Não é de hoje que é noticiado o fato de diversos indivíduos intimados a depor em CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) ou CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito) recorrerem ao STF para que seja concedida uma autorização para permanecerem em silêncio em seus depoimentos. Um dos últimos pedidos que testemunhamos foi o do coronel Mauro Cesar Barbosa Cid, ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro, que está sendo investigado por ter cometido, supostamente, atos antidemocráticos.
Alguns dias antes de seu depoimento, a ministra Cármem Lúcia, do STF, autorizou que Cid permanecesse em silêncio ao ser ouvido na CPMI dos Atos do Dia 8 de Janeiro. Assim, sobre essas oitivas e seus consequentes pedidos ao STF para que autorize o silêncio. Penso ser importante elucidarmos alguns pontos da nossa legislação.
Por vezes uma pessoa é convocada a depor em uma CPI, contudo, não consta na intimação se ela será ouvida como investigada ou testemunha.
Em primeiro lugar, a Constituição Federal assegura o direito ao silêncio aos presos, sejam eles investigados ou réus em processos criminais, lembrando-se que investigados são aqueles contra os quais pende uma apuração, uma investigação, seja esta realizada pela polícia ou Ministério Público (MP). Neste caso, ainda não há um processo criminal aberto contra essas pessoas, mas apenas uma investigação que apura se houve, de fato, a prática de um crime e quem seria seu autor.
Diversamente, quando utilizamos a palavra réu, isso significa que o indivíduo já foi processado, ou seja, o promotor de Justiça, ou procurador da República, já requereu ao juiz que fosse iniciado um processo criminal contra ele, e, havendo o acolhimento desse pedido pelo juiz, o então investigado passa a ser réu. Assim, quando o investigado ou réu é intimado para prestar um depoimento – seja perante a polícia, MP, ou até mesmo em uma CPI – já lhe é assegurado pela Constituição o direito de permanecer calado, uma vez que ninguém pode ser obrigado a produzir prova contra si mesmo. Assim, na minha avaliação, não vejo necessidade de solicitar ao Supremo uma autorização para que o indivíduo possa permanecer em silêncio em uma CPMI, pois tal direito já é garantido pela Constituição Federal (artigo 5º, LXIII) e também pelo Código de Processo Penal (artigo 186).
Por outro lado, quando determinada pessoa é intimada para prestar depoimento na condição de testemunha, a situação é diferente. Testemunha é alguém que não praticou qualquer ilícito, ou seja, ela não está envolvida no crime em apuração, mas essa pessoa testemunhou o próprio delito ou alguma outra situação relevante para a elucidação do crime. Imagine-se que o indivíduo “Caio” esteja sendo investigado pelo crime de estupro ocorrido, hipoteticamente, no município de Florianópolis no dia 15 de fevereiro de 2023, e o álibi indicado pela defesa seria de que “Caio” não estava no local onde o crime ocorreu no dia dos fatos, mas, sim, no Rio de Janeiro.
Dessa forma, caso alguém tenha visto “Caio” nesta última localidade no dia em que o crime foi cometido, ele poderá testemunhar esse fato. Sendo certo que a testemunha não está envolvida na prática de qualquer ilícito, o nosso sistema legal determina que a testemunha deverá colaborar com a Justiça; logo, ela não poderá permanecer em silêncio, mentir ou omitir alguma informação, sob pena de cometer o crime de falso testemunho previsto no artigo 342 do Código Penal, que prevê a pena de 2 a 4 anos de reclusão e multa, podendo, inclusive, ser presa em flagrante. Feitos esses esclarecimentos, constata-se que o direito ao silêncio é inerente a qualquer investigado, assim, não vejo necessidade de que esses requeiram ao Supremo uma confirmação do que já está prescrito na Constituição e no Código de Processo Penal.
Por outro lado, penso que esse pedido de auxílio ao STF ocorre pelo seguinte motivo: por vezes uma pessoa é convocada a depor em uma CPI, contudo, não consta na intimação se ela será ouvida como investigada ou testemunha, e, como vimos acima, essa qualificação faz toda a diferença. Assim, para se evitar que alguém que esteja envolvido na prática do suposto delito em apuração seja obrigado a depor, e, eventualmente, acabe produzindo prova contra si próprio, que muitos depoentes recorrem ao Supremo Tribunal Federal para que seja assegurado o direito constitucional de permanecer em silêncio.
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