Casa Selvática, sobrado de pedras. Burlescas está desligado. Mas as pessoas são quentes se você delas se aproxima. Subamos de cinco em cinco.
Cheguemos ao banheiro e vejamos uma boneca na banheira coberta por pirulitos de coração vermelho; ela tem os cabelos presos e uma tule rosa pendurada no pescoço.
Seria doce não fosse por um batom preto formando biquinho duma boneca bizarra. Espera. Não é uma boneca, é uma menina.
Não tem onde sentar, vou sentar na patente, droga, pegaram a patente. Vou para aquele cantinho ali…droga. Fico em pé. A Dani! Cadê ela? Ah! Ainda tem o box. Olha ali ela.
Ai, tô cansando de ficar em pé. Vou para aquele cantinho ali. Tule azul num babador tipo palhaço e suas unhas não estão feitas. As da outra tampouco. Descalças e os cabelos presos.
Os seis anões enfileirados à sua frente. Ah! E quatro seios à mostra – eu bem sabia que elas andaram pela marcha das vadias. Um dois, três, quatro, cinco, seis. Ué. Cadê o sétimo? Ah! Ela é o sétimo! Mas ela é menina! Ah! É sobre feminismo.
Então a hipótese é: e se o sétimo anão fosse uma menina? Um mundo encantado em que o sétimo anão é uma menina e acaba não caindo no encanto da Branca de Neve.
A boneca bizarra é, sem dúvidas, a bruxa. Toda arrependida, olha. Vadia. Fez a Branca de Neve sofrer tanto. Ei! Contei errado! São sete bonecos dos anões, ela não é o sétimo anão. Ah! Queria que fosse…mas também é legal assim.
Ela sendo a Branca de Neve. E, mimada que só, fechou a porta do box. Não queria ser olhada, mas deixou uma fresta.
Quase esqueci de olhar o vídeo. Tão pouca coisa acontecia que, na busca pelo que observar, errei a mão e parecia que muita coisa acontecia.
Até o reflexo da luz no azulejo onde passava o vídeo parecia ter alguma relação com aquilo tudo. Outra dançava nua, víamos não muito mais que seus contornos. Sei lá. Tanto e tão pouco.
Claro, num assassinato à beleza deste texto, devo acrescentar que geralmente me desagrada que o espetáculo deixe mais de cinquenta por cento de si para o público realizar sozinho.
Mas desta vez, aquelas luzes em torno da banheira, os sapatos espalhados pelo chão, o cheiro de taxidermia, o barulho do retroprojetor como trilha sonora, fizeram me confortar.
Era-me tranquilo conviver com aquelas duas bizarras figuras. Elas existiam porque tinham de existir e eu também. Alguém levantou, encheu seu copo de água na torneira do banheiro e saiu, como se estivesse em casa. Eu também me senti em casa.
A Branca de Neve diz que se um dos anões morresse ela não superaria, ela se conhece e sabe que é sensível demais e que isso ela não superaria. Mas ela é bem mimada, nós rimos, ela é bem mimada.
Ignora que isto já aconteceu, que o anão já morreu e ela já não superaria. Não há texto mas busca de sensações. Das atrizes. O público, voyeur ou simplesmente caseiro, fica lá, abandonado olhando aquela tão ativa inação.
E quando se esboça qualquer vestígio de fala, aproxima-se da falante, tentando lamber qualquer resto de sentido que possa vir. Mas não vem. Elas não dão mais do que esboços e vestígios.
Não dão mais que pequenas falas munidas de um breve contexto do título. Não falam mais do que aquilo.
Tudo parece ser um “não” bem redondo: não me submeto aos teus desejos; não falo o que você quer ouvir; não conto a história que te cabe; não começo nem termino; não quero ser vista; não quero que me ignorem.
E do não podem vir muitos sim. Acho esta parte significativa da essência feminina. O não que quer dizer sim só veio porque nos foi exigida uma resposta.
Queria mais tempo para ponderar antes de responder. “Anões! Venham me buscar! Estou presa em casa!”. Branca de Neve monga, deve ter esquecido a chave. Agora fica aí, trancada com a bruxa má.
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