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O nome da peça diz algo importante. Tempestade é significante que insinua melancolia, mais que chuva, tempestade, sofrimento que vem com força, turbilhão de água que cai e enxarca, não só umedece.

Inabitada é essa tempestades. Ninguém a habita. Talvez os seres sejam vazios, ou talvez ninguém queira ficar sob a tempestade.

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Talvez ninguém goste de se molhar. Talvez ninguém goste de ser melancólico e com isso perca muito. Talvez seja uma crítica ao preço dos guarda-chuva na Rua XV.

Sei que o encarte tinha as cores preta e branca que, juntas, viram cinza, cor de tempestade. Mas no palco, era tudo colorido, até luz vermelha surgiu em determinado momento.

A sinopse promete um enredo complexo envolvendo três camadas (no mínimo) de narrativa: uma escritora (que podem ser todos os três atores em cena, ou nenhum), um narrador e uma interpretação.

O nome é brega, mas se pensarmos no inglês soa mais elegante. Típica situação em que o desencaixe do atrito estadunidense é confundido com a elegância da língua da Inglaterra e vira exagero dramático numa tradução descuidada de sensações que não ficam bem em português: Elizabethtown – tudo acontece em Elizabethtown? Alffie – o é teimoso? Encontros e Desencontros? Por favor…

A tela branca e translúcida divide o palco em duas camadas e o separa do público. Parece que ali se tenta construir a cabeça de alguém que escreve a peça, no caso, a mulher sentada à máquina de escrever.

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Não vemos claramente os atores e eles olham mas não olham a gente. Isso poderia ser recurso mais virtuoso se não acabasse, com o passar dos primeiros quinze minutos, implicando um distanciamento excessivo entre público e palco, perdendo-se a conexão tão imprescindível ao encontro teatral e jogando-se num limbo de não total isolamento nem total aproximação.

O texto escorregou em máximas dicotômicas de arte versus produto e se a ideologia que embasa a cena não tem isso bem resolvido, a estética tampouco fica bem definida.

O figurino tentava representar outra época: ele de suspensórios (e cinto, pecado de estilo, hein?), ela com um vestido verde musgo e sapatos modelo operário inglês do séc. XIX; a escritora num robe elegante e óculos – chavão da representação do escritor-intelectual.

Ela escreve numa máquina (e não num notebook da Mac), e ouve discos de vinil com música de Nelson Cavaquinho. Estas máximas da representação realizada pelo figurino e cenário, parecem dirigir-se a um público intelectualizado, mas já foram tão exploradas que comunicam demais.

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Não passam de uma superfície representativa, um senso comum da intelectualidade. Isso tudo numa idealização Romântica da produção artística que acaba implicando uma crença na mágica genialidade – como se todo artista pudesse ser gênio e como se o gênio – como se acredita – existisse para além da mitologia histórica.

Ainda, como se a busca primeira para o caminho genial fosse a originalidade, e não trabalho e sofrimento. Daí que a idealização toda mostrada no figurino e cenário vai para o texto e para a atuação (não sei se nessa ordem) e fica muito feliz consigo mesma só porque tem espaço para mostrar sua voz artística.

Uma tal ideologia acredita que a arte consiste em mostrar originalidade individual, uma realidade ontológica da voz lírica do poeta. Mas hoje, na pós-modernidade do indivíduo, todo mundo é original. Pior: hoje, todo mundo tem voz (até eu! veja!).

Então não é mais útil ou necessário à produção artística ater-se á originalidade enquanto embasamento estético, é preciso buscar mais ou, ao menos, outra coisa.

A mimese (se é que podemos falar de mimese enquanto representação) era baseada essencialmente na constituição das personagens e da história através do texto. Os corpos pouco se mexiam, a trilha surgia nos intervalos entre um acontecimento e outro e o cenário era inerte (exceto pela última cena).

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Em meio a tanta negativa de caracterização (o não-movimento, a ausência de trilha, a ausência de atuação pela concepção de personagens) todo o trabalho positivo restava ao texto dito pelos atores de maneira narrativa, como se ao dizer “eu sinto”, dissessem “ele sente”, o que é lindamente épico.

Esse jogo lindo não se instaurou já que sua artificialidade logo se torna parte muito inerente à própria atuação e sem auxílio de outras ferramentas, acaba perdendo a já pouca potência do início, onde se prometera um jogo de artificialidade absoluta.

Quando os três atores interagiram entre si e não conosco, esperamos que se firmasse uma conexão entre eles.

Não se firmou uma conexão entre eles, porque o próprio enredo exige uma desconexão. Como não há conexão com a platéia, não sobra nada. Isso poderia ser proposta estética, se houvesse um lugar claro de desconexão.

Isso e alguns outros jogos que não se estabeleceram, como o momento em que a atriz molha as mãos na tinta branca, as mexidas no figurino sem finalidade e efeitos claros, os encontros amorosos do casal, ao fundo do palco e sem emanar nada, o canto da atriz sob absoluta escuridão do teatro, almejando beleza em tentativa desafinada…

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A instância escolhida como espinha dorsal da peça é a narrativa, o ato de contar histórias, todas elas regulares ou mesmo desinteressantemente contadas: a menina era gorda, o rapaz tentou se matar (e aqui o regular não é o que, mas o como), o casal se encontra na festa, as discussões aparentemente intelectualizadas (21 gramas ou amores perros).

Não somos conquistados pelas histórias que são essenciais na proposta oferecida: se a tua namorada fica sem falar com você por discordar sobre ser 21 gramas um filme melhor que amores perros, abandone-a porque esse drama não precisa existir. Não é a toa que ele se mata no final, pensei, a namorada é uma chata. E é claro que 21 gramas é melhor, ela gosta é do Gael Garcia Bernal.

Se há uma instância narrativa, ela precisa ser instaurada, seja com auxílio da trama ou de qualquer outro elemento, o que ali não aconteceu. Ou há desconexão, ou há conexão, naquele dia, ao menos, não havia nada claro. Experimente tudo, artista, mas, por favor, seja extremado na experimentação – diz a rainha dos artistas.

Tudo precisava ser dito com muita voracidade, num vigor artístico de tomar a palavra para si, mais do que o efeito dela para o outro. Vigor artístico confuso por uma anacrônica ideologia Romântica confiante na voz original do gênio inexistente.

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Em nome desse vigor é que surgiam ferramentas como a dicção inverossivelmente perfeita da escritora que não causava mais que estranhamento inexplicável, as citações frequentes, que ocupavam muito espaço e que surgiam de maneira muito direta para oferecer qualquer fruição…um estranho diz, sem contexto algum, “eu tentei me matar” e aponta o dedo em forma de arma para a própria cabeça: o que você tá fazendo? que dedo é esse apontado para a cabeça em forma de arma? tira esse dedo daí, rapaz! Vem cá, dou-te umas pílulas ou te apresento um psicanalista…

E a cena final, mais resolutiva do que se espera para um enredo tão ambicioso, poderia ser ironia com a estrutura dramática se não parecesse séria. O final feliz de Carlos e Cecilia, em que Cecilia, desafiada a optar (na sua segunda chance) entre sua arte e o amor escolhe, hesitante, o amor. Que bom saber que tal cena não era uma constante nas apresentações da peça.

Nina Rosa já dirigiu uma de minhas peças preferidas: Na Verdade não era um Sinal de Vai Tomar no Cu.