O tempo histórico é algo misterioso. Pega tudo o que está em volta, dá nós em ponta de facas e nos corrige a ingratidão.
Destrói os mares, a amazônia e o ar. Torna os seres ignorantes, mesquinhos e objetais e, sobretudo, constrói temporalidades tão variadas quanto as maneiras de andar para a frente.
Sim, porque andar para trás não é com ele, não com o tempo histórico. E é este tempo histórico que pode ser dúbio, pode encurralar verdades e criar as “mentiras que se esqueceram de acontecer” de Quintana.
Esta abstração trata de coisas de ordem variada, tão variada quanto as maneiras de andar para trás. Quero falar do tempo da peça “As Mulheres de Almodóvar”.
Não que este seja um destaque na peça que tem outros destaques mais destacados que o tempo. Mas porque quero falar do que não destaca para aí dar destaque ao indestacado. Só porque quero. Só porque ninguém comenta no meu blog então não sei se lêem. Então falo do que quiser.
Gosto de fazer isto, dobrar o objeto de acordo com minha vontade. Obrigar o olhar a observar a temporalidade de uma peça com outros destaques só porque…mais velho que andar pra frente.
As mulheres de Almodóvar contam histórias. São narrativas que o Anatol Rosenfeld poderia chamar de cunho épico. São narrativas em que não há diálogo, exceto pelo quid pro quo brega do final.
Cada uma das três mulheres (ou não) de Almodóvar (ou não) conta sua história e o que acontece enquanto isso é ilustração. E são ilustrações engraçadas, hein. Um humor bem feminino mas que não se fecha ao masculino.
São transcendentais, universalizáveis. Mas o que me importa aqui é o tempo. O tempo histórico da coisa que tem por destaque outras coisas. O tempo destas narrativas que Anatol poderia dizer, dado o traço épico, ser o passado.
O tempo destas mulheres que, por sua atuação melodramática, é o passado. O tempo daquele ator que se passa por uma mulher transsexual (que é o contemporâneo) vestida de alienígena (dos anos 70).
A roupa alienígena, porque ela era terráquea: tão diferente que só poderia ser de outro mundo. Como Hegel, cujas capas de livros deveriam ter pele verde para fazer jus ao que parecem ser: ficção científica, história de outro mundo. Mais velho que andar pra frente.
Mas se houver diferença entre forma e conteúdo, o conteúdo desta peça não era de ordem épica, mas dramática. Se não houver diferença entre forma e conteúdo, aí é uma peça de ordem antropofágica. Come tudo, chupa até os ossinhos.
Se houver, então, diferença didática possível entre forma e conteúdo, de ordem épica seria a forma, se fosse no passado. De ordem dramática seria o conteúdo, se fosse no passado.
Então nada impede que, no presente, aquela peça seja ambos. Nada nos impede de ter uma pequena noção disto quando as atrizes se aquecem (em cena, tudo começa a ficar bom após uns quinze minutos) e sentimos que, simplesmente, fazemos parte de um acontecimento grande.
Mesmo que falte uma demão de tinta. Fazemos parte, enfim, de algo de proporções épicas.
Se Anatol pudesse me assoprar uma resposta agora, talvez dissesse algo como: “A” épica (assim, com artiguinho na frente) é a função substantiva do gênero. Função substantiva do gênero. Função substantiva do gênero…hmm podia ser nome de manual de metodologia, mas não é.
É função substantiva do gênero que não está relacionada somente a ser masculino ou feminino. Então a função substantiva, tem a ver com substância, com essência que geralmente se relaciona ao conteúdo.
Mas Hegel diz: “o conjunto das aparências é a manifestação adequada da essência”. Então aparência é essência, e Oscar Wilde e Susan Sontag já sabiam disto antes do Anatol e de mim.
A aparente sensação de que fazemos parte de algo grande é, também, essência. Mesmo que falte uma lixada no timming das cenas. E a dialética desta peça se revela não só em sua forma, em seu conteúdo, em nossa sensação, na aparência ou na essência, mas no fato de que já ganharam prêmios de substantiva epicidade.
E quem vai dizer que quem aparenta ter sucesso não obteve sucesso ao menos em aparentar? E quem vai dizer que a aparência do sucesso dessa peça não é manifestação adequada da sua essência? Eu é que não. Isto não é um cachimbo. E sempre gostei de cachimbos.
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