Só o necessário, nada de exageros. Quanto menos, melhor. Porque o enfeite disfarça o trabalho negligente, a não ser que seja necessário.
A arte deve abster-se ao essencial. Menos é mais.
Aceito este imperativo estético com alguma resignação. Ou não.
Porque ele está certo, o enfeite é uma maneira de valorizar algo que, por si só, valeria menos.
Se é belo ou feio ao ponto de pedir uma representação, a melhor maneira de fazê-la é ser fiel a crueza do seu motivo.
O problema com imperativos é que nem sempre a realidade obedece. Cavalleria Rusticana, ópera de Pietro Mascagni (1890), faz tudo menos obedecer este princípio, ao menos em tese.
Porque é uma representação exagerada de uma história de traição e morte igual a todas as outras, dificilmente seria lembrada sem a trilha sonora que a acompanha.
É mais e mais, e, quando não aguentar mais, mais um pouco.
Mesmo no exagero, falho em perceber quais notas ou instrumentos poderiam ser retirados da música sem comprometer completamente o resultado.
Alguém poderia notar, com razão, que a melodia permanece muito bela e apelativa mesmo se usarmos apenas três instrumentos.
Mas o mínimo necessário está no lugar errado, responde a obra; três instrumentos não seriam suficientes para indicar um sentimento avassalador, precisamos de mais.
Como em vários românticos tardios, para a obra esta suposta “superação” do motivo permanece puramente verbal.
Amor, traição e morte são ainda condições violentas da nossa existência e devem ser expressadas com vigor.
Independente de qualquer conclusão sobre este ponto específico, é difícil criticar seu valor como arte. A obra é, no mínimo, cheia de inspiração:
Um século mais tarde, Amélie Poulain. Sua trilha sonora, obra de Yann Tiersen, é quase a personificação do princípio de que menos é mais.
O tema fala por pouco tempo, desenvolve-se com poucos movimentos.
É profundo e expressivo mesmo assim. Sua ingenuidade melancólica combina com a personagem que representa.
Yann Tiersen tem razão contra Pietro Mascagni: não precisamos de muito para expressar o que é avassalador.
Pietro Mascagni tem razão contra Yann Tiersen: o que é violento merece ser reforçado, é apropriado.
A diferença de caráter entre estas obras e a impossibilidade de compará-las em qualidade sugere a possibilidade de que princípios estéticos são o que são, apenas princípios. Não são leis da natureza.
Este fato, aparentemente óbvio, é amplamente contestado por uma série de artistas insatisfeitos até o mundo inteiro virar Amélie Poulain.
Esquecem completamente que o apreço excessivo por suavidade é marca da cultura francesa.
Este minimalismo impressionista, por assim dizer, não combina com qualquer contexto.
É como se metade dos pintores decidisse usar somente a cor cinza por dez anos a fio.
Há neste esforço o desespero por criatividade, pelo elemento incomum, que não vê alternativa senão imitar a última obra original – desde que seja socialmente aceitável, claro.
A novidade virou clichê, novamente. Para alguns, isto é o verdadeiro sinal do apocalipse. Novamente.
Este discurso finalista não passa de uma alegoria de mau gosto.
Declarar a “morte da arte” é um ridículo tão grande quanto a morte da História: ambas atividades só cessarão com a extinção da raça humana, talvez nem assim.
Este pensamento esconde confortavelmente a montanha que temos para escalar se quisermos saber alguma coisa sobre arte, ou produzir uma obra que seja lembrada pela História.
Não estou subestimando a educação informal (Cartola é um exemplo óbvio). Um pouco mais de atenção aos grandes “talentos naturais” revela algo em comum: todos são esforçados, quase nenhum percebe esta dedicação como esforço.
Volto para Chopin, quer dizer, Amélie Poulain:
A semelhança de sonoridade, principalmente na introdução, entre La Valse D’Amelie e o Noturno em Dó menor (op 48 no.1) de Chopin, 1841, é suficiente para considerarmos uma influência.
Isto não é reduzir Yann Tiersen a um imitador de Chopin, apenas usam da mesma cor. Chopin não é minimalista, mas Steffen Wick é:
http://www.youtube.com/watch?v=SQZpHRK91P0
É possível, então, considerar Yann Tiersen uma mistura de Chopin com Steffen Wick, nesta obra.
É um minimalismo romântico. Ficou melancólico e moderno. Como a personagem. Foi apenas uma escolha.
Não é uma lei da natureza. Esta escolha de cores não é o que define a personalidade de um artista, mas como elas são usadas.
Peço a seguinte reflexão: música é sonoridade, uma redundância digna de ser notada porque a língua brasileira soa diferente da francesa. Muito diferente.
Alguns elementos combinam naturalmente, mas não sempre, outros necessitam de uma aproximação mais cautelosa para ter o efeito desejado.
Das dez últimas peças a que assisti em Curitiba, dez ignoraram por completo esta escolha de elementos.
Não houve criação: todas as trilhas sonoras foram cópias de outras bem-sucedidas, inclusive no total silêncio, e o efeito desejado não foi atingido por falta de atenção ao contexto.
Cinco delas eram uma variação de Yann Tiersen ao lado de uma cadeira.
Deram a mesma atenção a detalhes que um aluno medíocre da terceira série dá a sua lição de casa, o que me permite falar em termos de falta de capricho.
Menos não é mais. Menos é menos e menos pessoas assistindo a peças.
Outro elemento em comum: das dez últimas, oito estavam vazias. Acredito que a platéia tem sua dose de culpa. Mas também acredito que, na quarta vez que te chamam de cego, é hora de procurar ajuda.
Leo Prisco