“As Três Irmãs”, com texto da brasileira Leonarda Glück e direção do brasileiro Gabriel Machado, propõe questionar o papel da mulher na sociedade contemporânea com recursos que se apresentam destacados num espetáculo que troca todas as personagens do original, mesmo as masculinas, por mulheres. As seis atrizes (uma delas, um homem), sem grandes requintes de atuação, já que esta é ofuscada pela prominência textual, mas com vigorosa presença, reproduzem um ambiente feminino levemente estereotipado pelo universo gay (ambiência crescente no texto e na encenação) e pelo figurino bastante colorido e relacionado ao que há de melhor na mulher dos anos 50 e do séc. XX. Essa versão brasileira do clássico localizado num período realista do teatro russo, recria em mais de 60 minutos um texto que no papel parece estratégia criativa, mas na encenação se esgota logo nos primeiros vinte minutos, perdendo-se na própria narrativa muito alongada. A adoção do diálogo dramático clássico não se desenha perfeitamente, poluindo a narrativa e impedindo que as ocasionais piadas se instaurem. Sequer a graça da transformação do “papai” em um crossdresser é suficiente para que esqueçamos da constante dor nas costas por estarmos mal-acomodados (em pé, debruçados sobre a sacada lotada da Casa Selvática onde o espetáculo aconteceu). O resultado, que se originara numa potente estratégia de revisita de um clássico, acaba por ser um trompe l´oeil de si mesmo: perde-se no texto muito profuso e no diálogo dramático mal-contornado, maculando a própria estratégia tão criativa.
Espetáculo As Três Irmãs baseado na obra homônima de Tcheckov, com texto de Leonarda Glück e direção de Gabriel Machado saiu de cartaz da Casa Selvática no ano de 2012. A revisitação pretendeu problematizar a posição e o papel da mulher partindo, num exercício de epicidade contextual, do original russo de 1900 à contemporaneidade, em 2012. Para tanto, desmaterializa todas as personagens masculinas do original, reincorporando-as em seis personagens femininas – o que, por si só, destaca com excelência a questão da ausência de gênero essencial na narrativa pura. Outra ferramenta essencial para justificar o sub-título “um melodrama rocambolesco em quatro capítulos” é a de transformar a figura paterna do texto original em um crossdresser. Essas apenas duas das muitas ferramentas utilizadas são demonstrativas de domínio da problemática da narrativa teatral, de suas questões históricas e, ainda, da utilização dos clássicos na atualização e ajuste de problemáticas estéticas e políticas contemporâneas. São sinal de profunda consciência do
problemático lugar do teatro contemporâneo e das consequências estéticas que desse problema advém. Um espetáculo de peso teórico cumulado com o uso de ferramenta historicamente considerada vulgar (o melodrama) e que resulta num estilo interpretativo muito característico dos artistas residentes na Casa Selvática. Um tour de force bastante respeitável.
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