Esta semana, tivemos uma excelente notícia para os investidores que estão observando o desempenho econômico do Brasil: a Reforma da Previdência passou pela Câmara dos Deputados com bom resultado em termos de economia esperada. Agora, segue para o Senado, onde tem boas chances de ser aprovada até o próximo mês de outubro.
O governo já discute com o Congresso a reforma tributária, uma ampla agenda de privatizações e outras propostas que poderão trazer mais competitividade para a economia do nosso país. Mas só as reformas e o foco na disciplina fiscal não são suficientes para retomar o crescimento.
Outro componente importante dessa agenda é a abertura econômica: uma maior inserção do Brasil no comércio internacional. Para impulsionar o crescimento do PIB, precisamos aumentar a nossa produção agrícola, industrial e de serviços, focando não apenas no mercado interno, mas também no mercado mundial, que conta com 7,6 bilhões consumidores e oferece amplas oportunidades para o fomento das nossas exportações.
Essa agenda, porém, esbarra num protecionismo cultural e histórico do Brasil. Em 2018, a nossa tarifa de importação média aplicada para os países com os quais não temos acordos foi uma das maiores do mundo, de 13,4%, conforme o estudo "World Tariff Profiles 2019" (publicação da OMC, ITC e UNCTAD).
Essa proteção prejudica tanto as importações quanto as exportações (já que o comércio é uma via de mão dupla), impede maiores investimentos e desestimula a produtividade e a inovação tecnológica. Dá sobrevida a empresas pouco eficientes, protegendo-as da concorrência mundial. E os nossos consumidores pagam mais pelos produtos e serviços do que as pessoas em economias mais abertas.
Governo Bolsonaro foca na abertura comercial
O governo Bolsonaro está tomando medidas rápidas para mudar esse cenário, tendo iniciado a redução unilateral de tarifas de importação para alguns bens de capital, de TI, produtos intermediários e de consumo.
Revertendo a trajetória histórica de protecionismo, os países do Mercosul assinaram em junho um amplo acordo de livre comércio com a União Europeia, o maior acordo entre blocos de países do mundo.
O acordo precisa ser ratificado pelo nosso Congresso, pelos parlamentos da Argentina, do Uruguai e do Paraguai, pelo Conselho Europeu e pelo Parlamento Europeu e, provavelmente, também pelos parlamentos de todos os países europeus (por ser um acordo de escopo muito amplo). Essas ratificações levam, no mínimo, de 2 a 3 anos e o governo brasileiro precisa usar o seu arsenal político para que isso ocorra o mais rápido possível, tanto aqui no Congresso brasileiro quanto lá fora.
Em relação à União Europeia, há possibilidade de o Conselho e o Parlamento aprovarem uma vigência provisória do acordo de livre comércio com o Mercosul (antes de ele ser ratificado pelos parlamentos de todos os países-membros), o que ocorreu, por exemplo, no caso de um acordo parecido com o Canadá. A rápida entrada em vigor desse acordo é fundamental para o avanço das nossas exportações, mas precisamos seguir com a abertura de outros mercados.
Como os acordos levam anos para serem negociados e depois anos para serem ratificados, devemos agir rápido em outras negociações comerciais em curso. O Mercosul hoje está em tratativas com o Canadá, com a Associação Europeia de Livre Comércio (EFTA, formada por Islândia, Liechtenstein Noruega e Suíça), com Cingapura e com a Coreia do Sul. As duas primeiras estão mais avançadas.
Mas a mais importante negociação será iniciada agora. No último dia 31 de julho, o Presidente dos Estados Unidos Donald Trump anunciou a intenção de negociar um acordo de livre comércio com o Brasil, dando seguimento às tratativas preliminares feitas durante a visita do Presidente Bolsonaro a Washington em março.
O acordo com os Estados Unidos merece destaque na agenda de negociações
O potencial acordo de livre comércio com os Estados Unidos traz oportunidades fantásticas para o Brasil. Os EUA são o maior importador mundial de bens e de serviços. Em 2018, aquele país importou US$ 2,6 trilhões em bens (13,5% das importações totais mundiais) e US$ 536,2 bilhões em serviços comerciais (9,8% do total), conforme dados da OMC.
De acordo com as estatísticas do U.S. Bureau of Economic Analysis, naquele mesmo período, os Estados Unidos importaram do Brasil US$35,9 bilhões em bens e serviços (2,7% a mais em relação ao ano de 2017) e exportaram para o Brasil, US$ 67,6 bilhões (5,5% de aumento em relação ao ano anterior). Assim, o comércio bilateral de bens e serviços resultou em grande superávit para os Estados Unidos, de US$ 31,7 bilhões (aparentemente, esse foi o principal motivo da boa disposição do governo Trump em negociar livre comércio com o Brasil).
As exportações para o Brasil representaram 2,7% do total de bens e serviços americanos vendidos no exterior, enquanto as importações do Brasil representaram apenas 1,1% do total comprado pelos Estados Unidos no exterior. Um acordo de livre comércio poderia não só potencializar esses números, mas tornar os produtos brasileiros mais atraentes nos EUA (mais competitivos do que os de outros países), com grande potencial de expansão das nossas exportações para aquele pais.
As exportações dos Estados Unidos para o Brasil no ano passado foram compostas principalmente por insumos e materiais industriais (US$ 19,5 bilhões); bens de capital, exceto para o setor automotivo (US$ 15 bilhões); serviços turísticos (US$ 8,4 bilhões); serviços de transporte (US$ 4,9 bilhões) e serviços de telecomunicações, de informática e de informações (US$ 4,7 bilhões).
No contrafluxo, no topo da pauta exportadora brasileira para os Estados Unidos também foram os insumos e materiais industriais (US$ 16,4 bilhões) e os bens de capital, exceto para o setor automotivo (US$ 5,3 bilhões). Outros produtos com destaque foram os alimentos e bebidas (US$ 2,9 bilhões). Ao mesmo tempo, os serviços não aparecem dentre as principais rubricas das exportações brasileiras para os Estados Unidos.
O 'divórcio econômico' entre os Estados Unidos e a China oferece oportunidades para o Brasil
Enquanto a guerra comercial entre os Estados Unidos e a China se agrava, caminhando para um provável decoupling ou separação em suas trajetórias econômicas, o comércio está migrando para outros países. No primeiro semestre deste ano, México e Canadá ultrapassaram a China como os principais fornecedores para o mercado americano. As importações do Vietnã cresceram quase 35% no período (conforme dados do Census Bureau, divulgados pela agência Bloomberg).
Assim, estamos numa conjuntura política e econômica favorável para negociarmos um maior acesso de nossos produtos ao mercado americano. O anúncio do Presidente Trump dando o aval para um acordo de livre comércio com o Brasil coincidiu com a visita do Secretário de Comércio dos EUA Wilbur Ross a Brasília. Mas o início formal de negociações precisa ser dado pelo Representante Comercial dos EUA Robert Lighthizer. De acordo com as regras em vigor, as negociações vão envolver os outros membros fundadores do Mercosul: a Argentina, o Uruguai e o Paraguai.
Já nas tratativas feitas em março, durante a visita do Presidente Bolsonaro a Washington, ficou claro que os Estados Unidos buscam negociar com o Brasil a eliminação de práticas que aquele país considera barreiras para comércio e investimentos, elencadas no último relatório do Escritório do Representante Comercial dos EUA ("2019 USTR National Trade Estimate Report on Foreign Trade Barriers").
Algumas dessas questões já foram acordadas durante a visita de Bolsonaro em março. O Brasil concordou em criar uma cota de importação de 750 mil toneladas de trigo com tarifa zero (essa cota era um compromisso assumido pelo Brasil na OMC há alguns anos, mas que não chegou a ser implementado) e a aceitação de critérios técnico-científicos na análise do pleito dos Estados Unidos de exportar carne suína para o Brasil (em relação aos testes para a doença triquinelose, exigidos pelas autoridades sanitárias brasileiras).
No âmbito das questões sanitárias, o Brasil também tem uma serie de questões para serem negociadas com os Estados Unidos, incluindo a ampliação das exportações de carne suína e a retomada das exportações de carne bovina in natura.
Já na questão de tarifas, começou a ser discutida a renovação, pelo Brasil, da cota de importação de 600 milhões de litros de etanol com tarifa zero, que expira no final deste mês de agosto (as importações acima dessa quantidade são taxadas com a alíquota de 20%). Os Estados Unidos querem tornar livre todo o comércio bilateral de etanol. O Brasil já sinalizou que concorda com a liberação, desde que seja incluído o açúcar (um dos produtos que recebe mais proteção nos EUA).
A partir dos temas listados no relatório do USTR e do histórico do diálogo bilateral, dá para traçar o possível escopo do acordo entre os Estados Unidos e o Mercosul: além do acesso a mercados (redução e eliminação de tarifas, de restrições quantitativas e de barreiras técnicas ao comércio), as negociações devem incluir medidas sanitárias e fitossanitárias, facilitação do comércio, serviços, comércio digital, propriedade intelectual, compras governamentais e investimentos, dentre outros temas.
O acordo com os Estados Unidos merece destaque na nossa política de comércio exterior. Os Estados Unidos e a União Europeia juntos representam a metade do PIB e um terço do comércio mundiais e um mercado de 830 milhões de consumidores de renda elevada. Enquanto os próprios União Europeia e os Estados Unidos se estranham na arena mundial, o Brasil está conseguindo um bom diálogo bilateral com eles.
O momento é oportuno como nunca para a alavancagem da agenda comercial. Uma maior inserção internacional é essencial para o crescimento econômico do Brasil. Precisamos agir rápido.
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