Sem um grande avanço tecnológico e sem uma dramática redução no desperdício, não será possível atender à crescente demanda da população mundial por alimentos.
Escrevi, na minha coluna anterior, que a próxima revolução na agricultura será baseada na adoção de tecnologias digitais e de microbiologia, com foco no aumento da produtividade do agronegócio, mas, ao mesmo tempo, com um menor uso de recursos naturais, preservando o meio ambiente e combatendo o desperdício na produção e no consumo de alimentos.
Sem um grande avanço tecnológico e sem uma dramática redução no desperdício de alimentos, não será possível atender à crescente demanda da população mundial. A escassez de recursos naturais e as mudanças climáticas são os principais desafios para o aumento da oferta de alimentos no mundo.
Dos cinco maiores riscos globais para a próxima década, elencados na última reunião do Fórum Econômico Mundial (WEF), quatro são relacionados às mudanças climáticas: severas condições climáticas; desastres naturais, falta de prevenção e de adaptação às mudanças climáticas e as crises de água. Essas quatro condições são equiparadas à armas de destruição em massa, apontadas como o maior risco global.
O WEF avalia que essas condições adversas podem provocar consequências que vão muito além da fome e da mortalidade. São capazes de causar aumento da migração e das tensões sociais e até conflitos entre os países, quando um deles resolver impor medidas para restringir exportações, garantindo o fornecimento de alimentos no seu mercado interno em detrimento de outros países.
Para dar conta do aumento da demanda por alimentos, a agricultura precisará produzir mais com menos e com um menor impacto ambiental. Será necessário focar cada vez mais no combate ao desperdício e no reaproveitamento de resíduos. Todos os países precisarão repensar e otimizar os seus sistemas de alimentação (produção, distribuição e consumo) já na próxima década.
Índice de Sustentabilidade de Alimentação
Em 2016, a Unidade de Inteligência Econômica da revista The Economist e o Centro de Alimentação e Nutrição da empresa Barilla lançaram o Índice de Sustentabilidade de Alimentação (Food Sustainability Index – FSI), para tentar monitorar e comparar o desempenho de vários países em relação à sustentabilidade na produção e no consumo de alimentos.
Em 2017, o estudo avaliou 34 países, usando 35 indicadores em três grandes áreas: (i) agricultura sustentável (pesquisa e produção de alimentos com preservação ambiental); (ii) desperdício de alimentos (implementação de políticas governamentais para evitar a perda e o desperdício de alimentos); e (iii) desafios nutricionais (educação nutricional, estilo de vida, composição da dieta da população etc.).
O estudo revelou uma interdependência entre a alimentação e a saúde da sociedade e da economia dos países em geral. Há, por exemplo, uma correlação positiva entre a sustentabilidade de sistemas de alimentação e os elevados níveis de renda e de desenvolvimento humano. E, ao mesmo tempo, há uma correlação negativa relacionada a elevados níveis de urbanização e ao tamanho da população.
Encabeçam o ranking de 2017 os seguintes países, considerados os mais sustentáveis em seus sistemas de alimentação: França, Japão, Alemanha, Espanha, Suécia, Portugal, Itália, Coreia do Sul e Hungria.
A França foi o país mais bem avaliado no quesito de prevenção de desperdício de alimentos. Graças à implementação de eficazes políticas governamentais, aquele país descarta somente 1,8% de tudo que produz de alimentos anualmente (lembrando que o mundo descarta um terço daquilo que produz). A legislação francesa, adotada em 2016, proíbe os supermercados de jogarem fora os alimentos próximos à data de seu vencimento. É exigido que esses alimentos sejam doados a organizações de caridade ou bancos de alimentos. Há, também, exigências em relação à prevenção de desperdício nas escolas e a obrigatoriedade de listar medidas de sustentabilidade nos relatórios anuais das empresas.
A Alemanha, a Espanha, a Hungria e os Países Baixos foram os primeiros países europeus a aderir ao programa de pesquisa REFRESH, que visa a reduzir pela metade, até 2030, os desperdícios de alimentos por estabelecimentos e consumidores, além de diminuir as perdas de alimentos nas cadeias de produção e fornecimento, otimizando os custos de gerenciamento de resíduos e maximizando o aproveitamento das embalagens.
A Itália, por sua vez, flexibilizou a legislação que restringia a doação da comida não usada pelos restaurantes, e encoraja o uso de embalagens para que os clientes possam levar as sobras de suas refeições. Aquele país também lidera a lista na questão de uso econômico de água na produção agrícola.
Só para citar alguns outros exemplos, a Coreia do Sul foi o país mais bem avaliado quanto à diversificação da produção agrícola. O Japão, por sua vez, mesmo sendo um dos países mais populosos, é o líder dentre os 34 países analisados no pilar de desafios nutricionais. Aquele país apresenta resultados impressionantes em relação à qualidade de vida, à longevidade e aos hábitos alimentares saudáveis. Além disso, 100% da população japonesa tem acesso à agua tratada. A obrigatoriedade da educação nutricional nas escolas parece ter contribuído positivamente para os baixos níveis de obesidade infantil.
Um dos maiores desafios da próxima década
No combate ao desperdício de alimentos, não faltam boas práticas, tanto em políticas governamentais quanto na esfera empresarial. Há exemplos de oportunidades de negócios que nasceram com o objetivo de reaproveitar as sobras de alimentos. É o caso de empresas que criaram aplicativos para os restaurantes venderem a comida excedente com desconto ou mesmo para as pessoas revenderem alimentos em embalagens lacradas que não vão consumir.
O Brasil, infelizmente, ficou em 28º lugar dentre os 34 países avaliados pelo FSI. Enquanto o nosso país apresenta uma experiência bem sucedida na implementação de tecnologias sustentáveis na produção agropecuária, há muito a ser feito no combate ao desperdício de alimentos e na melhoria da nutrição da população.
Os especialistas destacam que a alimentação é um fenômeno multifacetado. Pode ser uma commodity, um ingrediente, uma forma de nutrição e até uma manifestação de cultura e de identidade. A falta de alimento pode ter consequências desastrosas.
O Brasil tem um papel relevante no fornecimento global de produtos alimentícios. Um dos maiores produtores e o segundo maior exportador mundial de alimentos, o nosso país precisa se juntar ao esforço internacional na implementação de sistemas sustentáveis de alimentação. O combate ao desperdício será um dos maiores desafios da próxima década.
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