No dia 9 de setembro deste ano, a vice-procuradora geral da República, Lindôra Araújo, encaminhou recurso ao ministro Alexandre de Moraes requerendo (1) a anulação da operação policial contra os empresários; (2) a revogação de todas as medidas cautelares contra eles; e (3) o trancamento da investigação. De acordo com a vice-procuradora, o STF não seria a corte competente para julgar os oito empresários, pois nenhum deles tem foro privilegiado perante o Supremo. Segundo ela, o ministro Alexandre de Moraes violou o nosso sistema jurídico, que é o sistema acusatório, uma vez que o Ministério Público Federal não foi ouvido previamente, antes de o ministro determinar as buscas e apreensões e demais diligências.
Lindôra também consignou que as quebras de sigilo bancário e o bloqueio dos perfis de internet dos empresários não foram solicitadas nem pelo MPF e nem pela Polícia Federal, mas por políticos, pessoas que não têm legitimidade para solicitar diligências policiais. Dessa forma, como não houve requerimento dessas diligências pelos órgãos de investigação, as decisões foram tomadas de ofício pelo ministro relator, o que não seria condizente com o sistema acusatório.
Ao longo de quase 23 anos como integrante do Ministério Público Federal, nunca testemunhei uma operação policial com tantas inconstitucionalidades, com tantas ilegalidades, e, por fim, com tantas injustiças.
Ademais, a vice-procuradora também pontuou que as medidas decretadas foram desproporcionais, e que, na sua análise, não ocorreu qualquer prática de crime por parte dos empresários. Ela lembrou que para a configuração dos eventuais crimes contra o Estado Democrático de Direito, a lei exige que haja o emprego de violência ou grave ameaça, o que de fato não ocorreu. Tudo isso resultou na falta de justa causa, ou seja, na não existência de justificativas jurídicas para a realização das diligências policiais. As conversas trocadas em grupo privado pelos empresários caracterizariam a liberdade de expressão, assegurada constitucionalmente.
Outro ponto importante constante no recurso foi a menção a existência de “fishing expedition”, ou seja, a pescaria probatória, onde são realizadas várias diligências invasivas, sem um claro propósito, com intuito de se tentar descobrir algo incriminador contra alguém. Essa providência tornaria ilícita todas as supostas provas obtidas com emprego dessa técnica irregular, caracterizando constrangimento ilegal. Em seu recurso, a vice-procuradora Lindôra relembra a importância do papel do Ministério Público em uma investigação policial, pois, em suas palavras, “cabe ao Ministério Público participar efetivamente das diligências que impliquem restrições de direitos, bem como o controle externo da atividade policial, cujo exercício efetivo depende do acompanhamento dos atos investigatórios realizados pela Polícia Judiciária e, mais ainda, a defesa da ordem jurídica no controle interno dos atos investigativos realizados, mormente de natureza gravosa a direitos e garantias individuais”.
A vice-procuradora também chama a atenção a uma questão importantíssima: a realização de uma busca e apreensão – que é uma medida extremamente drástica e invasiva – logo no primeiro dia da instauração da investigação. As buscas e apreensões costumam ser realizadas apenas quando a investigação já está em um estágio avançado, e não logo após o início de uma investigação criminal. Além disso, essa medida somente pode ser efetivada quando já há provas da prática de um crime, não podendo ser utilizada para, eventualmente, se tentar obter a prova de um ilícito em apuração. A vice-PGR também chama atenção para o fato de que o delegado da Polícia Federal não apurou de forma preliminar a veracidade dos fatos, ou seja, se as supostas mensagens eram de fato verdadeiras, se eram fidedignas. Ademais, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) não admite prints de conversas de WhatsApp como meio de prova diante da impossibilidade de se comprovar a autenticidade de determinadas conversas.
No recurso da PGR há menção que a operação acarretou “indevida restrição de direitos fundamentais dos investigados”, e também é citada a desarrazoada busca e apreensão em face de um dos empresários que tinha enviado uma simples “figurinha” em resposta a uma das conversas do grupo. Isso caracterizaria a “carência de requisitos legais da medida de busca e apreensão”, além de uma “total invasão de privacidade de uma conversa aleatória entre cidadãos”, configurando “uma espécie de polícia do pensamento característica de regimes autoritários”.
No que se refere ao bloqueio de todas as redes sociais, Lindôra afirmou que não era necessário e nem adequado, pois os supostos delitos – diga-se de passagem, inexistentes – não foram cometidos através dessas redes. Em relação ao indevido bloqueio das contas bancárias, a vice PGR foi firme e assertiva, consignando que a medida representa uma espécie de “ilícito confisco estatal”, pois atingiu todos os recursos financeiros dos empresários, sendo que não havia qualquer comprovação de que esses valores tinham origem ilícita. Esse fato por si só resultaria em uma enorme insegurança jurídica com impactos na economia brasileira, tanto no mercado econômico como financeiro. Por fim, diante dessas “inconstitucionalidades e ilegalidades”, a vice-procuradora Lindôra requereu a anulação de todas as diligências praticadas e o trancamento da investigação, por conta de todos esses vícios explicados de forma cristalina.
Mas, apesar do brilhantismo do recurso oferecido, extremamente bem fundamentado e com sólidas bases jurídicas, o ministro Alexandre de Moraes não analisou os pontos trazidos pela representante do MPF, pois entendeu – e sem base jurídica na minha análise – que o recurso apresentado (o Agravo Regimental) estaria fora do prazo.
Entendo que o pleno do STF, de forma urgente, deveria se debruçar sobre essa questão, analisando todos os pontos levantados de forma impecável pela vice-procuradora para que seja demonstrado aos brasileiros a visão dos demais ministros sobre essa operação.
Enquanto essas posições não são trazidas a público, eu reitero meu entendimento técnico e jurídico sobre essas medidas contra os empresários: são inconstitucionais, ilegais, violam a liberdade de expressão, a intimidade, a propriedade privada, e o sistema acusatório. Ao longo de quase 23 anos como integrante do Ministério Público Federal, nunca testemunhei uma operação policial com tantas inconstitucionalidades, com tantas ilegalidades, e, por fim, com tantas injustiças.
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