No dia 30 de março de 2022, o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes fixou ao deputado federal Daniel Silveira uma multa diária de R$ 15 mil a ser paga caso ele continuasse descumprindo medidas cautelares a ele impostas. De acordo com a decisão do ministro, o parlamentar teria descumprido diversas restrições, tais como: proferir ataques ao Supremo em discurso em evento público; manter contato com outro investigado no inquérito que apura “atos antidemocráticos”; e conceder entrevista a um canal no Youtube.
Diante disso, a Procuradoria-Geral da República (PGR) requereu a decretação de outras medidas restritivas, sendo essas: a) proibição de ausentar-se da comarca onde reside, salvo para Brasília; b) proibição de frequentar e participar de eventos públicos em todo o território nacional; e c) colocação de tornozeleira eletrônica.
Diante disso, Daniel Silveira se encaminhou à Câmara dos Deputados e informou publicamente que não sairia da casa legislativa, pois não concordava com a utilização de outra tornozeleira eletrônica. Após esse movimento do parlamentar, o STF determinou: 1) a fixação de multa diária no valor de R$ 15 mil, que deveria ser descontada diretamente de seus vencimentos como deputado federal; e 2) o bloqueio de todas as contas bancárias do parlamentar, para que fosse assegurado o pagamento desta multa. Também foi determinada a abertura de outro inquérito para apuração do crime de desobediência supostamente praticado pelo deputado.
Entretanto, a fixação de multa diária contra investigado ou réu em processo criminal não tem qualquer previsão na nossa legislação penal, pois caso haja o descumprimento de uma determinação judicial a própria lei prevê a aplicação de outra restrição (medida cautelar) mais gravosa, inexistindo, assim, a possibilidade de fixação de multa diária, providência muito comum quando se trata de ações cíveis, mas nunca penais.
Exemplificando: caso seja determinado ao investigado a impossibilidade de frequentar certos locais (como boates e bares, por exemplo), ou de se recolher em sua casa em horário noturno pré-fixado, e caso esse indivíduo não cumpra essa ordem judicial, ele poderá ser preso por esse descumprimento, e essa prisão é a denominada prisão preventiva.
Imaginemos uma outra situação: um magistrado determinou a prisão preventiva de um investigado ou réu. É evidente que essa pessoa não tem o direito constitucional de fugir, de não se entregar à polícia; contudo, em nenhuma hipótese o juiz irá fixar uma multa diária até que o investigado se entregue e seja preso, pois caberá ao Estado empregar todos os esforços na captura desse indivíduo.
O mesmo raciocínio é aplicado à colocação de uma tornozeleira eletrônica. Sendo determinada essa monitoração, não há a menor possibilidade legal de se fixar multa caso o réu não se apresente para a colocação desse aparato. A consequência prevista em lei será a prisão deste investigado ou réu (lembrando que é denominado réu o investigado que já foi processado criminalmente). E essa prisão que deverá ser aplicada é a chamada prisão preventiva.
Voltando agora para o caso Daniel Silveira. Ao não atender a determinação da colocação da tornozeleira, ele poderia ser preso preventivamente? A resposta é não, pois, de acordo com a Constituição, deputados e senadores não podem ser presos preventivamente, somente podendo ser encarcerados em caso de prisão em flagrante (e não prisão preventiva) e somente se o crime for inafiançável.
Eu imagino que toda essa situação seja muito confusa para o leitor, e de fato é, pois a prisão de Daniel Silveira e todos esses desdobramentos são um verdadeiro imbróglio jurídico, pois houve uma confusão entre a prisão em flagrante e a prisão preventiva, as quais sob a ótica do processo penal são completamente distintas.
Para que a prisão do deputado fosse concretizada, e lembrando que ele não poderia ser preso preventivamente, foi criado um flagrante inexistente – o simples fato do vídeo ofensivo ainda estar no ar não transformaria o crime cometido em flagrante delito, como alegou o ministro Alexandre de Moraes. Além disso, ninguém pode permanecer preso em flagrante por mais de 24 horas, vez que dentro desse prazo o juiz deverá soltar o preso ou transformar a prisão em flagrante em uma prisão preventiva. Mas como deputados não podem ser presos preventivamente, a prisão em flagrante se perpetuou por meses.
Outra irregularidade: as medidas cautelares de fiança, proibição de frequentar determinados lugares e encontrar outros investigados são chamadas, no Direito, de medidas cautelares diversas da prisão. E essa prisão a qual as medidas se referem não é a em flagrante, mas sim a prisão preventiva, que é prevista em outros artigos do Código de Processo Penal e é completamente distinta da prisão em flagrante, diferença essa sabida por qualquer estudante de Direito.
Logo, como parlamentares não podem ser presos preventivamente, a prisão de Daniel Silveira não poderia ser substituída por medida cautelar, pois a prisão a qual ele foi submetido (ainda que questionável e ilegal) foi a prisão em flagrante, que de forma alguma poderia ser substituída pela colocação de uma tornozeleira eletrônica.
Por outro lado, a decisão do ministro Alexandre de Moraes que determinou a abertura de inquérito contra o parlamentar pela prática de desobediência também não tem qualquer base legal. Ao longo de mais de 22 anos de carreira, nunca testemunhei a abertura de investigação por desobediência a uma ordem de juiz criminal, seja em caso de determinação de prisão (quando o investigado não se entrega), seja na imposição de colocação de uma tornozeleira eletrônica.
Infelizmente, o inquérito das fake news e dos atos antidemocráticos têm violado frontalmente a legislação processual penal e também a Constituição Federal, consagrando a insegurança jurídica e a diminuição do Estado Democrático, e principalmente, de Direito.
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