O grande aumento do consumo de proteínas vegetais e de outros alimentos e bebidas à base de plantas nos países ricos e em vários mercados emergentes representa uma tendência que veio para ficar. Os especialistas da empresa nova-iorquina de consultoria de restaurantes Baum + Whiteman chamam esses alimentos de “novos orgânicos”, por serem cada vez mais populares.
Os setores tradicionais de proteínas animais, como carnes e lácteos, precisam estar atentos às mudanças de hábitos dos consumidores europeus, americanos, da Ásia, e também aqui do Brasil, que vão impactar consideravelmente nas nossas estratégias de mercado.
Por enquanto, as tradicionais projeções da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e da FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação) – Agricultural Outlook 2018-2027 – continuam sendo otimistas, prevendo um crescimento considerável da produção e do consumo de carnes e de lácteos na próxima década.
A análise estima que, nesse período, a produção mundial de carnes deve crescer 15%, com a maior parcela da produção adicional vinda da China (quase 14 milhões de toneladas), dos EUA (6,5 milhões de toneladas), do Brasil (4,5 milhões de toneladas), do Vietnã (2 milhões de toneladas) e da Índia (1,9 milhões de toneladas).
Já o consumo de carnes per capita deve aumentar em todas as regiões do mundo, com exceção da África, onde a previsão é de estagnação. É estimado que a América do Norte, a União Europeia e a América Latina vão continuar consumindo os maiores volumes de carnes por habitante na próxima década.
Ao mesmo tempo, as estimativas preveem crescimento de 22% do mercado mundial de lácteos até 2027. O grande destaque será a União Europeia, cuja participação crescerá de 27% para 29% do mercado mundial no período.
As projeções positivas, entretanto, vêm com a ressalva de que “as mudanças de preferências de consumo, tais como o incremento dos estilos de vida veganos e vegetarianos, são difíceis de serem estimadas”. Essas mudanças, nas palavras da FAO e da OCDE, se adotadas por uma parte crescente da população mundial vão afetar o mercado global.
E justamente essas mudanças estão cada vez mais aparentes nos principais mercados de consumo, com o surgimento de uma grande quantidade de produtos similares a carnes, lácteos e ovos – feitos à base de plantas.
Alimentos à base de plantas
Conforme dados da empresa de pesquisas Nielsen, a venda de alimentos à base de plantas nos EUA aumentou 8,1% no ano passado, superando $3,1 bilhões. Esses produtos somam quase 20% de todos os alimentos e bebidas consumidos pelos estadunidenses.
A Nielsen aponta, ainda, que mais de um terço (37%) dos consumidores estadunidenses afirmaram, em 2018, que seguiam alguma dieta específica, contra 35% no ano passado e 29% em 2016. Ao mesmo tempo, somente 6% informaram que seguiam uma dieta estritamente vegetariana e 3%, o estilo vegano.
Outra empresa de inteligência de mercado, Mintel, relata que 31% dos consumidores dos EUA praticam “dias livres de carne”. E um em cada cinco (19%) afirma que consome menos produtos lácteos por motivos de saúde.
A mesma tendência é observada pela Mintel em outros países: cerca de dois em cada cinco consumidores canadenses e australianos acreditam que alternativas às carnes são mais saudáveis do que as carnes de verdade. Cada vez mais indonésios e tailandeses de áreas urbanas reduzem o consumo de proteínas animais, substituindo-as pelas proteínas vegetais.
O Rabobank, instituição holandesa, publicou recentemente um estudo surpreendente que estima que já nos próximos cinco anos as alternativas proteicas à base de plantas poderão representar um terço da demanda total de proteínas na União Europeia.
E a Nielsen complementa: com o objetivo de consumir mais produtos à base de plantas, os consumidores não vão atrás dos alimentos tradicionais como tofu, arroz integral e granola. Eles procuram produtos inovadores. Para o churrasco, por exemplo, aparecem opções como hambúrgueres de jaca, feijão preto e quinoa.
Cresce o mercado de similares de leite e de carne
Várias empresas ao redor do mundo estão introduzindo no mercado proteínas substitutas: hambúrgueres, leites, ovos, queijos, maionese etc.
A Forbes escreve que o vegetariano Impossible Burger, que simula a aparência e o gosto de hambúrguer de carne, já é vendido em mais de 150 restaurantes nos EUA. Outro hambúrguer vegetariano, Beyond Burger, está disponível em mais de 5.000 supermercados, além de alguns restaurantes, em várias partes dos EUA. A rede McDonald’s está vendendo hambúrgueres veganos em suas lojas na Suécia e na Finlândia.
Em dezembro de 2017, a empresa Beyond Meat criou outro produto, Beyond Sausage, que imita o gosto, a aparência e a textura da salsicha de carne suína.
“Os consumidores não acham mais que os hambúrgueres vegetarianos são uma tendência ‘estranha’ ou ‘extrema’. Pelo contrário, o consumo de alimentos à base de plantas está se tornando a norma”, escreve a revista Forbes.
A empresa de pesquisa Allied Market Research estima que o mercado global de substitutos de carnes faturará US$ 5,2 bilhões até 2020, crescendo 8,4% ao ano no período 2015-2020. Nos EUA, a venda dos hambúrgueres vegetarianos cresce a dois dígitos anualmente, tomando espaço no segmento geral de hambúrgueres, avaliado em US$3,3 bilhões.
No setor de leites, é observada uma tendência parecida. A revista The Economist relata que as cafeterias nos EUA e em outros países estão usando cada vez mais alternativas para o leite de vaca. Hoje, o preferido é o leite de aveia, que deixou para trás os de soja e de amêndoas. O leite de soja é menos usado em função de suas características sensoriais e o de amêndoas, por conta do alto custo ambiental: para produzir uma amêndoa, é preciso de cinco litros de água.
A revista fala que os leites vegetais estão tomando o mercado porque os consumidores estão preferindo usá-los com cereais matinais ou café, alegando “preocupações com saúde, bem-estar ou por razões ambientais”.
A empresa Innova Market Insights estima que o mercado global de produtos similares aos lácteos, à base de plantas, deve superar US$16 bilhões em 2018. Nos próximos três anos, as alternativas vegetais devem representar 40% do total de bebidas ‘lácteas’ e sem lactose, em comparação com 25% em 2016, de acordo com a empresa de pesquisa Packaged Facts. Essa empresa prevê a criação de novos tipos de leites livres de lactose, que alcançarão um público maior de consumidores ao redor do mundo, a partir de cevada, cânhamo, ervilha, linho e quinoa. O leite de coco também está ganhando mais mercado.
As vendas de queijo vegano também dispararam nos últimos anos e devem representar um mercado de quase US$ 4 bilhões até 2024, crescendo a um ritmo anual de 7,6% no período 2016-2024, de acordo com a empresa de pesquisa Bharat Book.
“Flexitarianismo” está na moda
Analisando a mudança de hábitos dos consumidores ao redor do mundo, a Mintel descobriu um fenômeno que ela batizou de “flexitarianismo”. Enquanto os estilos de vida veganos e vegetarianos continuam sendo nichos de mercado, cresce de forma exponencial a quantidade de consumidores que amam a carne, continuam comendo-a, mas, ao mesmo tempo, aumentam o consumo de alimentos inovadores à base de plantas.
Esse é o caso, principalmente, do público jovem nos países ricos, que reduzem o consumo de carnes alegando razões éticas, preferindo comidas que consideram mais saudáveis e variadas.
O flexitarianismo é um fenômeno interessante. A Beyond Burger, por exemplo, estima que esse público já representa 70% do total dos consumidores de seu produto.
Estudos indicam que o mercado global de proteínas animais está passando por uma grande transformação, o que pode revolucioná-lo já na próxima década.
O Rabobank afirma que crescimento do segmento de alimentos à base de plantas e de substitutos de carnes serve como “despertador para o setor de proteínas animais” e encoraja a indústria de carnes a investir em proteínas alternativas.
Abraçar a mudança seria a melhor estratégia
As preocupações com a saúde, ética, bem-estar animal e meio ambiente estão transformando a indústria de alimentos. Abraçar a mudança seria a melhor estratégia.
Lembro que, há alguns anos, o método de integração lavoura-pecuária-floresta revolucionou a produção agropecuária no Brasil, trazendo consideráveis ganhos de produtividade e, ao mesmo tempo, reforçando a preservação ambiental.
Hoje, as estratégias heterodoxas e um olhar multissetorial, juntando a produção vegetal e animal, poderiam trazer uma nova revolução, ajudando a indústria de proteínas animais a ganhar mercados. A introdução de novas marcas e produtos inovadores à base de plantas ajudariam a ampliar o consumo e fomentar a competitividade do setor.
No comércio exterior, a mudança de estratégia é ainda mais urgente. As exportações brasileiras do agronegócio são concentradas em poucas commodities. Soja, carnes, açúcar, celulose e café representaram, no ano passado, quase 80% do total das exportações do agronegócio e 35% do total vendido pelo Brasil no exterior.
A maior parte dessas commodities agrega pouco valor industrial: são carnes em natura, açúcar em bruto, soja e café em grão etc.
A participação do Brasil nas exportações mundiais dessas commodities já é bastante elevada: 39% na soja, 45% no açúcar, 29% no café, 35% na carne de frango e 20% na carne bovina.
A valorização do dólar, o enfraquecimento da demanda, as safras recordes e a superprodução fizeram com que os preços de várias commodities caíssem aos menores números em uma década.
Não quero aqui desprezar a importância de continuarmos a exportar commodities agropecuárias. Afirmo somente que não há como seguir apenas com a pauta de commodities. Para ganhar mercados, precisamos inovar. Sair da zona de conforto e ampliar a atuação.
O flexitarianismo, como qualquer mudança, traz desafios, mas também oportunidades. A diversificação da pauta das exportações por meio de proteínas à base de plantas poderá, por exemplo, nos ajudar a acessar mercados hoje fechados por rígidas exigências sanitárias. Produtos processados, geralmente, têm regras sanitárias e fitossanitárias mais flexíveis.
A indústria de proteínas animais nunca será a mesma. A ciência vai contribuir muito para o sucesso da transformação que está ocorrendo. A inovação vai trazer mais produtividade, alcançando cada vez mais consumidores ao redor do mundo. O futuro da indústria de alimentação será cada vez mais associado à ciência, à criatividade e ao ritmo de adaptação às mudanças que estão ocorrendo.
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