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O ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral já foi condenado a mais de 300 anos na Operação Lava Jato, e em colaboração premiada celebrada com a Polícia Federal relatou que o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, teria recebido R$ 4 milhões para favorecer dois prefeitos do Rio de Janeiro em processos perante o Tribunal Superior Eleitoral.
Segundo Cabral, o escritório de advocacia da esposa de Toffoli teria intermediado essa negociação, que objetivava o favorecimento dos prefeitos das cidades de Volta Redonda e de Bom Jesus de Itabapoana. Sérgio Cabral relatou que os supostos pagamentos ocorreram entre 2014 e 2015.
O acordo de colaboração de Cabral foi homologado em fevereiro de 2020 pelo ministro Edson Facchin, acolhendo o entendimento do próprio STF de que a Polícia Federal poderia realizar colaborações premiadas sem a participação do Ministério Público. De acordo com a PF, haveria um forte material probatório que daria sustentáculo aos relatos do delator, tais como verificação de datas, documentos e nome dos envolvidos indicados por Cabral; análise dos processos em andamento na Justiça; bem como verificação de outras provas fornecidas.
Entretanto, a Procuradoria-Geral da República recorreu da decisão que homologou o acordo, sob argumento que o MPF não participou da colaboração; e que parte dos valores recebidos pelo delator teria sido ocultada, dentre outros fundamentos. Em 2018, o STF havia decidido que a PF poderia celebrar acordos de delação sem a participação do Ministério Público.
Contudo, eu não concordo com esse entendimento, pois além da Lei de Organização Criminosa — que trata da colaboração — prever a necessidade da manifestação do Ministério Público nos acordos celebrados pela polícia, penso que somente o MP poderia propor determinados benefícios ao colaborador, como o requerimento de perdão judicial, que seria concedido na fase processual — onde não há a participação da policia judiciária; a suspensão do prazo de oferecimento da denúncia por 6 meses; e até mesmo o não oferecimento de denúncia, ou seja, o não ajuizamento de um processo criminal contra o colaborador.
Assim, diante do recurso da PGR, em 27 de maio deste ano, o STF realizou sessão para decidir se a delação de Cabral, que dentre outros relatos, atribuía práticas de crimes ao ministro Toffoli, seria anulada; e o que causou enorme estranheza perante o mundo jurídico e na própria sociedade foi a participação de Toffoli, ora delatado, nesse julgamento; onde, evidentemente, votou em causa própria a favor da anulação da delação.
Entretanto, a participação do ministro nessa votação é proibida por lei, uma vez que o artigo 252, inciso IV, do Código de Processo Penal é claro ao estabelecer que o juiz não poderá exercer jurisdição no processo em que ele próprio for diretamente interessado no feito. Entretanto, a sessão ocorreu sem intercorrências, e o presidente do STF, ministro Luiz Fux, permitiu que o ministro delatado votasse a favor da anulação da delação que o comprometeria.
Essa situação é um exemplo claro de impedimento processual, fato que veda a atuação do magistrado de forma mais evidente e clara do que a própria suspeição. Entretanto, desprezando essa relevante irregularidade processual, o pleno do STF anulou a delação de Sérgio Cabral por 7 votos a 4, permitindo que os graves fatos relatados — caso verídicos — não sejam profundamente investigados.
O inquérito das fake news criou a figura do juiz polivalente, que é ao mesmo tempo vítima, investigador e julgador; e essa decisão ilustrou algo ainda mais preocupante e inusitado, onde o juiz figura não como vítima/julgador, mas como magistrado/investigado.