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Senhor presidente: questionar o Acordo de Paris é atirar no próprio pé

Jair Bolsonaro quando ainda era pré-candidato à Presidência, em Curitiba, março de 2018 / AFP PHOTO / Heuler Andrey (Foto: )

Jair Bolsonaro foi eleito o novo presidente do Brasil. Apesar de concordar com algumas ideias de liberalismo econômico anunciadas por ele, como a ampliação da participação da iniciativa privada na infraestrutura do País e a abertura comercial do Brasil com a redução de tarifas de importação, discordo de algumas medidas radicais propostas na área de relações externas.

Discordo do antagonismo em relação à China, maior parceiro comercial e de investimentos do País. Discordo também da proposta de renegociação do Acordo de Paris sobre o Clima.

Jair Bolsonaro, que em setembro anunciou uma possível retirada do Brasil do Acordo de Paris, caso fosse eleito presidente, aparentemente – e felizmente – desistiu dessa medida radical. Entretanto, mantém questionamentos sobre os termos do acordo. Senhor futuro presidente, tentar renegociar o Acordo de Paris ou pior, sugerir a saída do Brasil, só pode significar duas coisas: tiro no pé e desastre.

A retirada do Brasil do Acordo de Paris sobre o Clima seria incoerente com tudo que o Brasil prega historicamente, além de ser prejudicial à imagem internacional do País.

Hoje, apenas os Estados Unidos estão fora do Acordo de Clima, assinado em dezembro de 2015 por 195 países. O documento, que entrou em vigor em novembro de 2016, já foi ratificado por 181 países, e constitui um verdadeiro pacto mundial para tentar conter o aquecimento global no momento quando vivemos a intensificação dos desastres naturais e o agravamento da poluição.

A saída dos Estados Unidos desse compromisso global comoveu a comunidade internacional. Não por acaso, o Prêmio Nobel de Ciências Econômicas deste ano foi entregue aos economistas estadunidenses William Nordhaus, “pela integração das mudanças climáticas na análise macroeconômica a longo prazo”, e Paul Romer, “pela integração de inovações tecnológicas na análise macroeconômica a longo prazo”. Os economistas foram premiados por estudar como as mudanças climáticas e o desenvolvimento tecnológico afetam o crescimento econômico.

 

Estudo econômico sobre as mudanças de clima

Nordhaus criou as bases para a atual ciência econômica sobre as mudanças climáticas, construindo o primeiro modelo de cálculo dos efeitos econômicos das emissões de gás carbono, chamado de “Modelo Dinâmico Integrado de Clima e de Economia” (Dynamic Integrated model of Climate and the Economy – DICE).

De acordo com a revista The Economist, Nordhaus, com base em suas pesquisas, foi o primeiro a sugerir que o aquecimento global deveria ser limitado ao máximo de 2% das temperaturas globais pré-industriais.

O modelo DICE, desde então, é usado nos relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), principal organismo internacional de avaliação das mudanças climáticas, e pelos governos de vários países. Os cálculos servem como base para a elaboração de políticas públicas em todas as esferas da economia.

Com o Acordo de Paris, as nações se comprometeram a tentar manter o aumento da temperatura média global em 1,5°C acima dos níveis pré-industriais e, em hipótese alguma, deixar o aumento da temperatura superar os 2°C.

O último relatório do IPCC, publicado no início de outubro, registra que com o atual nível de emissão de gases de efeito estufa o mundo vai alcançar o aquecimento de 1,5°C acima dos níveis pré-industriais entre 2030 e 2052.

De acordo com os dados da Organização Meteorológica Mundial (WMO), as temperaturas globais em 2017 já alcançaram cerca de 1,1°C acima dos níveis pré-industriais. As últimas duas décadas registraram os 18 anos mais quentes desde o início da avaliação de temperaturas em 1850.

Conforme o relatório, o compromisso mundial de restringir o aquecimento a 1,5°C impediria o aumento da temperatura e da acidez dos oceanos, bem como preveniria a queda do nível de oxigênio em águas marítimas, reduzindo os riscos para a biodiversidade, a pesca e os ecossistemas marítimos.  Mas mesmo esse nível de aquecimento já traz a expectativa de uma redução entre 70-90% dos recifes de corais do Planeta. O aquecimento de 2°C levaria à extinção total dos corais.

Especialistas estimam que a contenção do aquecimento global reduziria em até 50% a população exposta à escassez de água em função das mudanças climáticas. Com a contenção da emissão de gases de efeito estufa, cerca de 10 milhões de habitantes do Planeta poderiam ser salvos dos efeitos nocivos das inundações e da destruição da infraestrutura causadas pelo aumento do nível de oceano.

É notório o efeito nocivo do aumento das temperaturas para a produção agropecuária mundial. Já presenciamos condições climáticas extremas na Europa do Norte, na Índia, no Sudeste Asiático, nos Estados Unidos, bem como as inundações devastadoras no Japão. A seca está prejudicando a produção de alimentos em várias partes do Brasil e em outros países da América Latina.

Por ser um dos maiores produtores agropecuários mundiais, é de interesse do Brasil que o aquecimento global seja contido. Seremos um dos maiores prejudicados caso o Acordo de Paris seja descumprido.

 

A retirada do Brasil do Acordo de Paris será mal vista pela comunidade internacional

A saída do Brasil contaminaria a eficácia da implementação do acordo, além de comprometer a confiança que os países depositam nas nossas práticas ambientais, tanto na indústria quanto na agricultura.

A retirada dos EUA do acordo foi muito mal vista pela comunidade internacional, e caso o Brasil saísse, o País seria bastante questionado por seus parceiros comerciais, podendo até sofrer com a imposição de sanções.

Para a agricultura, a retirada seria mais prejudicial ainda. A produção agropecuária do Brasil é alocada fora de áreas protegidas. Temos uma das legislações ambientais mais rígidas do mundo, que faz com que a maior parte do território do País (mais de 66%) seja preservado.

Toda a produção de grãos, de fibras, sucroalcooleira e florestal é localizada em somente 9% do País, conforme dados da Embrapa. E há cerca de 115 milhões de hectares de terras cultiváveis para expandir a produção agrícola de forma legal e sustentável, sem agredir o meio ambiente.

O Brasil, que já é o segundo maior exportador de alimentos do mundo, pode tirar grandes vantagens a partir da sua liderança na sustentabilidade de produção agropecuária. No meu artigo “Na produção de carnes, Made in Brazil é sinônimo de ambientalmente correto”, por exemplo, sugiro abrir um debate internacional sobre a sustentabilidade na cadeia de produção de proteínas animais.

A produção no Brasil e posterior exportação da proteína animal poderia reduzir em até 20 vezes o volume de carga transportado, quando comparado com a exportação de grãos para a produção da proteína no país importador, diminuindo assim a poluição marítima.

Ora, se estamos em uma posição de nos vender como um país ambientalmente correto, o que nos coloca em vantagem em mercados como a Europa, o Japão e outros, não faz sentido abrirmos mão dessa vantagem de imagem e nos associar aos vilões ambientais do mundo.

Mas vamos além disso: Precisamos continuar sendo protagonistas de união em torno de assuntos de importância mundial, norteando os valores sociais, a estabilidade e a paz, e fortalecendo as instituições internacionais.

Lembro que o Brasil já é uma economia fechada, e precisa buscar se integrar ainda mais ao comércio internacional e não ao contrário (seguindo exemplos dos Estados Unidos).

O acordo de Paris nos interessa – e muito. Precisamos do aquecimento global sob controle para podermos continuar sendo um grande produtor agrícola. E podemos usar nosso cuidado com o meio ambiente a nosso favor para vendermos nossos produtos lá fora. Então, Senhor presidente, não vamos dar tiro no próprio pé. Vamos pensar estrategicamente.

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