Chegamos ao Novelas, os atores já em cena. Sentamo-nos, escasso público e um bebum. Aos primeiros cinco minutos de atuação vinda de um não-lugar, o bebum sai.
Nós restamos, por vezes, porque às vezes saíamos sem sair. O não-lugar da atuação acaba sendo o protagonista da peça: destaca-se mais que Michael Jackson, o cantor pop que mais toca em rádios no mundo todo.
O não-lugar parece ser a “presença da ausência” como bem refletiu um mestre. A presença da ausência de um lugar efetivo de atuação.
Não havia movimento algum, não havia vida nos corpos e todo destaque era dado à voz.
Quatro atores em cena. Um par de óculos, um sorriso aleatóriamente misterioso e vemos seus dois pés imóveis.
Quatro atores em cena. Vemos seis pernas imóveis, exceto pelas dela, que, por vezes, retira os sapatos criando drama naquele todo não-lugar.
Quatro atores em cena e um gordinho; que não é simpático – daí o que sobra da expectativa?
Quatro atores em cena e um negro, que só é negro no momento da piada.
Quatro atores em cena e um par de óculos. Um par de óculos que gargalha loucamente.
E esta é a resenha do enfoque dramático de Vidas Paralelas. São, de fato, paralelas, não só as vidas de Michael (nosso companheiro íntimo) e de Marileide mas as nossas.
Quatro atores em cena e quatro paralelismos. Nove menos um pessoas no público e nove menos um paralelismos. E mais a combinatória de cada um do público entre si e dos atores com o público e dos atores entre si. Muito paralelismo.
Havia ainda a completa inação do palco. Sim, ainda. Sim, inação.
Nomeava-se, dizia-se que Marileide sonhava sozinha em seu quarto e nos deixavam imaginar.
Nomeava-se, dizia-se que Marileide ia escrever uma carta, mas quem se mexia eram os óculos e não a mulher.
Nomeava-se, dizia-se que Michael chegou ao aeroporto e tudo, tudo sobrava pra gente olhar sem ver.
Procurei incessantemente por algum lastro de personalidade nas personagens. Procurei radicalmente ver o que fazia com que cada ator dissesse determinado trecho e não outro. Procurei em vão.
E ao me perguntar porque era tão importante que o Rafael Camargo tivesse uma resposta bem articulada para isso, lembrei-me do Bourdieu e da relação com a ortodoxia.
Lembrei-me que esta exigência vem das Instâncias de Reprodução, Legitimação e Conservação Cultural.
Lembrei-me também que eu não sou instância de Reprodução, Legitimação e Conservação Cultural só porque sou rebelde. Lembrei simultaneamente que também sou instância de Reprodução, Legitimação e Conservação Cultural.
Então por que, Rafael Camargo, não há relação entre a fala dos atores e algum tipo de personalidade?
Por que, Rafael Camargo, não houve nada que caracterizasse personagens naqueles atores, nada além de seus atributos físicos e breves recursos?
Má-atuação, má direção, mau texto, chuva ou jogo de significação?
Se jogo de significação, a despersonificação de personagens torna o relato mais confiável e menos verossímil.
Cria uma nuance maior com os despautérios tão humanos que acontecem ali só de vez em quandinho.
Faz com que nos sintamos muito mais provocados por uma gargalhada mais longa do que deveria ou por uma pequena mexida de pé.
Se má-atuação, má direção, mau texto e chuva, parabéns! Criaram nova significação através do mal-feito e eu sou uma idiota! Aêê!
O não-lugar da atuação também poderia ser má-atuação,sim. Diriam vários que o encenado tem de fisgar a platéia, que temos de saber que algo está acontecendo em cena. Mas não temos não.
Não temos de ser fisgados e o teatro pode ser tão quotidiano quanto a ausência de técnica.
O que me importou em Vidas Paralelas, foi me lembrar de que teatro é tão artificial quanto a própria vida e que não precisa, portanto, ser ficção.
Não é um espetáculo de comprovação de dotabilidade técnica. Porque não quer comprovar dotabilidade técnica.
É um espetáculo honrado que corre o risco de ser considerado ruim para provar um ponto. De interrogação.
E boas férias a todos nós que só voltamos no ano que vem!
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