A prerrogativa de foro por função tem servido como proteção à aplicação da lei penal, resultando na impunidade de políticos acusados de malfeitos.| Foto: Aniele Nascimento/Arquivo Gazeta do Povo
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Na linguagem técnica e jurídica, o foro privilegiado é denominado foro por prerrogativa de função, pois, como o próprio nome diz, é uma prerrogativa constitucional conferida a determinadas pessoas que exercem certas funções públicas ou políticas. O objetivo do instituto do foro privilegiado é proteger o cargo ou a função pública e não propriamente a pessoa detentora destes, assegurando, assim, estabilidade política.

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Entretanto, percebemos que essa prerrogativa tem servido como uma proteção à aplicação da lei penal, resultando na impunidade, pois diversas pessoas que detêm essa prerrogativa estão envolvidas em escândalos de corrupção e em outros crimes graves, e utilizam o foro privilegiado para se manterem distantes de eventuais punições.

Na prática, o foro privilegiado significa que um agente público ou político será julgado criminalmente em um tribunal superior, assim, por exemplo, promotores, juízes e prefeitos possuem o foro privilegiado perante o respectivo Tribunal de Justiça; desembargadores, procuradores de Justiça e governadores perante o Superior Tribunal de Justiça (STJ); e senadores, deputados federais e ministros de Estado serão julgados pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

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No nosso país aproximadamente 55 mil pessoas são titulares de foro privilegiado, e esse benefício concedido a inúmeros indivíduos tem lugar somente no Brasil, pois em nenhum outro país tantas pessoas detêm essa prerrogativa. Em algumas nações nenhuma autoridade tem foro por prerrogativa de função, sendo essas, a título de exemplo, Estados Unidos, Reino Unido, Canadá e Alemanha. Na Itália, apenas o presidente da República tem foro privilegiado. Na França, somente os ministros e secretários de Estado, e, em Portugal, tem essa prerrogativa o presidente, o presidente da Assembleia da República, e o primeiro ministro.

Eu defendo que apenas 16 autoridades deveriam fazer jus ao foro por prerrogativa de função, e essas pessoas seriam os 11 ministros do STF; o presidente da República; o vice-presidente da República; o procurador-geral da República; e os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.

Há uma proposta de emenda do Senado — a PEC 10/2013 — que trata de reformas na Constituição acerca do foro privilegiado, reduzindo drasticamente esse privilégio. A aludida PEC já foi aprovada no Senado e encaminhada à Câmara dos Deputados em 2017, mas não teve o devido andamento desde então, pois aguarda que o presidente da Câmara paute sua votação.

Além de resultar em impunidade, o foro privilegiado é um dos fatores que ocasionam a lentidão da Justiça brasileira. Vamos tomar como exemplo o STF, que é responsável por julgar criminalmente todos os deputados federais, senadores, ministros de Estado, presidente da República, dentre outros. Tendo em vista que inúmeros parlamentares são investigados e julgados perante o Supremo, esse fato torna o andamento das ações no STF extremante lento, pois apenas 11 ministros são responsáveis por milhares de ações de matéria constitucional e também criminais; além do fato que o STF não é uma Corte vocacionada para questões criminais, o que torna todos os procedimentos investigatórios mais lentos.

Como exemplo, podemos mencionar o caso do mensalão, a ação penal 470, onde muitos réus eram deputados federais, e toda a investigação e processo tramitou perante o STF ao longo de mais de seis anos. Traçando um comparativo com a Operação Lava Jato, na Justiça Federal de Curitiba foram condenados aproximadamente 170 pessoas. Contudo, no STF, os réus envolvidos na operação que foram condenados não passam de cinco.

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Assim, é possível concluir que o trâmite das ações penais nas instâncias superiores — como STJ e STF — é consideravelmente mais lento em comparação com os processos na primeira instância. Dessa forma, ocorrendo uma diminuição drástica do número de pessoas com foro privilegiado seria permitido que o STF desempenhasse a função de guardião da Constituição de uma maneira bem mais efetiva.

Em 2007 foi divulgado um estudo realizado pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) que constatou que entre 1988 e 2007 nenhuma autoridade havia sido condenada no STF nos 130 processos criminais que lá existiam. Já no STJ, dos 483 processos criminais que lá tramitavam, apenas cinco pessoas foram condenadas. Assim, somando esses números, verifica-se que o percentual de casos em que houve punição até 2007 é de menos de 1%.

Por conta disso, percebe-se que o foro privilegiado é uma forte ferramenta a serviço da impunidade pois, em vez de proteger a função pública de eventual pressão ou constrangimento, o foro é utilizado como um escudo contra a aplicação da lei.