A nova revolução na agricultura
No meu primeiro artigo nesta coluna, escrevi sobre as transformações impostas pela era pós-petróleo. Em paralelo, a agricultura mundial também está passando por grandes mudanças, indicando o início de uma nova era, marcada por soluções digitais e tecnológicas e pelas preocupações com a sustentabilidade.
A fome no mundo voltou a crescer após mais de uma década de queda. Segundo a ONU, mais de uma em cada dez pessoas no mundo ainda passam fome, totalizando 815 milhões em 2016. As principais causas são os conflitos e as mudanças climáticas. Mas há, também, uma forte desigualdade na capacidade de produção e de suprimento de alimentos. A consultoria Deloitte aponta para o fato de que a metade das pessoas desnutridas no mundo são justamente os pequenos produtores agrícolas. Até 80% de fornecimento de alimentos na Ásia e na África Subsaariana ainda dependem desses agricultores, que, sem tecnologia e com processos antiquados, têm uma produtividade bastante reduzida.
No século 20, a Revolução Verde na agricultura ajudou a combater a fome, aumentando significativamente a produção agrícola ao redor do mundo com a adoção de tecnologias de melhoramento genético de plantas e de animais, com o uso de fertilizantes sintéticos e de defensivos químicos, além de organismos geneticamente modificados. Contribuíram também com esse aumento da produtividade a mecanização da produção e da armazenagem, a modernização do transporte e a comoditização de vários produtos agropecuários, que possibilitaram a produção em massa e a redução de custos.
Mas a expansão da produção agropecuária veio com um preço alto. A Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) aponta que a agricultura e a produção de alimentos também foram os maiores causadores das mudanças climáticas e do aumento de consumo de recursos naturais, já que 30% das emissões globais de gases de efeito estufa e 70% de uso de água vêm do agronegócio.
A FAO estima, também, que um terço de toda a comida produzida no mundo ou 1,3 bilhão de toneladas é desperdiçado anualmente. Além desses alimentos não serem usados no combate à fome, sua decomposição na natureza contribui com a emissão de gases efeito estufa em volume maior do que aquele emitido por qualquer país, com exceção dos Estados Unidos e da China.
Revolução agrícola no Brasil
O Brasil é um dos líderes globais na implantação de novas tecnologias na agricultura. Conforme dados da Confederação da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (CNA), no período de 1976 a 2014, a produção brasileira de grãos e fibra cresceu 331%, enquanto a área plantada aumentou somente 31%. O ganho de produtividade por hectare foi impressionante, de 229%. A grande revolução agropecuária no Brasil fez com que o país saísse da posição de importador líquido de alimentos e se tornasse o segundo maior exportador do mundo, perdendo apenas para os Estados Unidos.
Ao mesmo tempo, conforme estudos recentes da Embrapa e da NASA, o Brasil é o país que mais protege a vegetação nativa. Sendo o quinto maior país do mundo, a área cultivada responde por apenas 7,6% do território e a área preservada representa 66% da extensão territorial. A maior parte dos países utiliza entre 20% e 30% do seu território com a produção agropecuária. Mesmo os grandes países territoriais têm índices muito maiores de ocupação de terras: enquanto a Rússia usa 9,1% para a produção agropecuária, os Estados Unidos utilizam 18,3%, a China, 17,7%, e a Índia, 60,5%. Os países europeus usam entre 45% e 65% do seu território para a agricultura.
A urbanização acelerada e o crescimento da população fizeram com que os grandes países territoriais não tenham mais para onde expandir a produção agropecuária. A Embrapa estima que, respeitadas as áreas protegidas e os limites de terra e climáticos, o Brasil se sobressai em relação a todos os outros, podendo explorar no futuro mais 115 milhões de terras cultiváveis. A Rússia contribuiria com mais 80 milhões de hectares. Outros países têm estoques bem menores de terras cultiváveis: o Canadá poderia adicionar 21 milhões de hectares; Estados Unidos, 20; Congo, 18; Argentina, 17; Bolívia, 16; Austrália, 11; Angola, 7; e Moçambique, 5.
Grande transformação na agricultura
Como a disponibilidade de terras e de água é cada vez mais limitada, a agricultura mundial precisa passar por uma grande transformação. Essa nova revolução, que virá, principalmente, da biotecnologia, das tecnologias digitais e das soluções inovadoras para evitar desperdícios, possibilitará produzir mais alimentos na mesma terra, usando menos água e poluindo menos o meio ambiente. Só assim, poderemos atender à necessidade de aumentar a produção de alimentos em 60% até 2050, quando a população mundial deve chegar a 9,5 bilhões de pessoas.
Adrian Percy, chefe de Pesquisa e Desenvolvimento da Bayer Crop Science, multinacional alemã e uma das líderes mundiais nas áreas de ciência agrícola e saúde ambiental, define as cinco principais tendências mundiais que estão transformando a agricultura e representam desafios e oportunidades no mercado mundial:
A primeira é a digitalização. Percy acredita que os veículos autônomos devem chegar primeiro nos campos e só depois nas ruas das cidades. Os tratores autônomos, os drones e os robôs, guiados por aparelhos de celular ou tablets, vão permitir a produção agrícola 24 horas por dia, todos os dias da semana, nos dias críticos para a colheita sazonal. A integração de inteligência artificial, de imagens de satélites e de softwares sofisticados para a agricultura de precisão vão melhorar a gestão e a tomada de decisão, bem como ajudar a evitar desperdícios, salvar tempo, economizar recursos e garantir colheitas em condições adversas de clima e de plantio.
A segunda é a mudança demográfica. Segundo Percy, o consumo de proteínas vai continuar crescendo, representando um mercado de US$ 50 bilhões até 2025. Nos países ricos, os compradores e os consumidores finais estão cada vez mais dispostos a pagar mais por alimentos de alta qualidade, seguros, produzidos de forma ambientalmente sustentável e com a sua identidade preservada. As tecnologias agrícolas vão permitir atender esse público, fazendo com que eles se transformem de commodities em alimentos especializados, produzidos localmente, orgânicos e funcionais, atendendo as mais variadas preferências alimentares.
Haverá, por outro lado, uma mudança no perfil de agricultores. Com o envelhecimento de produtores agrícolas e com a dificuldade de sucessão, haverá ingresso de jovens produtores, sem experiência de campo, mas trazendo novas ideias e querendo implementar novas tecnologias.
O foco na saúde de solo representa a terceira tendência e é a “nova fronteira da agricultura”, conforme Percy. Além das tecnologias de preservação de solo já aplicadas hoje, o uso de microbiologia de plantas e de inovações para garantir a fixação e a utilização de nitrogênio reduzirão o uso de fertilizantes sintéticos e de defensivos químicos, diminuindo a emissão de gases do efeito estufa e a poluição das águas.
A inovação no melhoramento genético, que é a quarta tendência, utiliza a variedade genética natural das plantas para desenvolver novas culturas e alimentos, conforme as necessidades dos produtores e dos consumidores. Por exemplo, as modernas tecnologias de silenciamento de determinados genes permitem produzir plantas customizadas, com características desejadas, em tempo rápido e com menor custo. Como as impressoras tridimensionais na indústria, as novas tecnologias de melhoramento genético permitem serem replicadas tanto em grandes quanto em pequenos laboratórios em qualquer parte do mundo, aprimorando e democratizando a pesquisa e criando um novo conhecimento coletivo e as novas e acessíveis soluções na produção agrícola.
A quinta e, provavelmente, a mais revolucionária tendência da agricultura de hoje é a colaboração e a transparência. O esforço individual das empresas não é suficiente para garantir grandes transformações e ganhos de produtividade. A colaboração via parcerias estratégicas, atração de capital de risco, uso de empresas incubadoras e de redes colaborativas (“crowdsourcing”) são essenciais hoje para a desenvolvimento da agricultura e de outros setores econômicos. Há, também, uma crescente necessidade de adoção de políticas públicas modernas para atender tempestivamente as demandas da transformação tecnológica, permitindo mais desenvolvimento e progresso.
David Perry, CEO da Indigo Agriculture, empresa norte-americana de microbiologia, acredita que a microbiologia das plantas e as tecnologias digitais, juntas, têm o potencial de aumentar a produtividade na agricultura em mais de 50% nas próximas duas décadas.
Estão surgindo, também, soluções inovadoras, como as fazendas verticais automatizadas, a produção hidropônica de hortaliças, o cultivo de carnes in vitro e a produção de proteínas animais artificiais. Além de aumentar a produtividade, que é um dos maiores desafios da economia mundial como um todo, essas tecnologias ajudam a tornar a produção agropecuária sustentável.
A disseminação e a democratização de novas tecnologias e a adoção de políticas públicas adequadas são fundamentais para o sucesso da nova agricultura. Essa nova agricultura vai gerar ganhos de produtividade que vão impulsionar a economia mundial e, ao mesmo tempo, ajudar a enfrentar as principais preocupações da sociedade moderna: a pobreza, a fome, a saúde e o meio ambiente.
Qual será o país mais rico no cemitério da história?
Três das maiores potencias globais, Estados Unidos, China e Rússia estão na contramão do desafio de construir um futuro compartilhado
O Encontro deste ano do Fórum Econômico Mundial, em Davos, discutiu os desafios de criar um futuro compartilhado num mundo fragmentado. Como fazer isso num ambiente onde as palavras “colaboração”, “bem comum” e “um mundo melhor para todos” estão sendo cada vez menos usadas?
Com um discurso semelhante, de se tornarem “grandes novamente”, os Estados Unidos, a China e a Rússia transformam o mundo político e econômico em um jogo de soma zero, onde uns ganham exatamente o que os outros perdem, não se preocupando em criar valor ou com benefícios para o mundo em geral.
Há quase 60 anos, o então Presidente dos EUA Dwight Eisenhower afirmou que aquela nação poderia ser a mais rica e a mais poderosa, e ainda assim perder a batalha mundial, se não ajudasse seus vizinhos a proteger sua liberdade e avançar em seu progresso social e econômico. Disse, ainda, que não era o objetivo do seu povo que “os Estados Unidos fossem a mais rica nação no cemitério da história”. Os anos passaram, e o caminho que os EUA estão traçando agora vai na contramão da fala de Eisenhower.
Os EUA estão abrindo mão da liderança global, reduzindo as contribuições para o orçamento das Nações Unidas e se retirando de várias iniciativas multilaterais. Dentre os assuntos hoje questionados por aquele país estão as preocupações com o clima, os fundamentos do sistema multilateral do comércio e os acordos políticos e comerciais em vigor. Tudo está sendo repensando de ponto de vista de interesses individuais.
Enquanto os Estados Unidos anunciam a sua rivalidade abertamente, apelidando a China e a Rússia de “concorrentes estratégicos”, a China recorre a estratégias disfarçadas, evitando um confronto aberto e traçando uma agenda paralela. Está cada vez mais transparente o movimento do gigante asiático para tomar o espaço liberado pelos EUA na arena global.
A Rússia, que no começo dos anos 90 perdeu seu ‘império soviético’, também está buscando fortalecer seu papel no cenário mundial. O processo de integração com o Ocidente foi rompido com o início do conflito com a Ucrânia. Como resultado de sanções mútuas, a Rússia inicia um caminho que Aleksander Dyrkin, Presidente do Instituto de Economia Mundial e de Relações Internacionais da Academia Russa de Ciências, chama de “era pós-Europa”.
A nova estratégia russa se baseia no distanciamento da Europa e na construção de novas alianças e políticas na Ásia e no Oriente Médio. As relações da Rússia com os Estados Unidos também estão cada vez mais tensas.
A União Europeia, por sua vez, não está falando em uníssono. Com as duras negociações em torno da saída do Reino Unido, com o crescimento da extrema direita e com a grave crise migratória, o bloco enfrenta o desafio de repensar o seu futuro.
Nesse contexto multipolar e voltado para interesses individuais, as democracias cedem e os movimentos autoritários se fortalecem. Crescem restrições à imprensa e às liberdades. Ampliam-se conflitos militares e tensões sociais em todas as partes do mundo.
A ONU calcula que em 2016, o preço da violência mundial totalizou US$ 14,3 trilhões, ou 12,6 % do PIB global. Naquele ano, pela primeira vez desde 2011, os dispêndios militares cresceram em comparação com o ano anterior, somando US$ 1,7 trilhão, conforme divulgado pelo Instituto Internacional de Pesquisas para a Paz de Estocolmo (SIPRI).
Os EUA continuam sendo o país que mais gasta com armamentos, responsáveis por 36% dos dispêndios mundiais, seguidos pela China, que gasta 13% do total. A Rússia ocupa a terceira posição, com 4,1%. Já o orçamento consolidado da União Europeia não chega à metade dos dispêndios dos EUA.
Mesmo gastando com armamentos apenas 1/3 do que gastam os Estados Unidos, o Presidente da China, Xi Jinping, que consolidou sua forte liderança política no âmbito nacional em 2017, está “mostrando músculos” no exterior, construindo bases militares, apoiando líderes e grupos com os quais tem afinidade e, nas palavras assertivas de James Lindsay, do think tank estadunidense CFR, transformando o mar do Sul da China em um “laguinho chinês”.
A China mistura ações militares com ofensivas econômicas. Como o país sofre forte oposição na Organização Mundial do Comércio (OMC), estando cada vez mais longe de receber o status de economia de mercado, a estratégia de liderança global passa por investimentos em infraestrutura.
Com a sua notória iniciativa “One Belt, One Road” (“OBOR”), a nova rota da seda, a China planeja investir cerca de US$ 1 trilhão entre 2017 e 2021 construindo conexões marítimas e terrestres entre cerca de 60-70 países da Europa, da Ásia e da África. Está prevista a construção de uma rede de ferrovias, estradas, hidrovias, gasodutos e linhas de transmissão de energia, criando a maior plataforma de cooperação econômica, social e política entre países que somam um PIB de US$ 21 trilhões (quase 1/3 do PIB mundial), conforme estudo da consultoria McKinsey.
Caso a iniciativa se concretize, a revista New Yorker estima que a China gastará mais do que sete vezes o montante que os EUA investiram, em valores atualizados, no Plano Marshall, que reconstruiu a Europa após a Segunda Guerra Mundial. Além da rivalidade disfarçada com os Estados Unidos na esfera econômica global, esse ambicioso plano busca conter a influência geopolítica e econômica da Rússia na Ásia Central e na Europa.
Criando um contraponto à OMC, mas sempre tendo em vista interesses pragmáticos no âmbito da OBOR, a China negocia um ambicioso acordo de livre comércio – a Parceria Abrangente Econômica Regional (“RCEP”) – unificando os acordos que já possui com a Austrália, a Coreia do Sul, a Nova Zelândia e os 10 países da Associação de Nações do Sudeste Asiático, e agregando o Japão e a Índia.
Com a saída dos EUA do acordo de Parceria Transpacífica, e com a suspensão das negociações do acordo de Parceria Transatlântica com a União Europeia, o RCEP se tornou o maior acordo atualmente em negociação, abrangendo quase a metade da população, cerca de 30% do PIB e mais de ¼ do comércio mundiais.
“A ambição chinesa visa a ampliar sua área influência e ajudar a escoar seu excesso de produção enquanto a economia chinesa desacelera…, criando novos mercados para as empresas de construção do país e exportando seu modelo de desenvolvimento liderado pelo Estado”, escreve o jornal New York Times.
O jornal Financial Times adiciona que o jogo paralelo da China permite a ela continuar a oferecer subsídios ilegais às suas indústrias, condicionar o acesso ao seu mercado à transferência de tecnologia, e adotar outras práticas desleais, questionadas na OMC. Com isso, o gigante asiático conseguiu criar indústrias de classe mundial nos setores de comércio eletrônico, armazenamento de dados, automação etc.
O mundo se transformou. Os grandes atores do jogo mundial não dividem os mesmos valores e estão cada vez mais voltados para dentro. O objetivo é ser um país grande no meio de uma maioria miserável, com o mundo tomado por violência? Ser grande, quando mais de 10% da população mundial até hoje vive abaixo do nível de pobreza e cerca de 11% de pessoas estão desnutridas? Quando o número de desempregados superou os 200 milhões de pessoas em 2017, com 2,7 milhões a mais este ano? E quando cerca de 13% de todas as mortes no mundo são causadas por doenças provocadas pela mudança climática e pela poluição?
Só é possível superar os graves problemas mundiais com um esforço conjunto, pensando em um futuro compartilhado e no bem-estar de todos. Somente dessa forma a economia mundial vai continuar crescendo de forma sustentável, combatendo a violência e os conflitos. Parafraseando Eisenhower, só assim esses grandes países não serão as nações mais ricas no cemitério da história.
Ganhar a Copa é apenas um dos desafios do Brasil na Rússia em 2018
País precisa reabrir mercado russo para carnes bovina e suína, que em 2017 rendeu R$ 3,6 bilhões, mas foi fechado em dezembro por inconformidades sanitárias
Diz a sabedoria popular que leva-se anos para construir a confiança, poucos segundos para quebrá-la, e uma eternidade para reconquistá-la. No comércio internacional, a confiança é tudo, principalmente quando se trata de produtos alimentícios.
Um dos maiores desafios de países populosos, que dependem da importação de alimentos, é garantir a segurança alimentar, tanto no suprimento quanto na qualidade e na sanidade dos produtos agropecuários. Qualquer problema com o fornecimento ou a sanidade dos alimentos pode ter graves consequências, causando descontentamento e tensões sociais.
Na China, na Rússia e na Índia, por exemplo, a segurança alimentar é prioridade para as políticas governamentais. Esses países contam com sofisticados sistemas de regulamentação sanitária e fitossanitária e de inspeção de importações, para assegurar que o alimento que chega às suas populações atenda padrões de qualidade exigidos.
Conforme previsto no Acordo sobre Aplicação de Medidas Sanitárias e Fitossanitárias assinado pelos países membros da Organização Mundial de Comércio, cada nação tem plena liberdade de estabelecer seus requisitos, desde que estes sejam embasados em critérios técnico-científicos e não configurem subterfúgio para proteger os produtores locais. Dada essa liberdade, é evidente que existem diferenças, por vezes substanciais, entre os requisitos impostos pelos diversos países.
Para conseguir exportar para vários países, o Brasil negocia protocolos e certificados sanitários e fitossanitários com cada um deles, de forma a atender os requisitos específicos impostos pelos importadores. Produtos agropecuários só podem ingressar um país estrangeiro se acompanhados de certificados sanitários (no caso de produtos de origem animal), fitossanitários (plantas, vegetais etc.) ou zoossanitários (animais vivos), que atestam o cumprimento dos requisitos daquele país.
A negociação desses protocolos e certificados, que abrem a porta para as exportações de produtos agropecuários, é feita bilateralmente, e fica a cargo do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.
O sucesso das negociações sanitárias e fitossanitárias depende de três fatores fundamentais: da continuidade (tanto nos relacionamentos quanto em relação aos compromissos assumidos), da confiança (quanto às garantias de cumprimento de requisitos sanitários e fitossanitários do país importador) e da reciprocidade (uma vez que o comércio exterior é uma via de mão dupla).
Uma questão de confiança
A continuidade do cumprimento dos compromissos assumidos e a confiança estão intimamente relacionadas. Se o Brasil acordou com um país que não exportará produtos contendo um defensivo específico, por exemplo, é essencial que se fiscalize os produtores locais, para que nenhum deles adicione o defensivo em questão. Essa fiscalização não cabe somente às autoridades – os próprios produtores, diretamente ou por meio de suas associações de classe, deveriam exercer uma fiscalização suplementar, porque se apenas um exportador descumpre o requisito, quebra-se a confiança entre os dois países e todas as exportações brasileiras ao país destinatário podem acabar suspensas.
O custo do descumprimento de protocolos sanitários e fitossanitários é altíssimo. No ano passado, alguns países restringiram as importações de produtos brasileiros de origem animal, alegando preocupações sanitárias. Dentre esses países está a Rússia, um dos maiores importadores mundiais de alimentos, que suspendeu as compras de carnes bovina e suína brasileiras a partir do dia 1º de dezembro de 2017.
As autoridades russas alegaram a presença, nas carnes brasileiras, da ractopamina, um promotor de crescimento. Essa substância é proibida na Rússia, na União Europeia e em alguns outros países. A retomada das exportações brasileiras para a Rússia vai necessariamente envolver os três eixos mencionadas acima: o reestabelecimento da confiança, a comprovação de que daremos continuidade ao que foi acordado, e a reciprocidade.
A partir de agosto de 2014, quando a Rússia impôs sanções contra o Ocidente, o Brasil ganhou um espaço muito importante no fornecimento de alimentos, principalmente de carnes, para o mercado russo. Desde aquele momento, a Rússia proíbe importações de carnes, peixes, frutas, lácteos e de alguns outros produtos alimentícios provenientes dos EUA, União Europeia, Austrália e Noruega em resposta às sanções desses países contra a anexação da Crimeia e ao conflito no Leste da Ucrânia.
A confiança estabelecida a partir das negociações entre os ministérios da agricultura dos dois países em 2015 era tão grande que a Rússia adotou em relação ao Brasil o mecanismo de pre-listing (lista pré-autorizada de estabelecimentos exportadores) para todos os produtos de origem animal. Assim, a Rússia autorizava os estabelecimentos brasileiros sem uma inspeção prévia, conforme a lista fornecida pelo Brasil. Entretanto, pela falta de continuidade nas tratativas, a confiança foi rompida. Em 2016, a Rússia cancelou o pre-listing e, no final de 2017, suspendeu as importações.
Principal fornecedor
Conforme dados da Associação Nacional de Carnes da Rússia, no período de janeiro a setembro de 2017 o Brasil chegou a ser responsável por mais de 90% das importações russas de carne suína e por 60-65% das importações de carne bovina de fora da União Econômica Euroasiática.
A Rússia também representou uma parcela importante das exportações de carnes brasileiras: no mesmo período de 9 primeiros meses de 2017, aquele país foi responsável por mais de 45% das receitas provenientes das vendas externas de carne suína e por quase 9% da carne bovina. Do início de 2017 até o momento da proibição, o Brasil vendeu para a Rússia US$ 1,14 bilhão em carne bovina e suína. Essa receita vai fazer falta em 2018.
Apesar da crescente produção local de carnes, a Rússia vai continuar dependendo das importações. As sanções russas que proibiram carnes europeias, norte-americanas e australianas foram prorrogadas até o final de 2018. O Brasil tem tudo para retomar as exportações de carnes para a Rússia: reestabelecer a confiança, assegurando o cumprimento dos requisitos sanitários russos e dando continuidade aos acordos feitos. Em tratativas anteriores, por exemplo, o Brasil comprometeu-se a agilizar a liberação das importações de trigo e de pescados russos, dando mais equilíbrio ao comércio bilateral, o que até hoje foi atendido só em parte.
A intensificação das negociações sanitárias e fitossanitárias com mercados importadores é essencial para assegurar a ampliação das exportações brasileiras de produtos agropecuários. A venda no mercado internacional remunera bem e amplia consideravelmente o número de consumidores. Mesmo contando com um mercado interno de 200 milhões de pessoas, através do comércio internacional podemos acessar 7,6 bilhões de consumidores.
O Brasil tem todo o potencial para aumentar a sua presença internacional, principalmente em produtos do agronegócio. As carnes têm destaque especial nesse contexto, já que o consumo de proteínas ao redor do mundo está crescendo.
Conforme os dados do Banco Mundial, em 1960, a participação das exportações no Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil era de 7,1%. Em 2015, essa participação aumentou para 12,5%. Mesmo assim, é um número muito modesto, considerando que a média mundial no mesmo período chegou a quase 30%.
Para garantir o crescimento sustentável do PIB brasileiro, é muito importante focar na expansão das vendas externas. As excelentes safras de grãos dos últimos anos contribuam para a consolidação da produção agropecuária brasileira. Retomar a confiança e reconstruir o relacionamento duradouro com os principais mercados importadores será uma das tarefas mais importantes em 2018. Ganhar a Copa da Rússia seria ótimo, mas retomar o mercado russo de carnes é fundamental!
O ano de 2018 será marcado pelo desafio de reabrir os mercados para os produtos agropecuários brasileiros para melhorar o desempenho exportador do país
Neste primeiro dia do ano, sempre queremos que as coisas negativas do ano anterior passem e que as coisas boas prosperem. Temos muito a comemorar. O Brasil saiu da recessão e a economia voltou a crescer, mesmo com um aumento modesto do PIB em 2017 (em torno de 1%). Em 2018, esse crescimento pode chegar a 3%.
O otimismo é reforçado pelo compromisso do governo com a implementação de importantes reformas estruturais que visam a garantir o equilíbrio fiscal e um ambiente de negócios favorável à atração de investimentos privados na economia.
O otimismo econômico e uma maior dinamização da atividade produtiva foram devidos, em parte, à retomada do crescimento das exportações após cinco anos consecutivos de queda. De janeiro a 3ª semana de dezembro de 2017, as vendas externas do país cresceram 18% em relação ao mesmo período do ano anterior, totalizando US$ 209,5 bilhões. Os produtos do agronegócio, responsáveis por 45% das vendas externas do país, contribuíram para esse bom desempenho.
No período de janeiro a novembro de 2017, o Brasil ampliou suas vendas externas de soja em 24%, de carnes em 9%, de açúcar em 13% e de milho em 12%, em comparação com o ano anterior. O resultado das exportações poderia ter sido ainda melhor se alguns dos principais mercados não restringissem suas importações de carnes brasileiras por preocupações sanitárias.
O ano de 2018 será marcado pelo desafio de reabrir os mercados para os produtos agropecuários brasileiros para melhorar o desempenho exportador do país. Afinal, a ampliação das exportações é essencial para a consolidação do crescimento da economia brasileira. Conforme disse uma vez o ex-ministro da Previdência do governo Fernando Henrique Cardoso, Roberto Brant, “as melhores oportunidades de crescimento de qualidade para o Brasil nos próximos anos estão na expansão da produção agropecuária para exportação”.
A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) estima que a safra de grãos 2017/18 chegue a 226,5 milhões de toneladas. Mesmo sendo 4,7% menor em relação à safra anterior, que foi recorde, é um número muito bom. Essa boa safra permitirá expandir a produção agropecuária e agroindustrial e ampliar as exportações.
Lá fora
O que nos espera em 2018? Apesar da instabilidade política, as perspectivas econômicas para os nossos principais mercados são otimistas. O Fundo Monetário Internacional (FMI) estima que a economia mundial repita neste ano o bom desempenho de 2017, com um crescimento da ordem de 3,6%.
A economia da União Europeia está indo bem, apesar das duras negociações em torno do Brexit (saída do Reino Unido), que deve ser o foco das atenções no ano que vem. Os Estados Unidos, os países da área do euro, o Japão, o Canadá, a China e a Rússia, todos cresceram em 2017 em ritmo mais acelerado que no ano anterior. Todas essas economias devem continuar crescendo em 2018.
A economia indiana teve um desempenho menos expressivo no ano passado, se comparado com 2016, mas permanece como campeã mundial em taxa de crescimento: 6,7% em 2017 e 7% em 2018 (conforme estimativa da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE).
Os economistas não esperam grandes choques econômicos globais em 2018, mas alertam para a estagnação da produtividade do trabalho, o alto nível de endividamento empresarial e de pessoas físicas (nesse último caso, principalmente, na área habitacional) e o baixo nível de crescimento de investimentos privados na economia mundial.
Há outras questões preocupantes que podem prejudicar o crescimento da economia global pós-2018. À medida que se intensificam as tensões políticas, ampliam-se as sanções econômicas dos Estados Unidos e da União Europeia contra a Rússia, Coréia do Norte, Venezuela, Irã e alguns outros países. Apesar de reduzir o comércio, em muitos casos, essas medidas não geram o resultado esperado.
Num cenário de agravamento de pressões migratórias, de uma real possibilidade de conflito nuclear e de crescentes movimentos terroristas e ataques cibernéticos, falta como nunca uma sinergia entre os países. É nesse contexto que os Estados Unidos abrem mão da liderança na esfera multilateral e se isolam cada vez mais, politica e economicamente. Aquele foi o único país a não ratificar o Acordo de Clima de Paris, além de ter tomado a decisão polêmica de declarar Jerusalém como a capital de Israel, ação amplamente condenada pelas Nações Unidas.
Num movimento egocêntrico, os Estados Unidos buscam restringir o livre comércio com seus principais parceiros comerciais e adotar medidas protecionistas para reduzir o grande saldo comercial negativo. Os “parceiros estratégicos” estão sendo substituídos por “rivais estratégicos”, como a nova política externa do Presidente Trump define a China e a Rússia.
Da mesma forma que no Brasil, o ano de 2018 será marcado por eleições presidenciais no México, na Colômbia, na Venezuela, no Egito e na Rússia. Poderá haver troca na liderança política em Cuba com o fim de mandato do Raul Castro em fevereiro de 2018. Ocorrerão eleições parlamentares nos Estados Unidos, com uma possível maioria democrata na composição do congresso, abrindo espaço para um eventual processo de impeachment do Presidente Trump.
Até março de 2018, espera-se a assinatura de um dos mais emblemáticos acordos regionais de livre comércio, o TPP (Acordo de Parceria Transpacífico), abrangendo 11 países, 13,5% do PIB e 15,2% do comércio mundiais. Como o acordo abre muito espaço para o comércio de produtos agropecuários e o nosso maior concorrente, os EUA, desistiu de participar, o Brasil deveria considerar seriamente a sua adesão ao TPP.
Oportunidades
A vida econômica neste ano também será agitada pelos grandes eventos esportivos: a Olimpíada de Inverno na Coréia do Sul e a Copa do Mundo de Futebol na Rússia. Haverá espaço para explorar o legado brasileiro nesses eventos.
Falando em oportunidades para adicionar valor à produção brasileira, e em nichos de mercado, vale mencionar duas grandes tendências apontadas pelos especialistas: a primeira é o aproveitamento de resíduos para novos usos e a segunda são os produtos customizados para a população idosa. A Internet das Coisas também vai gerar cada vez mais transformações e oportunidades.
O ano de 2018 tem um prognostico positivo. Tudo para o Brasil crescer, gerando emprego e renda e garantindo um futuro melhor. Resta sabermos aproveitar essas oportunidades para trazer bons resultados ao nosso País.
Agronegócio brasileiro: o modelo que deu certo
Em duas décadas, produtividade da agropecuária cresceu 5,4% ao ano, contra apenas 0,3% no setor de serviços e uma queda de 0,8% na indústria
Há alguns dias, li um excelente artigo do economista José Roberto Mendonça de Barros: “Agronegócio e Indústria: por que trajetórias tão diferentes”. O trabalho analisa as razões do baixo crescimento da economia brasileira desde 1980, identificando a interligação desse fator com o fenômeno da queda ou estagnação dos níveis de produtividade da indústria e de alguns outros setores da economia brasileira nas últimas décadas. A agricultura, entretanto, se destaca com uma dinâmica contrária, de alto crescimento.
O Produto Interno Bruto (PIB) é criado pela interação entre os estoques de capital físico e de capital humano existentes. A produtividade indica a efetividade dessa interação e é o principal motor de crescimento econômico de longo prazo, já que os estoques de capital humano e físico são limitados.
Com dados da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Mendonça de Barros demonstra que, no período de 1995 a 2015, a produtividade do trabalho do Brasil como um todo cresceu 0,9% ao ano, um número, na opinião dele, bastante modesto.
No período de duas décadas, a produtividade no setor de serviços, que responde por 73,2% do PIB brasileiro, cresceu apenas 0,3% ao ano. A indústria brasileira, que representa 21,2% do PIB, teve resultado ainda pior, sendo responsável por uma queda de produtividade de 0,8% ao ano. Já a agropecuária, que representa 5,5% do PIB, viu sua produtividade crescer incríveis 5,4% ao ano.
Mendonça de Barros destaca o agronegócio como o único setor relevante da economia brasileira que tem o centro de seu modelo de negócios baseado no aumento da produtividade. A própria exposição significativa à concorrência internacional contribuiu com esse modelo, interligando ainda mais a agropecuária, a agroindústria, a pesquisa e os outros serviços relacionados à agricultura. Esse conjunto que compõe o agronegócio representa hoje cerca de 22% da economia brasileira.
Na contramão do agronegócio, a indústria de transformação, a construção civil, o comércio e a logística tiveram o pior desempenho em termos de produtividade nos últimos 20 anos. Em relação à indústria, o resultado negativo ainda é mais grave, se considerarmos os amplos estímulos governamentais, o crédito subsidiado e as desonerações tributárias, dirigidos a determinados segmentos.
Campeões?
Muitas vezes, as políticas governamentais tinham como foco a maior diversificação da indústria local e a criação de novos segmentos ou o fortalecimento de algumas empresas como “campeões nacionais” em áreas escolhidas pelo próprio governo e não pela lógica de mercado.
Avaliando como fracasso as caras políticas setoriais, o economista Marcos Lisboa afirma que ao invés de “tentar fazer quase tudo”, o Brasil poderia ter se especializado em alguns setores da indústria e da agricultura. O economista estima que apenas o subsídio concedido nos empréstimos do BNDES entre 2009 e 2014 custou mais de R$ 320 bilhões à economia brasileira. Os elevados dispêndios dirigidos só a alguns segmentos ou empresas empobreceram o País e aprofundaram a recessão econômica.
Ao invés de estímulos setoriais, o governo poderia ter concentrado investimentos públicos em infraestrutura e logística, desburocratização e melhoria do ambiente de negócios, reduzindo o “custo Brasil”. A economia como um todo se beneficiaria desses investimentos.
O agronegócio cresceu por conta da sua competência e não em função de apoio governamental. É o setor que menos recebeu subsídios se comparado aos seus pares no exterior (europeus, norte-americanos, chineses etc.) e em comparação com a indústria brasileira.
Como definiu a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), “a impressionante reversão de um estado de dependência externa para a vice-liderança da produção mundial de alimentos em apenas 50 anos se deu por uma série de fatores, merecendo destaque a vasta porção de terra cultivável no País, as condições climáticas favoráveis à produção diversificada, o rápido desenvolvimento da capacidade de nossas cadeias produtivas, o desenvolvimento de tecnologia agropecuária e o aumento natural da demanda.”
Esse modelo de crescimento baseado em aumento de produtividade foi estimulado, principalmente pela política governamental de investimento em pesquisa e desenvolvimento agropecuário e pela criação da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), em 1973.
Potencial
O agronegócio brasileiro continuou crescendo nos últimos anos, mesmo em condições desfavoráveis, como preços internacionais baixos, real desvalorizado e elevado protecionismo por parte de seus concorrentes internacionais. Deu um show de desempenho aqui no Brasil e no exterior. E mais, os especialistas estimam que o nosso País vai se tornar o maior exportador mundial em poucos anos.
E a indústria? A produtividade decorre da capacidade de inovar e criar novos conhecimentos. A estagnação da produtividade é um problema no âmbito mundial. Conforme os cálculos da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE, a produtividade da economia mundial caiu 0,3% no ano passado e está estagnada desde 2007. A estagnação da produtividade provoca o baixo crescimento do PIB mundial que, por sua vez, se traduz em padrões de vida permanentemente mais baixos, o que pode afetar as próximas gerações.
O atual modelo da indústria manufatureira, que funciona com base na extração de matérias primas, transformando-as em produtos e depois descartando resíduos, não tem sustentação. Esse padrão extrativo está sendo substituído pela chamada “economia circular”, que busca usar insumos renováveis e soluções que restauram e regeneram resíduos, reintroduzindo-os novamente na economia para gerar energia e criar novos usos e novo valor, evitando desperdícios. Essa transformação pode dar um grande impulso ao incremento da produtividade da indústria brasileira.
A agricultura, que é a fonte da bioeconomia, terá um papel fundamental nesse novo grande complexo da economia circular. Uma maior interligação entre a agricultura e a indústria criará estímulos à agregação de valor, à inovação e à produtividade. O Brasil tem um enorme potencial na nova economia circular que está transformando o mundo de hoje.
Biodiversidade na agricultura: um desafio do tamanho da China
A fome e a má nutrição continuam figurando entre as maiores preocupações da modernidade. Por um lado, segundo a Cruz Vermelha, o mundo conta com 1,5 bilhão de pessoas obesas e, por outro lado, são 815 milhões de desnutridos – de acordo com a Organização Mundial de Saúde. As interrupções no fornecimento de alimentos afetam a saúde das populações e causam tensões políticas e sociais. A segurança alimentar é um dos maiores desafios dos países populosos e de menor renda, principalmente na Ásia e na África.
O livre mercado permite a esses países abrir mão de autossuficiência na produção de alimentos. Além disso, quanto mais aberta é economia, mais os consumidores têm possibilidade de ter alimentos por preço acessível, variados e de melhor qualidade. Entretanto, o problema é maior do que parece.
O pesquisador e alto funcionário do governo chinês Cheng Guoqiang definiu bem o desafio: “a segurança alimentar num país populoso vai muito além de uma simples questão econômica e comercial. A queda de um ponto percentual na produção chinesa de grãos significa uma importação adicional de quase 5 milhões de toneladas ou 2,5% do volume total do comércio mundial de grãos.”
Os fatores que mais influenciam a produção de alimentos são a disponibilidade de terras e de água, o clima, a produtividade e a tecnologia. Esses fatores estão ligados diretamente à biodiversidade na produção de alimentos, um dos fundamentos do sistema moderno de alimentação e nutrição.
Conforme o estudo da organização internacional de pesquisa Biodiversity International, a produção moderna de frutas e vegetais só atende 78% das necessidades nutricionais da população mundial.
Ao mesmo tempo, das 30 mil variedades de plantas que poderiam ser usadas para a alimentação, a agricultura mundial usa apenas três culturas – trigo, arroz e milho – para fornecer 50% das calorias derivadas de plantas consumidas pelas pessoas ao redor do mundo. As culturas mais comuns produzidas somam somente 2% do material genético armazenado nos bancos de germoplasma.
Os pesquisadores afirmam que a dependência de uma pequena quantidade de espécies de plantas cria o risco de interrupção no fornecimento, por conta das secas, do aumento de temperatura e da imprevisibilidade do clima.
Conforme estudos da Embrapa, o desequilíbrio provocado pela monocultura (plantio de uma única cultura) desencadeia problemas de doenças, pragas e plantas daninhas sem controle. A falta de rotação de culturas causa o desbalanceamento das condições físicas, químicas e biológicas do solo, levando à perda de produtividade.
Esses fatores podem levar às interrupções no fornecimento de alimentos. Com o objetivo de medir a agrobiodiversidade em três dimensões: a dieta populacional, a produção de alimentos e os recursos genéticos, a Comissão Europeia contratou a Biodiversity International para desenvolver um índice específico – Agrobiodiversity Index.
O índice será lançado em meados de 2018 e orientará os governos, os investidores e as empresas na tomada de decisões e investimentos para garantir que os sistemas de produção de alimentos sejam mais diversificados e sustentáveis. Os especialistas da Comissão Europeia acreditam que a biodiversidade agrícola poderá ser incentivada por novos instrumentos do mercado de capitais.
Aqui no Brasil, falamos muito sobre a diversificação das exportações. No caso do agronegócio, essa tarefa é diretamente ligada à biodiversidade agrícola.
O Brasil é o segundo maior exportador de alimentos do mundo. Ocupamos a primeira posição no fornecimento de açúcar, café, soja, suco de laranja e carne de frango; a segunda posição no de milho; a terceira no de carne bovina; e a quarta no de carne suína.
Em alguns produtos, participamos com uma parcela muito grande do mercado global: fornecemos 48% do açúcar mundial, 42% da soja, 36% da carne de frango, 25% do café e 18% da carne bovina.
Entretanto, a nossa pauta exportadora é concentrada em poucos produtos. Dos cerca de US$ 63 bilhões exportados em alimentos pelo Brasil em 2016, 94% foram tomados por apenas cinco grupos de produtos: soja, carnes, açúcar, café e milho. Todos commodities. Para comparar, a exportação de frutas representou apenas 1% do total.
A diversificação da produção e da exportação é importante para mitigar os riscos climáticos, evitar o uso excessivo de defensivos agrícolas por conta de doenças e pragas e fazer melhoramento genético, evitando o estreitamento de base genética das culturas produzidas.
A Embrapa é líder nas tecnologias agrícolas sustentáveis de cultivo, na genética e melhoramento de plantas e animais, e no desenvolvimento de variedades de culturas resistentes à seca e a outras mudanças climáticas, às pragas e às doenças. Temos essa enorme vantagem perante nossos concorrentes.
Além disso, o Brasil conta com quase 20% da flora mundial, o que abre um espaço muito grande para introdução de novos cultivares e para o desenvolvimento de biotecnologia na produção de alimentos e de bioenergia.
Uma das novas fronteiras está sendo aberta com a ajuda da Embrapa. É o plantio de leguminosas de grãos secos – feijão-caupi, feijão-mungo, grão-de-bico, lentilha, entre outros – as chamadas pulses. O volume do comércio mundial dessas leguminosas hoje é de 12 milhões de toneladas e deve aumentar 23% até 2030, conforme estimativas do Instituto Internacional de Pesquisa sobre Políticas Alimentares – IFPRI.
A Embrapa aponta que o feijão-caupi tem um ciclo mais curto de plantio, é mais tolerante à seca e tem custo da produção mais baixo do que outras culturas. Ele está sendo plantado no Mato Grosso como cultura de segunda safra em áreas onde não é possível semear o milho dentro da janela de plantio. A próxima cultura a ser plantada nos estados do Piauí e de Mato Grosso com a tecnologia da Embrapa será o feijão mungo verde, que pode ser consumido na forma de broto de feijão ou em grãos.
Essas e outras novas culturas serão essenciais para agregar valor na produção de alimentos, mitigar os riscos e abrir novos mercados. A Comissão Europeia está certa. A biodiversidade na agricultura precisa ser medida e levada em consideração por governos e pela iniciativa privada. É um risco que poderá ser convertido em grandes oportunidades.
País precisa parar de demonizar as importações
Ideal de autossuficiência é ilusão que restringe acesso à inovação e à tecnologia e diminui competitividade brasileira, inclusive no agronegócio
O professor Madsen Pirie, presidente do think tank britânico Adam Smith Institute, escreve que as importações são um fenômeno positivo, muitas vezes subestimado pelas nações. Ele aponta que “as importações nos fazem ficar ricos e as exportações fazem com que isso seja possível”.
Os governos, normalmente, promovem exportações, exonerando-as de impostos e criando outros incentivos. Já as importações, normalmente, são sujeitas a tarifas.
Desde 2001, a balança de comércio exterior brasileiro é superavitária, com exceção aos anos de 2013 e 2014. Durante o período, o Brasil fechou vários anos com saldo positivo superior a US$ 40 bilhões. De janeiro e outubro de 2017, o superávit totalizou os incríveis U$ 58,5 bilhões, resultado de exportações de US$ 183,5 bilhões e de importações de US$ 125 bilhões. Até o final do ano, o saldo positivo pode chegar a R$ 65 bilhões.
A maior soma das vendas externas do país foi em 2011: US$ 256 bilhões. Desde então, as exportações e as importações (essas últimas, com exceção ao ano de 2013) estão caindo e os numerosos saldos positivos são comemorados.
Desde Adam Smith, as teorias econômicas demonstram que as nações que importam produtos mais baratos do que aqueles produzidos no país criam mais riquezas, se comparadas com as economias que optam por autossuficiência. As importações de produtos mais baratos possibilitam também exportar mais produtos ou serviços competitivos, ampliando empregos e renda nesses setores. Os consumidores saem ganhando com acesso a produtos mais baratos.
O aumento exponencial das importações de bens de consumo chineses por um preço muito menor do que os similares nacionais tirou do mercado várias indústrias locais. É inegável, entretanto, o efeito positivo dessas importações na redução de pobreza e na melhoria da qualidade de vida das pessoas. Não só no Brasil, mas no mundo todo.
Demonização
As importações, normalmente, são demonizadas e as exportações, veneradas. Só que umas não vivem sem as outras. Um volume pequeno de importações restringe o crescimento das exportações. Esse é um dos obstáculos, inclusive para a expansão das exportações do agronegócio brasileiro, que é altamente competitivo.
No ano passado, o agronegócio foi responsável por 46% das exportações totais do Brasil, que somaram US$ 185,2 bilhões. E quais foram as importações brasileiras em 2016? Do total de US$ 137,6 bilhões de produtos vindos do exterior, 62% foram bens intermediários, destinados à indústria (inclusive, à indústria de alimentos e bebidas), 13% foram bens de capital e equipamentos de transporte e 9% foram combustíveis e lubrificantes. Bens de consumo totalizaram pouco menos de 16%.
O comércio é uma via de mão dupla. Os nossos superávits são os déficits dos nossos parceiros comerciais. Quando o comércio bilateral é muito desequilibrado, nossos parceiros ficam preocupados. Consequentemente, esses países tentam reduzir o saldo negativo, muitas vezes reduzindo as compras de produtos brasileiros. Em todas as negociações que conduzi à frete da Secretaria de Relações Internacionais do Agronegócio do Ministério da Agricultura, a abertura do mercado externo dependia de uma maior abertura do nosso mercado para as importações.
Para sermos competitivos, dependemos das importações. Com os produtos e serviços adquiridos no exterior, importamos a inovação e a tecnologia, cortando vários ciclos e economizando anos de pesquisa, desenvolvimento e investimento. Consequentemente, a sociedade tem à sua disposição produtos mais modernos e a preços mais acessíveis. A economia como um todo se beneficia.
É difícil acreditar que o Brasil, que foi um dos maiores protagonistas do liberalismo comercial após a Segunda Guerra Mundial, tem um dos maiores impostos sobre importação do mundo. A tarifa de importação média aplicada pelo Brasil, conforme o princípio de “Nação Mais Favorecida” (não considerando as preferências dadas no âmbito de acordos de livre comércio), é de 13,5%. De todos os países desenvolvidos, só a Coréia do Sul tem uma tarifa mais alta, de 13,9%, idêntica à da nossa vizinha Argentina, que é a recordista da América do Sul.
Além desses países, há somente 13 membros da Organização Mundial do Comércio (OMC) que tributam as importações com taxas superiores àquela praticada pelo Brasil: Algeria (18,9%), Bahamas (33,2%), Bangladesh (13,9%), Butão (22,3%), República Centro-Africana (18%), Chade (17,9%), Comores (15,3%), Egito (17,9%), Etiópia (17,4%), Gabão (17,7%), Uzbequistão (14,9%), Zâmbia (13,9%) e Zimbábue (17,4%).
Proteção à ineficiência
Alguns países, como Singapura e Hong Kong, não tributam as importações. Nos Estados Unidos, a tarifa de importação é de 3,5% e na União Europeia, de 5,2%.
Dentre os BRICS, somente a Índia pratica um imposto de importação compatível com o brasileiro, de 13,4%. Como consequência, a Índia, que é a terceira maior economia mundial, está no 20º lugar no ranking dos exportadores. Na China, essa tarifa é de 9,9%, na Rússia, de 7,1%, e na África do Sul, de 7,7%.
Já comparei nesta coluna o desempenho exportador do Brasil e do México. Aquele país do Pacífico pratica a tarifa de importação de 7%. Essa tarifa duas vezes menor que a nossa resulta em exportações duas vezes maiores do que as brasileiras. Esses fenômenos são correlatos.
Essa e outras políticas públicas, que restringem a concorrência internacional, protegem a ineficiência e dão sobrevida às empresas que não conseguiriam competir fora do país ou mesmo aqui no mercado nacional, se a nossa economia fosse mais aberta. A ineficiência atrasa o desenvolvimento tecnológico e tem impacto negativo na geração de empregos e de renda e na qualidade de vida da população do nosso país.
Argumenta-se que a barreira às importações tem por objetivo a preservação de empregos. Mas são preservados apenas os empregos menos qualificados, nas funções de pior produtividade. Como a experiência dos anos 70 e 80 mostrou, a falta de competição externa incentiva as indústrias a não inovar, impondo grandes custos aos consumidores sob o pretexto de preservar o emprego. Se a razão fosse, efetivamente, de política pública, faria mais sentido que o Estado acabasse com as barreiras à importação, taxando os produtos nacionais e estrangeiros de maneira uniforme no momento de sua venda ao consumidor. Esses impostos sobre o consumo poderiam, então, ser utilizados para compensar os empregos perdidos, financiando a requalificação das pessoas para que elas pudessem exercer atividades mais produtivas. Só assim é possível garantir o bem estar de consumidores e de trabalhadores, aumentando, de quebra, a produtividade de toda a indústria nacional.
A iniciativa privada prospera nas economias liberais. Para os atores econômicos serem mais competitivos e eficientes, é preciso reduzir a proteção originária das tarifas de importação. É vital desonerar os insumos, bens de capital e bens intermediários destinados à indústria, vindos do exterior. Só assim, ampliaremos o nosso comércio externo e daremos maior espaço ao agronegócio nos mercados internacionais.
No comércio exterior, México dá baile no Brasil
Conversei com um jovem e bem preparado diplomata brasileiro sobre o papel do Brasil no cenário mundial. Compartilhamos a visão de que é necessário abrir mais a economia brasileira e de que o futuro do nosso país está invariavelmente ligado à produção agropecuária e a uma agroindústria inovadora e competitiva.
Enquanto o Brasil é a sétima maior economia em termos do PIB PPP (Paridade de Poder de Compra), ocupamos a 25º posição no ranking mundial de exportadores. Para comparar, a economia mexicana é quase um terço menor que a nossa, mas exporta quase o dobro do Brasil. O modelo da indústria maquiladora do México foi objeto de muitas críticas, mas o seu resultado positivo em termos de exportações é inegável.
Nenhum outro país do mundo assinou tantos acordos de livre comércio como o México. O comércio foi liberado com 45 países, representando mais de um bilhão de consumidores adicionais e 60% do PIB mundial, conforme dados da ProMéxico.
No caso do Brasil, a aposta nas negociações multilaterais no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC) levou a um resultado menos expressivo em termos de reduções tarifárias e acesso a mercados. O Mercosul, concebido como mercado comum, até hoje é imperfeito no que diz respeito ao livre comércio. Alguns produtos importantes para o Brasil, como açúcar, nem entraram na negociação.
Mas mesmo somando o Mercosul e os outros 11 países com os quais o Brasil assinou acordos comerciais, os mercados acessados por meio de preferências tarifárias representam cerca de 4%-5% do comércio global. Enquanto isso, a média mundial é dez vezes maior. A OCDE estima que, em 2009, 40% do comércio global ocorria no âmbito de acordos comerciais. Agora, essa participação certamente é bem maior, já que o número de acordos comerciais vigentes praticamente dobrou no período de 2005 a 2017, somando hoje 453 acordos bilaterais e regionais.
A pequena inserção do Brasil no comércio internacional impediu uma maior participação nas cadeias globais de valor, impactando negativamente o crescimento da nossa economia e a absorção de novas tecnologias e conhecimentos. Com isso, o Brasil perde parte da sua atratividade para os investimentos estrangeiros e, em geral, sua competitividade.
Globalização e competitividade
Hoje, é muito comum ouvir críticas com relação à globalização. O fenômeno da queda de empregos no setor industrial foi atribuído ao comércio internacional. Entretanto, há vários estudos que mostram que a maior causa do desemprego não foi a globalização, mas a automatização e a robotização na indústria manufatureira.
Claro que a liberalização comercial levou alguns setores e empresas a perderem competitividade. Mas os outros cresceram, transformando as economias. A entrada da China na OMC em 2001, com uma significativa redução de tarifas aplicadas, deslocou a industrialização de vários produtos para aquele gigante asiático, mas também possibilitou um aumento considerável das exportações de commodities agrícolas e minerais pelo Brasil e por outros países.
As perdas por conta da abertura comercial já foram absorvidas pelas economias que negociaram acordos. E o efeito é claro: os benefícios para o desenvolvimento econômico e tecnológico superaram os impactos negativos.
Já escrevi aqui na coluna que um dos maiores entraves para a diversificação e expansão das exportações agropecuárias e agroindustriais brasileiras são as tarifas. Enquanto as taxas para produtos manufaturados nos países, em geral, não são altas, os produtos do agronegócio pagam impostos muito altos. Por exemplo, na China, nosso maior parceiro comercial, a tarifa de importação média para produtos agropecuários é de 15%, mas a alíquota mais alta aplicada chega a 65% (no caso do milho, por exemplo). Em alguns países, os chamados ‘picos tarifários’ chegam a 1.000% (Coréia do Sul, Malásia, Egito etc.). Aqui no Brasil, a tarifa média para os produtos agropecuários é de 10% e o pico é de 55%.
Tarifa zero para os concorrentes
Os concorrentes do Brasil que não pagam tarifas ou pagam alíquotas menores deslocam os nossos produtos. No caso das frutas, por exemplo, no nosso principal mercado importador – na União Europeia (UE) – as tarifas fazem toda a diferença: enquanto a uva brasileira é taxada com até 21% de imposto, a do Chile paga tarifa zero.
Há quase 18 anos, estamos negociando um acordo de livre comércio com a UE. Como muitos dos nossos concorrentes no agronegócio assinaram acordos com aquele bloco antes do Brasil, enfrentamos uma situação desfavorável, principalmente, em relação a carnes, açúcar e etanol. A UE só concorda em liberar importações sem tarifas para determinadas quantidades (cotas) desses produtos, limitando assim o comércio.
As negociações, em geral, estão cada vez mais complexas e difíceis. Como o Brasil ficou ‘à margem’ das tratativas regionais e bilaterais, falta uma percepção mais clara sobre a melhor estratégia no cenário internacional e faltam, mais do que nunca, negociadores experientes e qualificados.
O think-tank britânico Chatham House aponta para a tendência de que os acordos comerciais sejam cada vez menos globais, mais seletos e de natureza transacional, buscando atender interesses de atores econômicos específicos.
Uma sugestão curiosa, no caso do Brexit, foi feita pelos economistas Pedro Shwartz e Edgar Miller. Como contraponto à negociação de acordos, eles propõem um ‘desarmamento comercial unilateral’. Com a saída da UE, ao invés de negociar um acordo bilateral de livre comércio, o Reino Unido zeraria todas todos os impostos de importação unilateralmente para a UE e para o resto do mundo. Os economistas estimam que essa tática unilateral, mesmo sem contrapartidas, geraria um crescimento de 4% do PIB a longo prazo, queda de 8% nos preços ao consumidor e aumento de mais de 7% na arrecadação de impostos.
A liberação das importações seria benéfica para o Brasil, principalmente, no caso de bens de capital e insumos, reduzindo o custo dos investimentos produtivos no país. Hoje, somente máquinas e equipamentos industriais sem similar nacional são isentas de impostos de importação. Para todo o resto, há tributos. Há estudos que mostram que a idade média do parque fabril no Brasil é superior a 20 anos. As importações desimpedidas para a renovação do parque industrial poderiam combater a estagnação da produtividade e o consequente baixo crescimento da nossa economia.
Qual é o Brasil que almejamos? Moderno, competitivo e tecnológico? Isso só é possível com uma maior abertura comercial. O progresso e a inovação prosperam em modelos econômicos liberais. Quanto menor o envolvimento do Estado na economia, maior a presença dos setores inovadores com alto nível de produtividade. Falta o mais difícil: definir a estratégia.
Como o agronegócio brasileiro pode ser mais competitivo
No agronegócio global, Brasil já é seis vezes mais competitivo do que a média de exportação de outros setores da economia. Mas há espaço e oportunidades para avançar ainda mais.
O escritor norte-americano Tony Robbins consagrou a frase: “A mudança é inevitável, mas o progresso é opcional”. No mundo dinâmico de hoje, precisamos fazer opções certas.
O agronegócio é um dos setores mais competitivos da economia brasileira e o segmento que mais exporta hoje. Porém, os números das exportações ainda deixam a desejar. O melhor momento para as vendas externas do agronegócio foi o ano de 2013. Chegamos a exportar US$ 100 bilhões, principalmente, de soja, carnes, milho, açúcar e álcool, produtos florestais e café. Mas mesmo esse resultado fica aquém do enorme potencial que tem o agronegócio brasileiro.
Em 2016, as exportações do setor foram de US$ 85 bilhões, representando 46% do total exportado pelo país. Se no comércio mundial total, no mesmo período, o Brasil participou com 1%, no segmento agropecuário, o País foi responsável por 6%. No agronegócio global, somos seis vezes mais competitivos. E podemos ter um resultado ainda melhor.
A população mundial está crescendo. A Organização das Nações Unidas estima que, em 2020, o número de pessoas ultrapasse 7,5 bilhões e, em 2100, supere 11,2 bilhões. Ao mesmo tempo, a quantidade de terras cultiváveis, que, nos anos 1960, era de quase meio hectare por pessoa, em 2020, deve ser de apenas 0,2 hectare por pessoa.
São poucos os países territoriais que ainda têm estoque de terras cultiváveis, e o Brasil lidera essa lista com 115 milhões de hectares disponíveis, conforme estudo da Embrapa. Temos a terra, a água, o clima e a produtividade necessários para a produção agropecuária.
O que hoje restringe a expansão das exportações é a pauta concentrada de produtos, maioria commodities. As commodities dependem dos preços internacionais e do câmbio.
Os produtos agroindustriais, por sua vez, normalmente são taxados nos mercados importadores com tarifas mais altas. O Brasil negociou poucos acordos comerciais para baixar essas tarifas, o que nos coloca em desvantagem perante concorrentes. Além disso, os requisitos sanitários e fitossanitários nos países importadores, que impõem exigências adicionais àquelas aplicadas no mercado interno, podem representar mais um obstáculo.
Novos nichos
Mesmo com todas essas dificuldades, o mercado externo remunera bem e proporciona acesso a um número consideravelmente maior de consumidores. Buscando competitividade, os produtores agropecuários e a agroindústria têm o desafio de diversificar a produção e descobrir nichos mais competitivos, aproveitando o dinamismo e as constantes mudanças no mercado mundial.
Como ganhar mercados e consumidores numa realidade cada vez mais tecnológica e rápida? A Bain & Company destaca as principais transformações das cadeias de fornecimento. A primeira é a hipersegmentação dos consumidores. As empresas hoje dividem consumidores em microgrupos e procuram achar para eles soluções e serviços customizados. A realidade aumentada, a Internet das Coisas e o comércio eletrônico ajudam a ampliar e diversificar mercados.
A segunda tendência é o avanço das tecnologias industriais, tais como a impressão tridimensional (3D), a robotização e a automação. Essas inovações ajudam a personificar e customizar os produtos e serviços, além de otimizar os custos da produção.
A terceira e, provavelmente, a mais drástica mudança nas cadeias, é a localização da produção, quando as empresas deslocam ou terceirizam a produção para atender demandas locais. As indústrias buscam lançar no mercado produtos que incorporam nomes, sabores ou ingredientes locais, tendo mais apelo perante o consumidor. Por exemplo, na Índia, a Coca-Cola vende um leite com sabor de manga, que provavelmente não teria aceitação aqui no Brasil.
A quarta tendência é o aumento das expectativas dos consumidores nessa nova realidade que incorpora novas tecnologias e produtos personalizados. Os consumidores individuais e empresas esperam entregas mais rápidas, acompanhamento do pedido em tempo real e execução sem falhas.
A quinta tendência é a sustentabilidade ao longo da cadeia de fornecimento e produção, a partir dos insumos e até o consumidor. Além das questões ambientais, os consumidores contam com as preocupações sociais por parte das empresas, com o chamado ‘valor compartilhado’ – conceito introduzido por Michael Porter e Mark Kramer, professores da Universidade de Harvard, em 2011.
O valor compartilhado se traduz, por exemplo, nas preocupações das agroindústrias com a saúde, bem-estar, nutrição, religião e tradições dos consumidores. Na prática, as empresas buscam produzir alimentos de baixa caloria, naturais, orgânicos ou sem conservantes e sem sabores, cores ou gorduras artificias. Além disso, introduzem uma gama de ‘alimentos funcionais’: vegetarianos, veganos, produtos Halal, Kosher, light, diet, probióticos, isotônicos etc.
A diversificação e a customização da produção levam à sexta tendência, que é a necessidade de novos conhecimentos analíticos e mercadológicos nas empresas, o que provoca a busca por profissionais especializados.
A visibilidade do começo até o fim da cadeia é a sétima tendência. Processos e ferramentas informatizados permitem aos fornecedores, indústrias e consumidores fazer acompanhamento de todas as etapas em tempo real. As redes sociais participam cada vez mais na formação de opiniões dos consumidores em relação aos produtos, serviços, desempenho e imagem das empresas.
Essas novas tendências requerem adaptações na estratégia empresarial em busca de competitividade. É verdade que as mudanças são inevitáveis e o progresso é opcional. O sucesso vai depender da competência de cada empresa e, certamente, do agronegócio brasileiro.
Era pós-petróleo: o que muda para o Brasil
Tatiana Palermo, nova colunista da Gazeta do Povo, fala do desafio de adaptar o país à derrocada do petróleo, que acontece a passos mais largos do que se previa.
Em cerca de 20 anos, estima-se que 35% de todos os carros novos produzidos no mundo serão elétricos.
O mundo passa por uma grande transformação, até pouco tempo considerada impensável. O reinado do petróleo como principal fonte de energia e de riqueza está acabando. E o Brasil precisa se achar nesse novo cenário.
Desde que Henry Ford introduziu, há 104 anos, a linha de montagem que possibilitou produzir automóveis em grande escala e por preço acessível, o desenvolvimento econômico dos países passou a depender do petróleo. As nações se dividiram entre aquelas que tinham reservas e as outras, que dependiam da importação do ‘ouro negro’. E o mundo se preocupava com o tamanho das reservas e por quanto tempo iriam durar, buscando tecnologias para aumentar a extração, partindo para o fundo dos oceanos e para as áreas de clima extremo.
A busca pelo acesso a reservas de petróleo causou instabilidade política, disputas territoriais e vários conflitos armados ao redor do mundo. A restrição da oferta provocou volatilidade e crises financeiras e, como consequência, graves recessões.
Mas o cenário mudou em 2008. Durante a crise, os preços internacionais do petróleo caíram em razão da demanda reprimida, e não por restrição da oferta. Em 2014, uma nova queda nos preços foi provocada pela superprodução do petróleo, em conjunto com nova redução da demanda.
A intensificação dos desastres naturais e o agravamento da poluição viabilizaram a aprovação do Acordo de Paris, por 197 países, que entrou em vigor em novembro de 2016. As nações se comprometeram a tentar manter o aumento da temperatura média global em 1,5°C acima dos níveis pré-industriais e, em hipótese alguma, deixar a temperatura aumentar em 2°C. Somente os Estados Unidos e a Síria não ratificaram o acordo até o momento.
Substituição a caminho
O Acordo de Paris marcou o início da ‘guerra contra os combustíveis fósseis’. China, França, Reino Unido e Noruega já anunciaram programas que visam a substituir carros que usam combustíveis fósseis por carros elétricos ou movidos a biocombustível. Os países europeus vão implementar as medidas anunciadas a partir de 2040, com exceção da Noruega, que vai começar dez anos antes. A China ainda está fechando seu cronograma. A Índia, hoje o segundo país mais populoso do planeta, e a Alemanha, a maior economia europeia, também estão avaliando a adoção de medidas para restringir carros com motores a diesel ou gasolina.
Como a China representa a metade da frota mundial de veículos, essa transformação terá impacto mundial, tanto no setor de petróleo e gás quanto na indústria automobilística e em toda a geração de energia.
O momento coincidiu com o crescimento exponencial de fontes renováveis na matriz energética mundial. Várias novas tecnologias se provaram eficazes e competitivas. A oferta de energia solar este ano já deve ultrapassar a de energia nuclear. Em 2016, 24,5% do total da eletricidade gerada no mundo já foi proveniente de fontes renováveis: 16,6% de hidroelétricas, 4% de energia eólica, 2% de bioenergia, 1,5% de energia solar e 0,4% de outras fontes renováveis, conforme os dados da REN21, rede mundial de instituições de energia renovável.
Algumas montadoras, como Tesla, Nissan e Chevrolet, já oferecem ao mercado carros elétricos. A Bloomberg New Energy Finance (BNEF) avalia que, em 2040, os carros elétricos de longa distância vão custar menos de US$22.000, em dólares de hoje, competindo em preço com os carros tradicionais. A essa altura, 35% de todos os carros novos produzidos no mundo devem ser elétricos.
A China está à frente de várias tecnologias que serão essenciais na substituição de carros a gasolina por veículos elétricos. Além das preocupações ambientais, o gigante asiático busca fomentar a competitividade de suas empresas no mercado de energias renováveis e de baterias e estabelecer padrões a serem seguidos por outros países.
Hoje, segundo a revista britânica The Economist, mais da metade do petróleo produzido no mundo é usado para transporte. Dessa quantidade, 46% vão para os carros de passageiros. Com a substituição de carros a gasolina e diesel por veículos elétricos, a Bloomberg estima que a demanda por petróleo terá uma redução da ordem de 2 milhões de barris/dia, já em 2023. Essa redução é igual àquela que provocou a crise do petróleo em 2014.
Pré-sal deve encolher
Os países que dependem das exportações de petróleo, que já vêm sendo prejudicados pela queda de preços internacionais nos últimos anos, terão que se organizar para diversificar suas economias e exportações, se adaptando ao novo cenário. Ao mesmo tempo, as fontes mais baratas de petróleo, como no Oriente Médio e nos Estados Unidos, serão mais viáveis economicamente. Muito provavelmente, os investimentos na extração de petróleo no pré-sal do Brasil, no Ártico e nas areias betuminosas canadenses vão diminuir nas próximas décadas.
E o Brasil nesse novo cenário? No âmbito do Acordo de Paris, o país assumiu a meta de aumentar a participação de bioenergia sustentável na matriz energética brasileira para 18% até 2030, expandindo o consumo de biocombustíveis. Já está tramitando no Senado Federal o Projeto de Lei do Senado No 304/2017, que proíbe a venda de automóveis movidos a combustíveis fósseis no Brasil, a partir de 2030, e veda, em todo o território nacional, a circulação desse tipo de veículos a partir de 2040.
Para o nosso país, que em 2016 foi o 10º maior produtor de petróleo no mundo, as mudanças trarão grandes desafios. As exportações brasileiras de petróleo, no ano passado, totalizaram US$ 13 bilhões, representando 7% do total exportado. Este ano, a produção ‘pré-sal’ deve superar a tradicional, ‘pós-sal’, fato que, há pouco tempo, nos daria motivo de orgulho e não de preocupação.
A produção de derivados de petróleo é a terceira maior indústria de transformação do Brasil, perdendo somente para os segmentos de alimentos e bebidas e de produtos químicos. Essa indústria, que já incorporou uma parte significativa da produção de biocombustíveis, deve buscar se diversificar ainda mais.
A Embrapa avalia que, para cumprir as metas do Acordo de Paris, o Brasil precisará, além de biocombustíveis, aumentar a bioeletricidade na matriz energética brasileira. As indústrias automotivas brasileiras, que apostaram nos motores a biocombustível e híbridos, vão precisar introduzir carros elétricos, buscando competitividade no mercado interno e fora do país.
O desenvolvimento da nossa economia com o aumento do emprego e renda vai depender dessa capacidade da indústria brasileira de inovar e se inserir na nova realidade. O Brasil já é a ‘agri-meca’ e uma das maiores bioeconomias do mundo. Temos tudo para ser um país competitivo também na era pós-petróleo.
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