A crise financeira mundial de 2008 deixou clara a diferença entre o pensamento econômico tradicional e aquele que leva em conta o comportamento humano. As pessoas não são racionais nas suas escolhas. Há fatores da própria natureza humana: psicológicos, sociais, cognitivos, emocionais e comportamentais que influenciam a tomada de decisão. A “arquitetura da escolha” pode ser usada ao nosso favor em inúmeras esferas da nossa vida. Na área econômica, pode ter um grande efeito multiplicador.
Esta coluna deveria ter saído no início de julho, já que meus artigos são publicados quinzenalmente. Mas a demora na publicação foi por uma boa causa: estava nos Estados Unidos, fazendo um curso na Harvard Kennedy School sobre o papel de liderança na tomada de decisão.
A fundadora do curso, Dra. Jennifer Lerner, psicóloga e professora de Políticas Públicas e Ciência de Decisão da Harvard, juntou uma notável equipe de professores economistas, psicólogos e neurocientistas, para explicar a irracionalidade das pessoas na tomada de decisão. Como as emoções afetam as escolhas? Quais são os vieses psicológicos e cognitivos e os erros de percepção? Esse campo de pesquisa pode ter vários nomes: “economia comportamental”, “ciência de decisão” ou “arquitetura da escolha”.
A crise financeira mundial de 2008 deixou clara a diferença entre o pensamento econômico tradicional e aquele que leva em conta o comportamento humano. As pessoas não são racionais nas suas escolhas financeiras. Há fatores da própria natureza humana: psicológicos, sociais, cognitivos, emocionais e comportamentais que influenciam a tomada de decisão.
A sequência de eventos que levaram à crise financeira mundial e a diferença entre os pensamentos econômicos são muito bem explicados no documentário “Mind Over Money” (“A Mente Acima do Dinheiro”), da produtora NOVA (filme disponível no YouTube). Movidas pela ganância e pelo desejo de vencer, as pessoas continuam investindo em ativos supervalorizados, criando as bolhas e ignorando a natureza cíclica da economia. Não fazem cálculos matemáticos e não analisam dados estatísticos. São movidos por impulsos e emoções.
Irracionalidade na tomada de decisão
Especialistas apontam graves consequências da irracionalidade na tomada de decisão. Hoje, no mundo corporativo, mais de 80% das fusões e aquisições não aumentam o valor de mercado das empresas e 40% dos executivos contratados não permanecem no cargo por mais de 18 meses.
A criação da teoria econômica comportamental é atribuída aos psicólogos israelenses Daniel Kahneman e Amos Tversky. O resultado do trabalho deles, publicado nos anos 1970, foi reconhecido como um grande avanço no pensamento econômico, comemorado com o Prêmio Nobel de Economia, recebido pelo Kahneman em 2002 (após a morte do Tversky).
Em seu livro “Thinking, Fast and Slow” (“Pensando, Rápido e Devagar”), Kahneman identifica dois níveis (ou “Sistemas”) de processamento de pensamento, coexistentes no cérebro humano. O primeiro a ser acionado é o pensamento automático (descrito como o “Sistema 1”): é rápido e intuitivo, e por isso, pode ser sujeito a erros. Já o outro, é sistemático (o “Sistema 2”), precisa ser acionado intencionalmente. É lento, deliberado e menos sujeito a erros.
Os dois sistemas são importantes. Quando um piloto de avião precisa agir, a decisão tem que ser instantânea. E essa decisão será intuitiva (do Sistema 1), resultado de experiência profissional: seguir com o pouso, arremeter etc. É dessa decisão que vão dependem as vidas dos passageiros do avião.
Por outro lado, seria interessante acionarmos o Sistema 2 para tomar decisões mais complexas, para evitar erros, influenciados por emoções.
Um exemplo do uso desses sistemas no dia-a-dia é quando estamos dirigindo: logo que aprendemos, e precisamos nos concentrar e prestar atenção em tudo, usamos o Sistema 2. Depois de um tempo, passamos a dirigir quase ‘automaticamente’ – é o Sistema 1 que tomou conta.
O contexto é muito importante!
E por que falamos tanto dos vieses cognitivos? Observem a imagem acima. Até as características físicas dos objetos são percebidas de forma diferente pelo nosso cérebro, dependendo do contexto. Com o retângulo cobrindo uma parte das linhas, o nosso cérebro “vê” somente duas linhas contínuas, a azul e a vermelha. Removendo o retângulo, percebemos que há quatro, em posições diferentes.
Só para dar alguns exemplos, até as emoções incidentais afetam o nosso julgamento: uma vitória na Copa do Mundo, por exemplo, traz mais euforia e entusiasmo ao mercado. Um sentimento incidental de tristeza faz com que as pessoas consumam mais.
Estudos mostram que pessoas zangadas tomam decisões mais arriscadas; já aquelas mais medrosas têm aversão ao risco. É interessante também que os dados demostram que as mulheres tendem a tomar decisões menos arriscadas do que os homens.
As informações que viram notícia alteram a nossa percepção de risco, devido ao chamado viés de disponibilidade. Se considerarmos as estatísticas levantadas nos EUA, as pessoas têm a impressão de que o risco de morte por homicídio é muito maior do que por suicídio, enquanto a proporção é exatamente oposta: 2 suicídios para cada um assassinato. Da mesma forma, o medo de viajar de avião é irracional, já que a proporção de mortes por acidente aéreo em relação ao acidente de carro é 1:75. Isso porque notícias sobre homicídios e acidentes aéreos são mais frequentes ou chamam mais atenção que sobre suicídios ou acidentes automotivos.
Por outro lado, as pessoas tendem a rejeitar opções associadas à incerteza e que fogem do seu controle. Um exemplo mais presente na nossa vida é a biotecnologia. Apesar de ser um método de cruzamento de genes de plantas usado desde os primórdios da humanidade e hoje aperfeiçoado pela ciência moderna, as pessoas têm grande resistência em relação ao consumo de produtos transgênicos. Não há, porém, dados científicos que demostrem efeitos nocivos de consumo de organismos geneticamente modificados.
Há outros inúmeros exemplos de vieses e erros, influenciados por características cognitivas e motivações humanas, que fazem com que as pessoas tomem decisões equivocadas.
A técnica do “nudge”
Hoje, o mundo é cada vez mais informatizado e dinâmico, e a tomada de decisão em todas as esferas da nossa vida é fortemente influenciada por dados. A revista The Economist escreveu recentemente que o recurso mundial mais valorizado não é mais o petróleo, mas os dados. Com a importante concentração do mercado de telecomunicações, tecnologia de informação, mídia e entretenimento, torna-se importante a atuação de Estado para restringir o comportamento desleal de agentes que controlam a informação, e para prevenir a manipulação e o uso indevido de dados.
Há, também, a necessidade de aperfeiçoar a formulação de políticas públicas por meio de um melhor entendimento de comportamento humano. Richard Thaler, premiado em 2017 com o Nobel de economia, publicou em 2008, em parceria com o jurista Cass Sunstein, um livro chamado “Nudge”, que rapidamente tornou-se um clássico da economia comportamental.
“Nudge” pode ser traduzido para português como “uma leve cotovelada” ou “um empurrãozinho”. De acordo com os autores, o nudge deve ser usado pelo governo como instrumento de formulação de políticas públicas para persuadir a população a fazer melhores escolhas: aderir ao sistema de seguridade social, integrar a economia formal, tomar decisões financeiras mais racionais, poupar mais, etc.
Hoje, governos de vários países (EUA, Canadá, Reino Unido, Noruega, México, Guatemala, Jamaica, Alemanha, Moldova, Singapura, Austrália) e organizações internacionais (Banco Mundial, OCDE) implementaram unidades chamadas “Behavioral Insights Teams” (“Equipes de Análise de Comportamento”).
Aqui no Brasil, a Prefeitura do Rio de Janeiro estruturou, em 2017, em cooperação com o Banco Mundial, vários projetos usando a metodologia nudge para maximizar a arrecadação de impostos com pagamento atrasado, melhorar o trânsito (minimizando o fechamento de cruzamentos em vias importantes), reduzir os índices de desistências de tratamentos de tuberculose e reduzir o índice de ausências de alunos do 1º ano do ensino fundamental, dentre outras ações.
Há uma imensa variedade de temas e áreas, onde podemos implementar as técnicas de nudge, aperfeiçoando a atuação do governo e melhorando a vida dos cidadãos.
Estou pensando em um exemplo relacionado ao agronegócio. Poderíamos usar as metodologias da “arquitetura da escolha” para melhorar ainda mais o desempenho do setor aqui no Brasil e nas exportações.
A nossa mente tem um forte “viés de conformidade”, ou de seguir os exemplos de outros para definir o nosso próprio comportamento. Enquanto, em geral, conformar-se com o grupo ou com a decisão de massas, deixando de fazer o seu próprio julgamento, às vezes pode ser visto de forma negativa, essa mesma característica humana pode ser usada ao nosso favor.
A publicação regular de rankings de empresas agropecuárias, conforme seu desempenho em relação à produtividade e ao uso de insumos (água, energia, defensivos etc.), poderia ser um instrumento eficaz para permitir que os produtores comparem seu desempenho com os demais produtores da mesma região e, com isso, identifiquem oportunidades para a adoção de melhores práticas (produzir mais com menos).
O mesmo poderia ser feito no caso da fiscalização sanitária. A divulgação de rankings de empresas em relação aos índices de não conformidades poderia melhorar o desempenho geral do setor.
Essa técnica provou ser muito eficaz na redução de consumo de energia elétrica nos EUA. Em alguns Estados, as empresas de energia divulgam nas contas dos usuários, além do consumo deles próprios, o consumo de vizinhos próximos que poupam mais e a média geral de consumo do bairro. Com a prática, o consumo de energia caiu dramaticamente.
A arquitetura da escolha pode ser usada ao nosso favor em inúmeras esferas da nossa vida. Na área econômica, pode ter um grande efeito multiplicador. Seria interessante implementarmos as técnicas que se provaram eficazes nas políticas públicas do Brasil, melhorando a prestação de serviços públicos, adotando as melhores práticas empresariais e consolidando o crescimento econômico.