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Nuance: da Beleza à Degradação e da Degradação à Beleza

René Magritte
Quadro do Surrealista René Magritte: “Isto não é um cachimbo”

Isto não é um cachimbo. Isto não é uma crítica teatral à peça Nuance em cartaz no teatro Toucher la Lune.

Perdoem-me (e isto não é um pedido de desculpa) a complicada verdade, mas é que todas as citações de hegel sobram para mim e não dou conta. Mas dizer o que não é, já diz o que é.

Isto não é uma crítica teatral porque não fala das questões específicas de Nuance.

Ao mesmo tempo, fala, sim, de questões específicas de Nuance num sentido universalizado: o contexto político-econômico está diretamente ligado a qualquer peça realizada.

Não neguemos isto e absorvamos esta verdade na produção artística. Não é possível negar tal realidade sob pena de completa desconexão do mundo – objetivo oposto ao artístico, que está no mundo.

É fato notório que a situação econômica atual não favorece a criação seja de arte, seja de mentiras palpáveis.

Seja de reflexões autônomas ou de posições políticas, o ambiente econômico não é o que propicia à maioria das pessoas a chance de ser, estar, viver enfim.

Como produzir arte num ambiente em que não conseguimos sequer existir para além do universo objetal em que tudo se torna consumo, desde relações amorosas até o trabalho realizado?

São perguntas para as quais há respostas imediatas e abstrações religiosas, céticas ou simplesmente vazias. Arrisco apresentar-lhes, a título de exemplo, as respostas oferecidas pelos comunistas em contrapartida às respostas liberais.

Os comunistas (claro que não todos, pois no mundo em que há o indivíduo não há consenso jamais) acham que a revolução poderia reestruturar a ordem econômica e, assim, provocar mudanças culturais profundas que nos permitiriam vidas mais orgânicas.

Os liberais (que também são de inúmeras ordenações) podem dizer muitas vezes que vão investir em educação, saúde, moradia, emprego e, sempre por fim, cultura como se fosse sinônimo de arte.

Esta simplificação grosseira de nosso contexto econômico poderia estar colada na parede das peças a que assisto em Curitiba: ninguém tem tempo para se dedicar à arte, porque é necessário sobreviver.

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Panfleto da peça

Não é possível sobreviver do teatro então não é possível dedicar-se integralmente àquilo que, como qualquer outra atividade, não admite menos.

Desculpem-nos por uma peça descuidada, mas é que não tivemos muito tempo para ensaiar e não tínhamos dinheiro para pagar os atores ou pela sonoplastia ou pelos direitos do texto ou pelo cenário ou pelo espaço ou…ou…ou

Ora, desculpem-me, leitores, por um texto de merda, mas não tive tempo de escrevê-lo com o cuidado que ele merecia porque estava plantando para colher depois. Eu sempre colho depois.

Para Hegel, trabalho é relação orgânica com o mundo. Um pouco da postura lírica de não se sentir distante do mundo, mas parte dele – se ele se fode, nós também. E dentro do mundo há outras pessoas, nós também.

Um pouco ainda da relação artesanal com o trabalho, coisa que antes da lógica industrial, permitia ao ser humano conectar-se com sua profissão no sentido de torná-la sua relação orgânica com o mundo.

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Francine, protagonista

Hoje ninguém se identifica com seu trabalho numa relação orgânica com o mundo.

Não pensamos em termos de contribuição à sociedade, mas de ganha pão. Mesmo os artistas que, aqui em Curitiba, trabalham no Sesi ou na Livraria do Chaim para sobreviver.

Faz-se arte no tempo que sobra, quando o expediente acaba e não temos mais de nos preocupar com o ganha pão.

Perdemos nossa relação orgânica com o mundo, relação esta que, antes da radicalização de efeitos que culminaram na Revolução Industrial, se dava através do trabalho: sentíamos fazer parte do mundo diante de nossa contribuição direta à comunidade ou através do próprio arar a terra.

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O Pianista

Agora realizamos trabalhos com os quais não nos identificamos para ganhar dinheiro cuja cor não vemos e comprar coisas de que não precisamos, inclusive relacionamentos.

Desculpem-me por não ter explicado melhor minhas referências bilbiográficas, mas não tive disposição para enfrentar a situação econômica atual e, ao assumir minha posição histórica, escrever um texto de rigidez acadêmica.

Claro que foi escolha minha evitar a rigidez acadêmica, claro que confio no formato mais maleável. Claro que não confio na academia. Ainda assim, peço desculpas por não mudar o mundo com este texto, mas é que não posso assumir esta responsabilidade, né?

É um singelo texto sem maiores pretensões que ser texto, como tudo o mais que é no mundo.

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O Conto da Chuva

Peço desculpas pela incompreensão que há sobre minhas escolhas quanto a minha posição histórica. Mas, você sabe, não tá fácil pra ninguém.

Ao sentar para escrever, esqueci-me de que minha vida faz, sim, história, mesmo que não em larga escala.

Esqueci-me de que sou parte da comunidade mundial e que se não revisar minha ortografia, serei mais uma dentre os demais 7 bilhões de imbecis que sequer lembram que textos existem.

Esqueci-me, ao não tornar este texto mais rico ou mais interessante, que o dinheiro que não recebo não é o que define o resultado final.

Esqueceram de me avisar que eu tenho de, como é já constante na história, fazer um esforço pelo grupo, dar um pouco mais de mim, para além do que o dinheiro pode comprar. Ficar sem dormir mesmo.

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O elenco

Passar fome mesmo. Esqueceram de me avisar que, mesmo sem receber nada, tenho de realizar minha profissão com vigor, sob pena de contribuir cada vez mais para a morte do teatro.

Em tempos de profissionalização, não pude contar com a especialidade de um revisor para este texto, razão pela qual peço desculpas pelas concordâncias ou confusões que possa ter realizado.

Tampouco tive dinheiro para pagar um pesquisador que me auxiliasse nas questões históricas e nas citações veladas que tanto gosto de fazer, mas está difícil, ninguém tem mais dinheiro para pagar pesquisador e os editais não cobrem meus projetos porque não tenho curriculo.

Sinto muito também não ter podido lançar um livro ao invés de publicar este texto num blog, mas as editoras não publicam resenhas de teatro a não ser que você esteja morta e seja muito foda mesmo, ah! Estas panelinhas!

Gostaria de ter trabalhado mais sobre o tema, peneirado melhor os adjetivos, retirado mais suco das ironias, garantido a compreensão do leitor, mas é que trabalhando sozinha e sem o apoio de mais ninguém na cidade, fica cada vez mais difícil encontrar tempo para me dedicar somente ao texto.

Tudo é muito corrido e como me senti desestimulada, corri para grupos de estudos e outros núcleos que me tomam mais tempo do que gostaria.

Então não consigo me organizar para trabalhar mais o tema, peneirar melhor os adjetivos ou retirar mais suco das ironias.

Estou fazendo meu melhor. Sei que meu melhor é pouco. Mas é que a situação é difícil mesmo.

É só conversar por aí, todo mundo passa pela mesma situação. Todo mundo tem que escrever, dirigir, atuar, produzir e ainda sorrir para aspirante a crítica teatral.

Veja bem, não estou reclamando, vivo para o teatro, mas é que a vida tá difícil e preciso sobreviver né?

Esta não é uma crítica à peça Nuance que esteve em cartaz no teatro Toucher La Lune.

Uma não crítica, essencialmente, à sua condescendência política que vira opção estética.

Nuance saiu de cartaz agora, porque é produção independente e acabou o dinheiro. Mas o serviço está aqui, ó.

Assista-a, por gentileza, e comente por aqui para conversarmos.

Segunda-feira, texto de Leonardo Prisco de Souza Marcelino sobre trilha sonora aqui no Teatrofagia.

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