O presidente Jair Bolsonaro e o vice-presidente Hamilton Mourão durante encontro com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, e o senador Fernando Bezerra, no Palácio do Planalto, no final de abril| Foto: Marcos Corrêa/PR

Os primeiros seis meses do governo Bolsonaro foram repletos de fortes emoções tanto para seus apoiadores quanto para seus opositores. Sim, houve pontos positivos que merecem menção, independentemente de terem sido alcançados graças ou apesar do Presidente. A aprovação do cadastro positivo, a MP da Liberdade Econômica, o Acordo Mercosul – União Europeia e, acima de tudo, o avanço da Reforma da Previdência foram os grandes destaques promovidos até agora.

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No entanto, algumas questões se mostraram mais espinhosas. Certamente, temas conjunturais como os vazamentos do Intercept ,que atingem o ministro Sergio Moro, e os tweets de Carlos e Olavo chamam a atenção. Porém, um ponto estrutural causa mais preocupação para as próximas etapas: a relação da presidência com o Congresso.

A narrativa antipolítica do presidente provou-se bastante eficaz durante a campanha eleitoral. Colocando-se como uma novidade antiestablishment, Bolsonaro transmitiu a uma parcela da sociedade a percepção de que os males da política brasileira se concentravam no Congresso Nacional.

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Aliada a uma "agenda de costumes", essa narrativa caiu como uma luva para uma importante parcela do eleitorado que enxerga no Presidente a possibilidade de "limpar" o ambiente por meio da rejeição da própria política.

A construção de colchões de popularidade é um ponto crucial para a tranquilidade política de um governo. Lula montou seu colchão em cima de uma agenda social centrada no Bolsa Família. Dilma e Temer chegaram ao dígito único de popularidade por uma ampla composição de fatores que incluiu a ausência de colchões próprios. Já Bolsonaro tem como amortecedores a composição de sua agenda de costumes e de sua narrativa antipolítica.

Pois bem, mesmo que a força dessa narrativa seja óbvia - como percebido em algumas manifestações pró-governo -, no sentido pragmático ela não colabora para o avanço de uma agenda reformista tão necessária que deve passar, invariavelmente, pelo Congresso Nacional.

A narrativa antipolítica fortalece uma sólida base de apoio enquanto enfraquece o relacionamento com outros poderes, principalmente com o Legislativo. Na pós-reforma da previdência preocupa, pois, uma vez superada a emergência da aprovação, o Congresso poderá confrontar o Executivo com mais afinco, forçando Bolsonaro a cometer erros. E como se dariam esses possíveis erros? Além do próprio fortalecimento do Congresso via o orçamento impositivo, o parlamento já deu sinal de movimentações em busca de maior autonomia de atuação na mudança das regras de medidas provisórias – novas regras já aguardam sanção presidencial.

A mudança na forma de fazer indicações para as agências reguladoras também foi para sanção presidencial (sendo vetada pelo Presidente, porém o veto ainda pode ser derrubado pelo Congresso). Mais do que isso, o Congresso pode ainda avançar com um "pacote de bondades" que incluiria reajustes salariais para servidores públicos e aumento real do salário mínimo (como exemplo), colocando pressão no Presidente para vetar e assim prejudicar sua percepção por uma parcela do eleitorado que não o defende com tanta força.

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Por isso, a escolha do Presidente Bolsonaro para os próximos seis meses estará entre fortalecer sua relação com uma parcela do seu eleitorado (aproximadamente uns 20%) que apoia sua narrativa antipolítica -- uma opção que naturalmente desgastaria sua relação com o Congresso -- , ou abandonar essa narrativa visando a pacificação na relação com o Legislativo.

Essa pacificação não passaria necessariamente por distribuição de cargos (por mais que isso já ocorra), mas certamente por emendas parlamentares mais robustas, como as que foram negociadas visando a reforma da previdência. Em cima disso, haveria pressão do Congresso para que a "agenda de costumes" deixasse de ser uma prioridade, devido à sua abstração e à rejeição vinda de aliados.
O Congresso brasileiro é muito forte, admita-se ou não essa verdade. Mesmo com uma maioria, Bolsonaro já sofreu derrotas inesperadas graças a posturas oscilantes de seus aliados. Iniciar um debate sobre a reforma política que eventualmente passe pelo fim da reeleição seria uma resposta absoluta e final se acaso acontecesse uma grave piora nessa relação. Na pós-reforma, os próximos Presidente da Câmara e do Senado podem ser ainda mais corporativistas em defesa do Parlamento.
Os últimos dois anos deste governo serão fortemente impactados pelos indivíduos que presidirão as duas casas. Não nos esqueçamos que confrontos entre Executivo e Legislativo geraram Severino Cavalcante e Eduardo Cunha; um, prejudicando fortemente a governabilidade de Lula; outro, defenestrando Dilma.