A moda da ‘produção local’, se depender de insumos importados, é um tiro no pé do meio ambiente. Seria interessante abrirmos um debate internacional sobre a sustentabilidade na cadeia de produção de proteínas animais. A produção no Brasil e posterior exportação da proteína animal poderia reduzir em até 20 vezes o volume de carga transportado, quando comparado com a exportação de grãos para a produção da proteína no país importador.
Em 2010, a União Nacional dos Produtores Rurais dos Estados Unidos e a ONG norte-americada, “Avoided Deforestation Partners” (“Parceiros para Prevenção de Desmatamento”) encomendaram um relatório chamado “Farms here, forests there” (“Fazendas aqui, florestas lá”). O relatório dizia que a expansão da produção agrícola e pecuária nos países como o Brasil, a Argentina, a Indonésia e a Malásia levou ao aumento do desmatamento e contribuiu para o fortalecimento desses países como concorrentes dos Estados Unidos na exportação de produtos agropecuários.
Usando argumentos ambientais completamente desconectados da realidade, os norte-americanos sugeriam concentrar a produção agropecuária nos Estados Unidos para preservar as florestas no Brasil e em outros países produtores. Assim, o desenvolvimento – e com ele, o resultado econômico – ficaria nos EUA e a preservação do meio ambiente na América do Sul e na Ásia. Que ideia criativa!
Primeiramente, vale esclarecer que a produção agropecuária do Brasil é alocada fora de áreas protegidas. Temos uma das legislações ambientais mais rígidas do mundo, que faz com que a maior parte do território do país seja preservado.
Evaristo de Miranda, Chefe Geral da Embrapa Monitoramento por Satélite, escreveu, no jornal Estado de São Paulo, em junho de 2017, o seguinte: “Grande produtor de alimentos, energia e fibras, o Brasil é uma potência em preservação ambiental, com mais de 66% de seu território recoberto por vegetação nativa. E esse número sobe para quase 75% quando agregadas as áreas de pastagem nativa do Pantanal, do Pampa, da Caatinga e dos Cerrados.”
São mais fascinantes ainda os dados da Embrapa que mostram que a nossa agricultura, apesar de ser uma das maiores do mundo, ocupa parte muito pequena do território nacional. Toda a produção de grãos, fibras, sucroalcooleira e florestal é localizada em somente 9% do País. E há cerca de 115 milhões de hectares de terras cultiváveis para expandir a produção agrícola de forma legal e sustentável, sem agredir o meio ambiente.
Com isso, o Brasil tem a maior reserva global de terras cultiváveis e tem toda a capacidade de produzir mais alimentos para a população mundial. Na agricultura, estamos entre os líderes na chamada “produtividade total dos fatores”, que é uma medida de eficiência econômica. Além disso, temos condições climáticas e de recursos naturais bastante favoráveis.
Nesse sentido, vale a pena refletir um pouco mais sobre a lógica do fornecimento global de alimentos. Não estou me referindo à afirmação categórica, ideologizada e preconceituosa: “fazendas aqui, florestas lá”, mas sugiro discutirmos a questão de sustentabilidade da produção agropecuária mundial.
Exportar grãos para produzir carnes na Europa e na Ásia
Um amigo, empresário holandês, comentou recentemente com muita indignação: “A Holanda está comprando soja do Brasil para alimentar seu gado e frangos, poluindo e piorando os problemas de meio ambiente nos dois países. Isso me deixa triste. Não faz sentido criar milhões de vacas aqui, importando ração e exportando carne”.
O que ele quer dizer com isso? Que a soja atravessa o Oceano Atlântico para chegar na Holanda e produzir carne lá, ao invés de otimizar os custos e a logística e evitar desperdícios, produzindo a proteína animal aqui no Brasil.
Dados de um estudo da Commonwealth Scientific and Industrial Research Organisation, de Austrália, publicados pela revista The Economist em dezembro de 2013, mostram a proporção de grãos, usados na ração, para produzir um quilo de carne.
Por exemplo, para produzir um quilo de carne de frango ou de porco, é preciso de dois ou três quilos de grãos. No caso da carne de ovinos, a proporção é de quatro a mais de seis quilos de grãos para produzir um quilo de carne. E no caso dos bovinos, essa proporção começa com 5kg e pode chegar até 20kg para um quilo de carne. Então, os países importadores precisam até 20 vezes mais grãos para produzir um quilo de proteína animal nos seus países.
Milho e soja são os grãos mais usados na alimentação animal para a produção de carnes, leite e peixes. Na safra 2018/19, as exportações mundiais de soja devem totalizar 161,8 milhões de toneladas. O Brasil deve exportar 45% desse volume e os EUA, 39%, juntos responsáveis por 84% do fornecimento global.
Essa soja vai atravessar oceanos e mares para chegar nos dois maiores importadores: China (65% do volume total importado) e União Europeia (9% do total).
No caso do milho, o volume total exportado na safra 2018/19 deve chegar a 157,6 milhões de toneladas. Os EUA são responsáveis por 33% desse total, Brasil por 20% e Argentina por 17%. Os maiores compradores do milho são México, União Europeia, Vietnã, Japão, Egito e Irão, responsáveis juntos por 52% das importações mundiais.
Será que faz sentido a produção de proteína animal em grande escala nos países importadores de cereais e grãos? Ou as Américas poderiam ser responsáveis por uma fatia maior da produção de carnes, leite e peixes, fornecendo assim um produto já pronto, ao invés de exportar os grãos? Economizando em até 20 vezes o volume das cargas transportadas, queimando menos combustíveis fósseis e agredindo menos o meio ambiente?
A moda da ‘produção local’
Hoje, as cadeias de produção, inclusive de proteína animal, são tomadas pelo movimento de localização. Os italianos preferem comprar “prodotto original” e “fatto in Italia”, os franceses gostam de “fabrication française”, e assim por diante. Esses produtos recebem destaque nas prateleiras de supermercados e, por consequência, são preferidos pelos consumidores nacionais.
Restaurantes da moda e personalidades de sucesso advogam o consumo de produtos de produção local, alegando que ao comprar de produtores da própria região estaríamos mitigando os danos ao ambiente decorrente do transporte por longas distâncias. Mas, se esses produtores precisam que seus insumos viajem longas distâncias, será que isso realmente é benéfico?
Além das preocupações com a eficiência na produção de grãos e de proteínas animais em partes diferentes do mundo, há mais um fator que pesa quando falamos de sustentabilidade. É a poluição gerada com o transporte marítimo.
Conforme publicado recentemente pelo veículo digital britânico iNews UK, um único navio cargueiro de grande porte pode produzir o mesmo volume de poluição com enxofre que 50 milhões de carros de passageiros. A emissão de poluentes produzida por 15 navios gigantes é equivalente à poluição de todos os carros do mundo.
Especialistas estimam que cerca de 3% de todos os gases de efeito estufa do Planeta são gerados pela frota da marinha mercante. Dessa frota total de mais de 50 mil navios, cerca de 11 mil são de carga a granel, e cerca de 10% desses últimos são usados para o transporte de grãos.
Apesar das inovações tecnológicas e de várias medidas tomadas para reduzir a poluição dos navios, a preocupação com a contaminação ambiental pelo transporte marítimo persiste.
Assim, seria interessante abrirmos um debate internacional sobre a sustentabilidade na cadeia de produção de proteínas animais. A produção no Brasil e posterior exportação da proteína animal poderia reduzir em até 20 vezes o volume de carga transportado, quando comparado com a exportação de grãos para a produção da proteína no país importador.
É de interesse da população global otimizar a produção e preservar o nosso Planeta. Apesar de um grande apelo que os produtos produzidos localmente têm, é de extrema importância que pensemos no futuro e no bem-estar da população mundial. O Brasil poderia assumir protagonismo nesse debate.
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