Estamos todos consternados com a tragédia de Brumadinho. Já é o segundo evento parecido na mesma região desde 2015, com gravíssimas consequências humanitárias, ambientais e sociais. É o terceiro desastre ambiental em Minas Gerais no mesmo período, se considerarmos os rompimentos do mineroduto Minas-Rio, operado pela Anglo American. Tantos acidentes causam espanto internacional, e todos se perguntam se isso poderia ter sido evitado.
Ao mesmo tempo, reacendem as discussões sobre o balanço entre o desenvolvimento econômico e a preservação ambiental. E surgem dúvidas sobre se faltou, ou não, regulação no setor.
Qualquer atividade com potencial de risco exige um tripé formado por regulação, fiscalização e punição. É imprescindível investigar o que faltou quando acontece um acidente, para evitar administrar o remédio errado.
Em 2017, o governo Temer reformou o Código de Mineração do Brasil, fortalecendo as regras ambientais com a previsão expressa da responsabilidade do minerador de recuperar áreas degradadas e da obrigatoriedade de execução de plano de fechamento de minas após a exploração, que passou a integrar a atividade de mineração.
As regras existem. Torná-las ainda mais ou até excessivamente rígidas, provavelmente, não resolve o problema. Embora a escala dos dois eventos seja incomparável, peço licença para ilustrar meu ponto com um exemplo de trânsito. Após um grave acidente na famosa ponte JK, em Brasília, as autoridades de trânsito reduziram a velocidade permitida no local de 80 km/hora para 60 km/hora. Entretanto, o acidente aconteceu a 140 km/hora, e foi causado por um motorista alcoolizado. A resposta dada pelo Estado – regulação mais rígida – não resolveu o problema que levou ao acidente. Pelo contrário, puniu motoristas que andam dentro do limite, complicando o trânsito. E os acidentes na ponte, causados por excesso de velocidade, continuam frequentes.
Trago este exemplo para demonstrar que, após um acidente, por mais que a sociedade clame por mais rigor nas regras, precisamos de serenidade para avaliar qual o real problema. Se os acidentes são causados por pessoas que descumprem as regras, impor regras mais rígidas vai acarretar custos para os que as cumprem, mas não vai fazer com que os infratores deixem de violá-las.
O efeito pode até ser inverso ao pretendido com o endurecimento das regras: quanto mais caro for para cumpri-las, mais incentivo existe para seu descumprimento. Nos negócios o problema é mais sério ainda, pois cria condições de concorrência desleal, tendo em vista que os infratores conseguem produzir com menor custo. Além disso, regras mais rígidas coíbem a inovação, porque reduzem o espaço para o desenvolvimento de novos negócios e técnicas de produção, inibindo o crescimento econômico e a geração de empregos.
Voltando ao caso de Brumadinho, o que levou ao desastre? Foi falta de regulação? Penso que não. O que faltou – e falta comumente no Brasil – é fiscalização e, principalmente, punição. As regras, por si só, não são capazes de incentivar as pessoas a agir com responsabilidade. O que leva as pessoas a agir com responsabilidade, principalmente nos negócios, é a famosa equação do custo/benefício. Se não houver fiscalização e punição pelos danos causados aos outros, não podemos esperar que as pessoas ajam de forma consciente.
Parece ter sido esse – falta de fiscalização e punição – o problema do caso envolvendo a Vale. Os jornais relatam que as autoridades ambientais sabiam do risco de rompimento da barragem, mas mesmo assim aprovaram a licença de mineração no último mês de dezembro. Concordo com aqueles que falam que não foi apenas um acidente, foi um crime ambiental. E a punição civil e penal deve ser grave o suficiente para incentivar as empresas a agirem com responsabilidade, evitando as próximas tragédias.
Aqui nos Estados Unidos, o sistema jurídico prevê, além dos direitos e das obrigações, o conceito de privilégio. Dirigir aqui não é um direito e sim um privilégio. Se não cumprir as regras, o Estado retira o privilégio.
Penso que seria interessante olhar sob o mesmo prisma as atividades de risco no Brasil. Não apenas na mineração, mas em todas as áreas que impõem externalidades ao restante da sociedade. O desmatamento ilegal deve ser punido. Os próprios agricultores e pecuaristas que respeitam as rígidas exigências ambientais têm interesse em que o Estado puna os infratores. São os infratores que prejudicam a nossa imagem no exterior, reduzindo as possibilidades de vendas e de investimentos.
Da mesma forma, a corrupção na fiscalização do abate animal prejudicou de forma grave as atividades da indústria de carnes no Brasil. Aquelas empresas que cumprem as regras sofrem as consequências de mercados fechados por conta das falhas dos infratores.
E por que os infratores continuam cometendo essas irregularidades? Porque, infelizmente, no Brasil compensa. A fiscalização é ruim e as punições, quando aplicadas, são muito leves. Então, numa conta de custo/benefício, compensa correr o risco.
O que falta no Brasil é fiscalizar e punir. Tirar o “privilégio” daqueles que não cumprem as regras.
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