O procurador-geral da República, Augusto Aras, arquivou no dia 18 de fevereiro o inquérito policial que apurava a suposta prática do crime de prevaricação cometido, em tese, pelo presidente da República no caso da eventual compra da vacina Covaxin. Esses supostos fatos foram trazidos na CPI da Covid pelo depoimento de Luis Ricardo Miranda, servidor do Ministério da Saúde, ao narrar que o presidente Jair Bolsonaro havia sido alertado sobre supostas irregularidades no procedimento de aquisição dessa vacina, mas, contudo, ele não teria adotado as providências cabíveis para evitar quaisquer atos ilícitos.
Diante disso, foi solicitado pelos senadores Randolfe Rodrigues, Jorge Kajuru e Fabiano Contarato a abertura de uma investigação criminal para apurar o suposto crime de prevaricação, que está previsto no artigo 319 do Código Penal e que se caracteriza quando o agente público deixa de praticar, indevidamente, ato de ofício, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal.
Após a realização de investigações pela Polícia Federal, o delegado do caso entendeu que não havia elementos da prática do crime de prevaricação e não indiciou qualquer investigado. Além disso, o PGR, que é o chefe do Ministério Público Federal, também entendeu que não haveria elementos da prática do aludido crime contra a administração, e promoveu o arquivamento do inquérito policial.
Entretanto, a ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), relatora do presente caso, não concordou com o arquivamento do PGR, e devolveu os autos da investigação para que ele adotasse as “providências cabíveis”. Diante disso, fica a indagação: Rosa Weber poderia “indeferir” esse arquivamento? E a resposta é a seguinte: não.
De acordo com a nossa legislação, a última palavra sobre o arquivamento de uma investigação criminal é do Ministério Público, e, principalmente, se essa providência é adotada pelo chefe da instituição, pois acima do procurador-geral da República não há nenhum outro cargo, sendo ele a última instância do Ministério Público. Caso o arquivamento do inquérito tivesse sido realizado por um promotor de Justiça ou procurador da República de primeira instância, ainda assim a palavra final sobre esse arquivamento seria do MP.
De acordo com o artigo 28 do Código de Processo Penal, que é a lei que rege esse assunto, caso o juiz não concorde com o arquivamento feito pelo membro do MP o magistrado não pode obrigar o promotor ou o procurador a processar o investigado e nem mesmo a continuar investigando. A única providência cabível por parte do juiz seria encaminhar a investigação ao chefe do Ministério Público para que ele decida se o promotor agiu corretamente ou não.
Caso o chefe da instituição entenda que o investigado deveria ser processado criminalmente, ele designaria outro promotor para realizar a acusação, ou seja, nem o próprio chefe do MP poderia obrigar o promotor que realizou o arquivamento a processar o suspeito de ter praticado o crime. Por outro lado, caso o chefe do MP concorde com o arquivamento, a despeito da não concordância do juiz da causa, ele manterá o arquivamento das investigações.
Assim, verifica-se que a última palavra sobre o arquivamento de uma investigação sempre é do Ministério Público. No caso que estamos analisando, não é possível que a decisão do PGR seja revista, pois ele é o chefe do MP brasileiro, não havendo ninguém acima dele. Assim, sua posição deve ser mantida e respeitada pelo Poder Judiciário, pois a decisão da ministra Rosa Weber não tem base jurídica: afronta o Código de Processo Penal e viola o princípio acusatório que norteia nosso Direito, e esse princípio nos ensina que as funções de acusar, defender e julgar devem ser realizadas por órgãos distintos.
Possivelmente, a ministra se inspirou em precedente semelhante do próprio STF, embora sem lastro jurídico, e esse precedente ocorreu quando o ministro Alexandre de Moraes não aceitou o arquivamento do inquérito das fake news formulado pela ex-procuradora-geral da República Raquel Dogde. Nessa manifestação a ex-PGR argumentava a violação de diversos princípios e legislação do nosso Direito, contudo o arquivamento foi desconsiderado pelo STF e as investigações continuaram.
Deve-se salientar que o Ministério Público é uma instituição independente e autônoma, e extremamente importante para a nossa nação, pois nos dizeres da Constituição Federal cabe aos membros desse órgão a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Dessa forma, qualquer não observação das funções e das prerrogativas do Ministério Público importa no enfraquecimento da nossa democracia e no agigantamento indevido de um dos poderes da República.
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