O que a arte significa? Se agruparmos as respostas mais frequentes, o resultado será algo mais ou menos assim: a arte é entretenimento, educação, ciência, sensibilidade, espiritualidade, amor, uma pedra no meio do caminho, etc.
Após um século e meio das mais pitorescas opiniões sobre o assunto, em que cada geração desconstruiu intencionalmente o pensamento da geração precedente, não restou pensamento a destruir, nem a acreditar.
Nenhuma resposta parecia satisfatória. Para resolver o impasse, escolheram como senso comum que cada um tem o direito de acreditar na resposta que quiser.
Afirmações ecumênicas são esperançosas, e com esta parece que esperavam certo conforto. Tudo que é universal parece justo.
Mas tudo que existe o faz no singular. Claro que não houve conforto algum: aceitar uma definição tão abrangente para qualquer conceito é inutilizá-lo. Posso chamar minha cadeira de peixe. Tenho este direito.
Mas é provável que alguém me sirva cadeira para jantar. Para que seja possível que cada um acredite no que quiser, precisamos necessariamente sacrificar a linguagem. Com ela, perdemos também o significado. E o senso comum.
A Peça Ruim expõe este problema histórico de maneira direta. Através dos personagens: artistas vivendo no desconforto de um mundo com uma estética tão abrangente que qualquer obra pode ser boa ou ruim.
Pintores, diretores, atores, músicos, todos compartilham da anarquia do excesso de referências. A peça ironiza a situação o máximo que pode, evidenciando a clara arbitrariedade na escolha de quem é genial e quem não é, por assim dizer, que ocorreu a partir do século XX.
Numa enxurrada de citações de artistas modernos, o compositor Schoenberg aparece como um dos culpados pela presente situação:
Ele é exemplo de uma visão científica da música. Em poucas palavras, Schoenberg acreditava que sua música seria a música do futuro.
Ao teorizar sobre o sistema musical vigente, descobriu que infinitos sistemas são possíveis: “A sucessão dos harmônicos superiores, que levou o ouvido a descobri-la, contém ainda muitos problemas […] Se por agora podemos esquivar-nos de tais problemas, devemo-lo quase exclusivamente a um “acordo” entre os intervalos naturais e nossa capacidade de utilizá-los. Este acordo, chamado sistema temperado, representa somente uma trégua por tempo indeterminado”.
Falar em arte em termos de “superação” indica o valor estético usado: a boa arte é a arte inovadora. Se infinitos sistemas são possíveis, nada mais natural que o artista moderno crie o seu.
Não me parece possível apreciar a obra de Schoenberg sem instruções. A maioria dos ouvidos normais percebe sua obra como barulho desagradável.
A concepção que define as artes como uma forma de linguagem é apropriada: palavras só fazem sentido quando sabemos o que elas representam. Sem o significado, são apenas sílabas aleatórias.
Schoenberg foi apenas um de vários artistas responsáveis pelo estereótipo atual do artista como um maluco incompreendido, porque procurou a todo custo superar o senso comum.
A Peça Ruim reforça este contexto: se o senso comum acredita que o artista é um maluco incompreendido, nenhum resultado mais natural que malucos incompreendidos sejam considerados artistas.
Situações absurdas como esta só são possíveis quando são precedidas pela destruição de um significado, isto é, quando um conceito se torna tão abrangente que pode significar qualquer coisa.
Se Schoenberg dizia que ilimitados sistemas são possíveis, seu aluno, John Cage, levou a noção ainda mais longe e reintroduziu elementos aleatórios na música.
Citá-los na peça em sequência demonstrou coesão, ambos foram responsáveis pela aproximação entre música e barulho, entre malucos e artistas.
São citações de peso para uma peça que não é sobre música. Construções sonoras excessivamente dissonantes exigem atenção especial, certamente possíveis em uma comédia se usadas com cautela.
Infelizmente, não foi o que aconteceu. As referências perderam-se, deram lugar a outras e a ligação entre elas, se existiu, não ficou clara. Menos de cinco minutos de dissonâncias terminaram num rápido romantismo, para então não serem citados mais.
A música voltou a fazer parte da peça numa brincadeira de interpretação, usando de canções populares para representar como uma pessoa soa. Teve sucesso apenas em reforçar a arbitrariedade do personagem principal, algo já bastante claro.
A cena não era necessária ao contexto e não deveria existir sem muita consideração ao trabalho instrumental.
A Peça Ruim, lamentavelmente, termina exatamente como aquilo que pretende criticar. Seu excesso de referências sacrificou a linguagem e a coesão.
Se o pintor contemporâneo apenas atira cores a esmo numa tela, a Peça Ruim junta tantos elementos que parece arbitrária como seu personagem principal.
Termina comendo madeira. No final da peça, restou apenas a inevitável sensação de desespero: Quem são estas pessoas? O que está acontecendo? Por que eu deveria me importar? Posso ir embora agora? Por favor?