Quando esta coluna for publicada, não estarei mais em Brasília. Continuarei escrevendo aqui, neste espaço privilegiado da Gazeta do Povo, a partir de Washington.
Da mesma forma que a minha vida será bastante impactada com a mudança, para o mundo em geral o ano de 2019 trará transformações significativas. Destaco abaixo algumas questões mais relevantes para o Brasil nos cenários doméstico e internacional. Vou deixar as tendências específicas do ramo econômico para outro artigo.
O Brasil pós-tempestade
Como falou de forma bem assertiva o ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, Ronaldo Fonseca, aqui no Brasil “saímos da tempestade, mas não parou de chover.”
O futuro do Brasil e a consolidação de seu crescimento, renda e emprego dependem da continuidade do curso econômico liberal e de ampla e incisiva agenda de reformas, com destaque para a reforma da Previdência Social e para a reforma administrativa para reduzir os gastos do setor público.
A nossa economia depende como nunca de abertura. Mesmo com a guerra comercial entre os Estados Unidos e a China e várias outras medidas restritivas no comércio internacional, que abriram mais espaço (mesmo que temporário) para as exportações de commodities agrícolas do Brasil, as nossas vendas externas do agronegócio tiveram um aumento pouco representativo em valor.
Devemos fechar o ano com cerca de US$ 99 bilhões em exportações de produtos agropecuários e agroindustriais, valor cerca de 3%-4% maior do que em 2017. O resultado do total das exportações brasileiras deve ser um pouco melhor, com crescimento de cerca de 9,5% – 9,9%, em relação a 2017, totalizando algo em torno de US$ 239 bilhões. Essa aceleração das vendas externas foi puxada principalmente pelo petróleo e pelos minérios. Mesmo assim, não vamos alcançar o nosso melhor resultado, de 2011, quando chegamos a exportar US$ 256 bilhões.
Por conta da pouca inserção internacional, a nossa pauta exportadora é concentrada em commodities e a nossa balança comercial continua desequilibrada: devemos fechar o ano com saldo de mais de US$ 50 bilhões, o que significa que as nossas exportações devem ser quase 80% maiores do que as importações. Nossos parceiros comerciais não ficam felizes com essa diferença. Para remediar o problema, o governo Temer adotou várias medidas para reduzir as tarifas de importação e para remover barreiras não tarifárias, colocando o Brasil em destaque na questão de abertura comercial nos últimos dois anos (de acordo com uma recente reportagem do correspondente do Estado de São Paulo em Genebra, Jamil Chade).
O futuro das nossas exportações, dos investimentos, da produtividade, da competitividade, do avanço tecnológico e da eficiência econômica do Brasil vai depender da continuidade dessa abertura após a chegada do novo governo. Essa continuidade será ainda mais importante no momento, quando o panorama político e econômico mundial está muito incerto, agravado pela crescente polarização e protecionismo.
Os Estados Unidos continuam dominando o mundo
Quem fala que os Estados Unidos não buscam mais liderança no cenário mundial está enganado. Essa liderança continua – só que, cada vez mais, com uma postura de confronto, desestabilizando as instituições internacionais e questionando os valores democráticos mundiais.
A última reunião do G20 mostrou isso com toda clareza. Esse grupo de países, desenvolvidos e emergentes, responsável por cerca de 85% do PIB mundial e por dois terços da população, completou dez anos. Os Estados Unidos dominaram a pauta da última reunião do G20 em Buenos Aires e até mesmo a linguagem e o conteúdo da declaração conjunta lá adotada.
Aquele país fez com que a declaração dos líderes mundiais fosse vaga na questão do protecionismo e dos conflitos comerciais, bem como na questão dos refugiados e da imigração, além de excluir menção ao papel importante das instituições globais. Os Estados Unidos conseguiram até mesmo incluir, na declaração conjunta, um item específico sobre a retirada daquele país do Acordo de Paris sobre o Clima. Então devemos ter cuidado com a conversa de que os EUA não mais querem exercer o papel de liderança.
A guerra comercial iniciada pelos Estados Unidos não tem solução a curto prazo
A trégua dada pelos Estados Unidos à China até março de 2019 não alivia as tensões. A guerra comercial, que já atinge por meio de elevação de tarifas de importação cerca de US$ 250 bilhões em comércio bilateral, deve continuar. Essa guerra não terá solução fácil, já que a principal disputa não é relacionada apenas ao déficit comercial dos Estados Unidos com a China, mas também ao poderio chinês na área tecnológica e de inteligência artificial, alcançado através de táticas governamentais e empresariais desleais.
O conflito dos Estados Unidos com a China deve levar à desaceleração das duas economias e à redução do ritmo de crescimento do comércio mundial a partir de 2019. Conforme recente análise feita pelo RaboResearch, centro de pesquisa do Rabobank, por não ter solução fácil e imediata, a guerra comercial pode se estender até 2030 e, como resultado, o crescimento econômico global deve ser 0,7 pontos percentuais menor daqui a 12 anos, se comparado com o cenário sem a guerra comercial.
No caso de uma escalada ainda maior do conflito, o centro de pesquisa estima que o impacto negativo no crescimento econômico global pode chegar a dois pontos percentuais em 2030. As implicações globais desse atrito vão ter impactos negativos no Brasil, mesmo com a onda positiva temporária para as exportações de commodities. O mundo será mais instável, vai comprar menos e investir menos.
Os Estados Unidos continuarão elevando muros políticos e físicos
Ao invés de reforçar alianças com a União Europeia, Japão, Canadá, México e outros países para combater as práticas desleais da China e fazer uma boa reforma da Organização Mundial do Comércio no sentido de garantir regras justas no comércio internacional, os Estados Unidos estão ampliando conflito com todos. Aquele país critica os fundamentos e o funcionamento da União Europeia e ameaça com elevação de tarifas para os produtos do bloco, ao invés de avançar na negociação de acordo bilateral de livre comércio, iniciada pelo governo Obama em 2013.
Os Estados Unidos forçaram a renegociação do NAFTA, acordo de livre comércio com o México e o Canadá, que completou 25 anos, sob a ameaça de deixarem o bloco. O novo acordo, assinado no último dia 30 de novembro, deixou vários pontos para serem acertados no futuro. Inclusive, os Estados Unidos mantiveram as tarifas elevadas para o aço e o alumínio do Canadá e do México. Em resumo, o novo acordo atendeu aos interesses dos EUA, mas não resolveu os problemas de seus parceiros.
O presidente Trump planeja para o ano de 2019 a construção de muro na fronteira com o México. O congresso americano precisa decidir, até o próximo dia 21 de dezembro, se aprova ou não o orçamento para esse projeto. Se o congresso não aprovar orçamento suficiente, Trump diz que o exército americano executará a obra. Assim, o presidente americano continua elevando muros tanto através de tarifas de importação quanto físicos, contra a imigração.
A aproximação com a Coreia do Norte mostra alguns sinais positivos
A política externa de Trump cada vez mais resume-se à imposição de seus interesses nacionais a outros países por meio de bullying, visando fechar acordos pontuais de caráter transacional, tanto na esfera econômica quanto na política.
Houve, entretanto, um desenvolvimento que pode ser considerado positivo: Trump demonstrou muita confiança na possibilidade de negociação de um novo acordo nuclear com a Coreia do Norte. Apesar de o acordo ser muito incerto e de a Coreia do Norte aparentemente continuar enriquecendo urânio e testando armas balísticas, a nova onda de aproximação levou ao simbólico encontro, em setembro passado, em Pyongyang, dos líderes das duas Coreias, Moon Jae-in e Kim Jong Un.
Com o encontro, iniciou-se um importante processo de desmilitarização e de reconciliação na península, que tem boas chances de prosperar em 2019, trazendo uma maior esperança em relação à paz e à segurança mundiais. Ao mesmo tempo, a escalada do conflito com o Irã, com a retirada dos Estados Unidos do acordo nuclear com aquele país, contamina a estabilidade política não somente no Oriente Médio, mas no mundo em geral.
O Brexit tem chances de ser revertido em 2019
A saída do Reino Unido da União Europeia, o Brexit, prevista para o dia 29 de março de 2019, pode não acontecer.
O acordo negociado pela primeira-ministra britânica Theresa May com a União Europeia tem poucas chances de ser aprovado pelo parlamento do Reino Unido. Temendo derrota, May adiou a votação do acordo pelos parlamentares até janeiro de 2019. Apesar de sobreviver ao voto de desconfiança de seu partido, May tem poucas chances de sair vitoriosa na aprovação do Brexit.
A União Europeia não está disposta a reabrir a negociação para melhorar as condições da saída do Reino Unido. Ao mesmo tempo, a Corte de Justiça da União Europeia afirmou que o Reino Unido pode cancelar unilateralmente o processo para deixar o bloco europeu, abrindo caminho para um novo referendo naquele país.
O Brexit que parecia iminente, não é mais. O interessante é que o processo de saída do Reino Unido da União Europeia provocou o ressurgimento da ideia de reunificação das Irlandas. Uma das questões mais polemicas do acordo sobre o Brexit foi a possibilidade de implementação de uma divisão física na fronteira entre a República da Irlanda, que faz parte da União Europeia, e a Irlanda do Norte, que é parte do Reino Unido. Por isso, a Irlanda do Norte sempre se opôs ao Brexit.
Em seu recente artigo, o economista irlandês David McWilliams escreve que o Brexit intensificou discussões, tanto na República da Irlanda quanto na Irlanda do Norte, sobre uma única Irlanda que continuasse parte da União Europeia. Ele aponta que o processo de unificação pode “levar décadas, pode não ser direto e simples, sempre permanecendo o risco de retorno de violência, mas não se engane: alguma coisa já está começando”.
A saída do Reino Unido nunca foi motivada pelo protecionismo comercial, e sim pelo movimento contra a imigração. Curiosamente, os números levantados recentemente pela revista The Economist mostram que a partir do início do Brexit, em 2016, o fluxo de imigrantes chegando de outros países da União Europeia foi praticamente interrompido, enquanto a vinda de refugiados dos países de fora do bloco aumentou significativamente.
A economia do Reino Unido está estagnada e o Brexit só pioraria a situação econômica, na avaliação de especialistas. A possibilidade de repensar o Brexit seria um alívio.
Dentre outras tendências que marcarão o ano que vem, destacam-se o agravamento do enfrentamento entre Rússia e Ucrânia, com a possível adoção de novas sanções econômicas; as crescentes tensões no Oriente Médio; uma maior militarização da China, da Rússia e dos próprios Estados Unidos; e o agravamento da crise de refugiados.
Menos segurança e paz no mundo significam um menor crescimento econômico e mais pobreza. Esse cenário negativo é ainda mais prejudicial no caso dos países menos desenvolvidos e emergentes da América Latina, Ásia e África. O mundo precisa como nunca de união, mas essa não será a tendência do ano que está chegando.
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