Como nossas decisões passadas influenciam as opções em relação ao futuro? Gostaria de falar sobre um viés cognitivo que afeta inúmeras decisões, principalmente na esfera econômica. É o viés de sunk cost (“custo irrecuperável”).
Quando temos um projeto que não está indo bem, temos a tendência a pensar em tudo o que já investimos – seja em tempo, em dinheiro, em reputação etc. – e isso frequentemente impede que vejamos os problemas com clareza para decidirmos se vale a pena continuar investindo ou é melhor abandonar o projeto e começar de novo. E não estou apenas falando de projetos empresariais, que envolvam investimento financeiro – o sunk cost é o que prende as pessoas num curso universitário que não agrada, num casamento infeliz, num emprego frustrante.
O psicólogo israelense e Prêmio Nobel de Economia Daniel Kahneman, escreveu em artigo de 2011 (em conjunto com os professores Dan Lovallo, da Universidade de Sidney, e Olivier Sibony, da Universidade de Oxford) que as pessoas tendem a supervalorizar suas decisões passadas e não conseguem se desvincular delas. “A história, e o que aprendemos dela, importam muito. Mas a história nos confunde quando nós avaliamos opções com referência ao ponto inicial no passado, ao invés do futuro”.
Quando tomamos decisões sobre novos investimentos, ficamos presos às decisões do passado, a investimentos de dinheiro ou de tempo hoje não recuperáveis. É muito difícil desconsiderar o sunk cost, mas é extremamente importante fazer esse exercício para tomar decisões objetivas sobre o futuro.
Os professores estadunidenses John S. Hammond, Howard Raiffa e Ralph L. Keeney, autores do livro “Smart Choices” (“Escolhas Inteligentes”), destacam um dos exemplos mais comuns da influência do viés de sunk cost na tomada de decisão: quando um empréstimo bancário se mostra problemático, o gerente que o concedeu tende a prorrogar seus vencimentos, refinanciando as dívidas dos tomadores, para tentar defender as decisões tomadas. Essa tática só aumenta o endividamento do tomador, e não resolve o problema da inadimplência. A experiência demostra que, se no momento em que surge o problema, o banco transfere a gestão da carteira de empréstimos para um outro gerente, é possível minimizar as perdas com esse tipo de refinanciamento.
Aqui no Brasil, a consequência da rolagem de empréstimos problemáticos é dramática. Um levantamento realizado pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) e pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas e divulgado pela revista Época apontou que 50% dos consumidores brasileiros atrasaram as parcelas de empréstimos ou financiamentos no mês de agosto do ano passado. Se essas dívidas forem meramente roladas, sem incentivo para sua quitação, podemos estar criando um problema gigantesco para nossa economia.
Os especialistas afirmam que os tomadores de decisão devem reconhecer que “num mundo incerto onde os imprevistos são comuns, boas decisões podem às vezes levar a resultados ruins. Reconhecendo o fato de que algumas boas ideias vão resultar em fracasso, executivos devem encorajar as pessoas a minimizar os prejuízos e não a aumentá-los”. Os prejuízos ocorridos são o sunk cost e nós precisamos desconsiderá-lo para decidir sobre o futuro.
A professora Jennifer S. Lerner, da Harvard Kennedy School, aponta as seguintes razões de sermos influenciados por esse viés cognitivo: 1) sentimos medo de conflito, de enfrentar as pessoas que participaram conosco da tomada de decisão; 2) temos receio de reconhecer as perdas e de sentir
arrependimento; 3) sentimos medo de fracassar e de parecer incompetentes; 4) temos tendência de insistir na estratégia, para tentar comprovar que o investimento valeu a pena; 5) perdemos a noção de objetivos iniciais; e 6) sentimo-nos comprometidos com os compromissos assumidos.
Em artigo escrito em 2011 em conjunto com Jessica J. Carnevale, da State University of New York, e Yoel Inbar, da Universidade de Toronto, a Dra. Lerner escreve que “os tomadores de decisão frequentemente demonstram maior vontade de continuar com o empreendimento quando há recursos já investidos, mesmo quando objetivamente esse investimento anterior não deveria influenciar decisões sobre investimentos futuros”.
Sunk cost nas políticas públicas
A objetividade na tomada de decisões é especialmente importante quando falamos de políticas de Estado. É certo que nunca partimos do zero e que é necessário garantir a continuidade. É preciso definir objetivos político-econômicos de longo prazo e seguir implementando-os. Nesse sentido, é de extrema importância ter uma visão estadista, que precisa ser respeitada nas trocas de governos.
Tudo isso é verdade. Ao mesmo tempo, o dinamismo econômico, o avanço tecnológico e a mudança de cenário político nacional e internacional nos impõem a necessidade de mudanças, de atualizações de ações em curto, em médio e, às vezes, até no longo prazo.
As estratégias de política exterior e de comércio internacional, por exemplo, precisam ser constantemente atualizadas, levando em consideração o panorama internacional. Há menos de dois anos, antes da eleição do Presidente Trump, quem poderia prever uma verdadeira guerra comercial aberta pelos Estados Unidos contra a China e contra seus principais aliados, como a União Europeia, o Canadá, o México, dentre outros países? Com esse conflito, que traz grandes repercussões mundiais nas esferas política e econômica, o Brasil precisará repensar várias de suas estratégias, mesmo aquelas muito bem fundamentadas no passado, independentemente de quanto tempo ou dinheiro tenha sido investido na sua adoção.
Ainda na área internacional, será que a decisão dos países do Mercosul, tomada em 2000, de sempre negociar acordos comerciais internacionais em bloco, que impediu agilidade na inserção internacional do Brasil, deveria ser revista em algum momento? Diante do novo cenário, não seria o caso de mudarmos a postura?
E na área econômica? Será que os benefícios tributários concedidos a alguns setores econômicos no passado precisam ser renovados só porque criaram um precedente? As mudanças se tornam difíceis, pois esses setores fazem forte pressão pela manutenção das benesses. Mas, principalmente, muitas vezes os próprios órgãos que tomaram a decisão no passado tendem a defender as prorrogações, para justificar as escolhas anteriores.
Muitas decisões na área de infraestrutura e de prestação de serviços públicos têm um forte viés de sunk cost. Escolhas feitas no passado, algumas vezes por interesse político e sem fundamentos técnicos, acabam comprometendo as decisões futuras.
Sunk cost compromete o empreendedorismo no Brasil
Em alguns casos, a própria legislação brasileira cria incentivos para reforçar o viés de sunk cost. A nossa Lei de Falências estabelece que o falido fica inabilitado para exercer qualquer atividade empresarial a partir da decretação da falência e até a sentença que extingue suas obrigações, 5 anos após o encerramento da falência. No caso de condenação por crime falimentar, a suspensão tem um prazo maior, de 10 anos.
É indiscutível que no caso de crime falimentar, é necessário que o culpado seja afastado da vida empresarial. Mas no caso de um empresário honesto, quando o negócio não deu certo por outros fatores que não sejam a fraude, esse empresário fica no mínimo 5 anos (mas geralmente muito mais do que isso, porque o processo de falência é longo) sem poder abrir outra empresa.
Essa penalidade em caso de insucesso obriga o empreendedor a não desistir do projeto – o sunk cost nesse caso passa a incluir, além do tempo e dinheiro perdidos, a pecha de empresário falido e a impossibilidade de voltar a empreender no futuro próximo.
Isso contrasta diretamente com a visão de mundo de alguns outros países, onde o empreendedorismo é incentivado e as falhas são consideradas parte da vida empresarial, um aprendizado que serve para que o empreendedor possa voltar a tentar, mais experiente e com maior chance de sucesso.
Conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, quase 50% das empresas abertas no Brasil em 2007 (no auge da crise financeira mundial), encerraram suas atividades em três anos. A “taxa de mortalidade” de empresas de 2 anos, que chegou a 45,8% em 2008, fechou em 23,4% em 2012, conforme o último relatório do SEBRAE (de outubro de 2016). Mesmo com essa melhora na taxa, duas ou mais em cada 10 empresas ainda não conseguem sobreviver aos primeiros 2 anos.
Para comparar, nos Estados Unidos, 20% de pequenas empresas não sobrevivem ao primeiro ano e cerca de 50% fecham no seu quinto ano de existência (dados do Departamento de Trabalho, divulgados em 2017).
E é completamente normal que somente segundo ou terceiro negócio dê certo. Especialmente, quando se trata de empresas de pequeno porte. A vida empresarial é um jogo de erros e acertos. A diferença é que os EUA não penalizam o empresário falido. O empresário que falha por razões que não sejam a fraude não fica proibido de criar outra empresa. Assim, aquele empresário não carrega o sunk-cost por anos. Cria novos negócios e vai em frente, gerando mais empregos e renda e fortalecendo o empreendedorismo naquele país.
Status quo
A tomada de decisão influenciada pelo viés de sunk cost tem ainda outra fragilidade. Os tomadores de decisões, muitas vezes, querem manter o status quo: apoiar as alternativas que perpetuam a situação existente e as decisões que esses mesmos gestores tomaram no passado.
Daniel Kahnemann, no livro Thinking, Fast and Slow, cita o seguinte exemplo:
“Imagine que uma empresa já investiu US$ 50 milhões em um projeto. O projeto está atrasado e as previsões de resultado estão agora bem abaixo do que eram no início do estágio de planejamento. Um investimento adicional de US$ 60 milhões seria necessário para dar uma chance ao projeto. Uma proposta alternativa seria investir esses mesmos US$ 60 milhões em um novo projeto, que demonstra sinais de que dará um resultado melhor do que o projeto atual. O que a empresa fará?
Frequentemente, uma empresa afligida pelo sunk cost mergulha na tempestade, jogando dinheiro bom atrás de dinheiro ruim ao invés de aceitar a humilhação de reconhecer a responsabilidade por um caro insucesso.”
Como sair dessa armadilha? Promovendo a rotatividade de lideranças e a diversidade dentre os tomadores de decisão. A Dra. Lerner explica que “sistemas antigos resistem à mudança”. É preciso construir uma cultura de tomada de decisão ágil e baseada em fatos objetivos. Exigir cálculos de custos e estimativas de retorno. A decisão deve ser orientada por dados e não pela intuição ou tradição, especialmente num cenário de recursos escassos.
Para evitar a manutenção de status quo, é preciso experimentar argumentos diferentes, desconsiderando o investimento irrecuperável. A quebra de paradigmas é essencial para a adoção de políticas que promovem eficiência no setor privado e no governo.
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