Aqui nos Estados Unidos, os investidores estão observando o cenário político e econômico no Brasil com atenção. Neste momento de grande instabilidade da economia mundial, cresce a cautela em relação aos mercados emergentes, e o Brasil não é exceção.
O avanço das reformas econômicas e das privatizações e o aprimoramento do marco regulatório estão sendo recebidos com muito otimismo. A agenda ambiciosa de abertura econômica também - tanto o ‘desarmamento’ tarifário unilateral quanto os acordos comerciais que estão sendo negociados. O anúncio de uma possivel abertura de negociações de um acordo de livre comércio com os Estados Unidos é um dos fatores que geram otimismo.
Um acordo de livre comércio com a maior economia do mundo e com o maior importador global de bens (US$ 2,6 trilhões em 2018, representando 16,6% do total do comércio mundial de bens) e de serviços (US$ 536 milhões no mesmo período, representando 9,8% do total do comércio mundial de serviços) seria um enorme avanço para o Brasil.
Apesar da proximidade geográfica e desse impressionante universo de oportunidades comerciais, o Brasil vendeu para os Estados Unidos no ano passado apenas US$ 28,6 bilhões em bens e importou de lá somente US$ 28,9 bilhões em mercadorias (dados do Ministério da Economia). Ficamos em nono lugar na lista de fornecedores de bens para os EUA, sendo aquele mercado responsável por 12% de todas as nossas exportações (em relação aos produtos do agronegócio, esse último percentual foi quase a metade).
Além de oportunidades comerciais, os Estados Unidos são o segundo maior investidor direto no Brasil, perdendo apenas para a Holanda, com US$ 95 bilhões em participação no capital de empresas em 2017 - representando 18% do total de investimentos diretos (últimos dados disponíveis do Banco Central).
Exceto pelas sobretaxas de importação impostas pela administração Trump para determinados produtos e países, os Estados Unidos praticam tarifas bastante baixas. Em 2018, a alíquota média aplicada aos produtos em geral (fora dos acordos comerciais) foi de 3,4% (dados da publicação “World Tariff Profiles 2019” da OMC - Organização Mundial do Comércio). A média das tarifas para os produtos agropecuários foi um pouco maior, de 5,3%. Para comparar, as tarifas médias praticadas pelo Brasil no mesmo periodo foram equivalentes a 13,4% para todos os bens e 10,1% para os produtos agropecuários.
Um acordo comercial com os Estados Unidos iria muito além das tarifas. Se for seguir o exempo do ’acordo de ultima geração’ firmado por aquele país com o Canadá e o México em substituição ao NAFTA (chamado “USMCA”), além de reduzir as tarifas e eliminar barreiras não tarifárias, o acordo incluiria, dentre outros temas, investimentos, serviços, comércio digital, concorrência, meio ambiente, relações de trabalho, movimento de pessoas, empresas estatais, competitividade, pequenas e médias empresas, combate à corrupção, boas práticas regulatórias, compras governamentais e política macroeconômica e cambial. E é exatemente esse tipo de acordo que é defendido pelo Conselho Empresarial Brasil-Estados Unidos (CEBEU).
Estudos realizados pela Amcham Brasil com a FGV e pelo CEBEU com a Trade Partnership Worldwide, LLC demonstram que os ganhos em termos de aumento das exportações e do PIB seriam mais expressivos para os Estados Unidos. O comércio de bens continuaria deficitário para o Brasil. Mas o nosso país ganharia muito com a inserção nas cadeias globais de valor e com a vinda de novos intestimentos dos EUA.
Seria um trunfo do governo Bolsonaro protagonizar um amplo acordo comercial com os Estados Unidos. Mas o Brasil precisa superar vários desafios para conseguir fazê-lo. A primeira questão é o tempo. Apesar de o momento ser muito oportuno na relação entre o Brasil e os Estados Unidos, com muita afinidade entre os dois líderes, acordos comerciais levam vários anos para serem concluídos. E até hoje não houve um início formal das negociações. E ninguém sabe qual será o resultado das eleições presidenciais nos Estados Unidos no ano que vem e se esse assunto continuará na pauta do governo americano.
Além disso, existe o fator Mercosul. De acordo com as regras atuais do bloco, um acordo comercial com os Estados teria que ser negociado pelo conjunto dos países do Mercosul. Com a vitória da esquerda na Argentina, muito provavelmente, não haverá apoio do novo governo argentino à negociação com os Estados Unidos.
Um acordo intermediário entre o Brasil e os EUA
Nesse contexto, surge a ideia de um acordo intermediário com os Estados Unidos focado em facilitação de comércio e temas regulatórios. Esse tipo de acordo não precisaria envolver os outros países do Mercosul, nem ser aprovado pelos parlamentos dos dois países. Tanto aqui nos Estados Unidos quanto no Brasil, cresce o apoio do setor privado a esse tipo de acordo, que é interpretado como um ‘primeiro passo’ para um acordo comercial mais amplo.
No último mês de julho, a Amcham Brasil apresentou “Propostas para uma parceria mais ambiciosa”, sugerindo “lançar negociações incrementais, concentradas, em um primeiro momento, em um conjunto de temas não tarifários importantes para o setor empresarial. Essa abordagem permitiria resultados mais céleres, bem como prepararia o terreno para negociações sobre um futuro acordo de livre comércio.”
Considerando o cenário eleitoral americano, o Brasil teria que iniciar as negociações o quanto antes, de preferência até o final deste ano. Mas para isso, precisaria definir melhor sua estratégia.
Os Estados Unidos estão sendo mais ágeis e incisivos nesse processo. Todo ano, o Escritório do Representante Comercial dos EUA (USTR) publica o relatório de barreiras comerciais que aquele país enfrenta no exterior. O relatório deste ano dedica doze páginas às barreiras no Brasil.
Como resultado da visita do presidente Bolsonaro a Washington e em contrapartida à promessa de apoio dos EUA à adesão do Brasil à Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econônico (OCDE), o Brasil fez várias concessões, incluindo alguns assuntos listados no documento do USTR (por exemplo, foram criadas cotas com tarifa zero para a importação de trigo e de etanol). O Brasil também concordou em começar a abrir mão do tratamento especial e diferenciado na OMC, um assunto de grande interesse dos Estados Unidos (leia mais no meu artigo “Política externa de Bolsonaro: escolhas pessoais ou de Estado?").
Entretanto, o apoio dos EUA à entrada do Brasil à OCDE não se concretizou na forma como o Brasil esperava. Em outubro, o governo americano formalizou junto à OCDE o apoio apenas à Argentina e à Romênia. Conforme a estratégia de ampliação gradual da organização acordada entre os EUA e a União Europeia e considerando que há vários países aguardando, a entrada do Brasil no ‘clube dos ricos’ deve demorar alguns anos.
Tampouco houve progresso em relação a um assunto que interessa muito ao Brasil, que é a retomada das exportações de carne bovina em natura. Nesse sentido, a impressão que dá é que, até o momento, os Estados Unidos conseguiram resolver vários assuntos de seu interesse, mas o Brasil não avançou.
Qual é a melhor estratégia para o Brasil?
Observa-se que a estratégia atual do governo americano favorece a celebração de acordos intermediários (que seriam parte de uma negociação de acordos de livre comércio) ou ‘mini-acordos’, que abordam apenas alguns temas (e, muitas vezes, fogem das regras da OMC).
Com exceção do USMCA, os acordos firmados ou em negociação são uma resposta à imposição, pelos Estados Unidos, de sobretaxas para determinados produtos e/ou determinados países sob o pretexto de segurança nacional ou de práticas desleais em países estrangeiros. São acordos impostos sob ameaças e que refletem mais os interesses dos EUA do que de suas contrapartes. Esses acordos são firmados pelo Poder Executivo e não passam pelo Congresso americano.
Exatamente por esses motivos, os mini-acordos têm menos previsibilidade e menos segurança jurídica. Não há garantias para o cumprimento dos compromissos assumidos. Principalmente, no caso dos Estados Unidos, o governo pode mudar de ideia a qualquer momento e por qualquer motivo.
Considerando esses pontos, será que um acordo intermediário, de menor alcance, interessa ao Brasil? Será que não seria melhor partir desde já para a negociação de um amplo acordo de livre comércio?
Apesar de o Brasil ter sido atingido por algumas medidas dos EUA (como, por exemplo, as sobretaxas para o aço e alumínio), não há grandes conflitos entre os dois países (muito pelo fato de o comércio bilateral ser superavitário para os americanos). O Brasil, inclusive, foi mantido no Sistema Geral de Preferências dos EUA, que concede redução tarifária unilateral para diversos produtos brasileiros, enquanto vários outros países emergentes foram recentemente retirados do sistema.
Precisamos levar em consideração a fragilidade dos acordos intermediários e a possibilidade de alguns deles nunca serem transformados em verdadeiros acordos de livre comércio. Há, também, mais uma questão a ser considerada: em todos os acordos que os EUA buscam hoje, a agricultura é um dos principais temas. Como está incerto o desfecho da guerra comercial com a China, os americanos estão buscando mercados para seus produtos agropecuários e agro-industriais. Com certeza, vão insistir em uma significativa abertura do mercado brasileiro nesse setor.
Será que estamos preparados para isso? Hoje, importamos poucos produtos do agronegócio: no período de janeiro a outubro deste ano, as importações provenientes de todos os países somaram apenas US$ 11,5 bilhões, enquanto as exportações foram equivalentes a US$ 80,2 bilhões. Acredito que sim, o Brasil é muito competitivo no agro e não deveria temer a concorrência de produtos estrangeiros (a respeito, vale reler meu artigo "Para exportar mais, Brasil precisa vencer a “síndrome de Trump”").
Todas essas questões precisam ser levadas em consideração antes de o Brasil tomar uma decisão em relação à estratégia de negociação com os Estados Unidos. O país precisa definir bem as suas prioridades e se preparar para uma negociação muito dura. É importante decidir se nos interessa um acordo intermediário ou se será mais vantajoso seguir com a estratégia de um acordo de livre comércio. Fala-se que a pressa é a inimiga da perfeição.
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