.

Qual seria a saída? Em paralelo às políticas macroeconômicas, olhar mais para as disfunções sociais. Mas como fazer isso se muitas questões fazem parte da nossa cultura? As amplas políticas sociais e uma grande participação do Estado na economia são enraizadas na sociedade como herança histórica e cultural europeia. A falácia da proteção da mão de obra – representada por leis sem sentido como, por exemplo, a que proíbe postos de gasolina “self service” no Brasil – está arraigada na nossa cultura e é muito difícil de ser revertida.

É preciso reconhecer que hoje no Brasil há várias propostas de mudanças que poderiam melhorar a situação. Há um direcionamento para uma maior abertura econômica, para avançar na desestatização e nas privatizações e para aprofundar a reforma trabalhista.

Mas o desafio é gigantesco. O conceito de BRICS, criado pelo economista Jim O'Neill em 2001 − que agrupou as economias emergentes com maiores perspectivas de crescimento econômico no século XXI − não existe mais. No grupo, apenas a China e a Índia estão crescendo acima na média mundial.

Hoje, o Brasil é o único dos BRICS sem o grau de investimento. Os investidores estão olhando para outros países. O desaquecimento da economia chinesa, a guerra comercial em curso, o Brexit sem acordo e as crescentes tensões políticas prejudicam o cenário de crescimento da economia global. Mas para o Brasil, o maior desafio será interno: é a doença de baixa produtividade. Só falta descobrir o remédio.

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