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Thiago de Aragão

Thiago de Aragão

Coronavírus no Brasil, muito além do viés da economia

Funcionários de hospital na Itália fazem atendimento a possível paciente de coronavírus.
Funcionários de hospital na Itália fazem atendimento a possível paciente de coronavírus. (Foto: Miguel Medina/AFP)

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O grande debate sobre os impactos do coronavírus é predominantemente econômico. Avaliam-se quedas e subidas na produção, exportação e importação de bens e na forma como isso poderá afetar o PIB. No entanto, existem outros riscos decorrentes da expansão dessa pandemia que não estão ligados necessariamente ao desempenho econômico e devem ser levados com extrema consideração.

A Itália anunciou o fechamento de grandes áreas da Lombardia. Essa região no norte do país, cuja capital é Milão, é responsável por aproximadamente 20% do PIB italiano. Entretanto, lá a preocupação maior é com o impacto no sistema público de saúde.

Com o crescimento exponencial de casos (nesta sexta-feira, 13, tínhamos 17.660 confirmados), o grande temor das autoridades italianas é o de que o sistema público da região entre em colapso. Indivíduos infectados pelo coronavírus precisam de áreas isoladas em hospitais para que não contaminem internos com outras enfermidades. Os médicos dedicados ao tratamento da covid-19 estão, na maioria dos casos, excluídos de atender outros pacientes de enfermidades recorrentes. Isso sufoca um sistema de saúde que não estava preparado para liberar tanto espaço para um grupo de indivíduos – e nem médicos – para pacientes específicos.

Mesmo assim, a Itália ainda apresenta um número médio de leitos por mil habitantes dentro do mínimo recomendado pela Organização Mundial da Saúde (3 leitos por mil habitantes). Na rica região da Lombardia, esse número é ainda maior.

No caso do Brasil, temos uma média nacional de 1,5 leitos para cada mil habitantes. O SUS, operando dentro de sua normalidade, encontra-se notoriamente saturado. O estado do Rio de Janeiro já pediu ajuda federal em diversas ocasiões por não conseguir atender a um fluxo maior de pacientes quando da ocorrência de uma situação fora do normal. Considerando-se um avanço rápido do coronavírus no país, o risco de saturar o já saturado SUS poderá levar a um colapso do sistema e à necessária intervenção federal em diversos estados da federação. Essa previsão de custos, por exemplo, não era esperada dentro do orçamento, afetando o prognóstico fiscal da equipe do Ministério da Economia.

A ausência de leitos em hospitais públicos poderia levar pacientes a buscar hospitais privados, já que o atendimento emergencial nesses hospitais é garantido por lei. Quando um indivíduo chegar em um hospital privado apresentando sintomas de covid-19 não poderá ser dispensado, tendo de ser internado para um período de avaliações que ocupará tempo, espaço e dedicação diferenciada dos profissionais da instituição particular. A conta da utilização de hospitais privados no Brasil certamente cairá nos orçamentos dos governos estaduais ou federais.

Além da saturação no sistema de saúde, existem outros riscos ligados ao coronavírus que necessitam de um planejamento minucioso do governo. O que aconteceria se uma penitenciária apresentasse um surto do vírus? Sem condições de higiene, essas penitenciárias poderiam apresentar um foco de proliferação da doença onde o controle e o isolamento de pacientes seriam de difícil aplicabilidade.

Em regiões onde o nível de escolaridade e de acesso à informação são baixos, a simples notícia de infectados geraria preconceitos em relação à família, vizinhos e amigos, principalmente em cidades pequenas. Na Bahia, tivemos o terceiro caso de transmissão entre pessoas que nem sequer estiveram fora do país. A simples ausência de informação estimula a disseminação de lendas urbanas e de fake news sobre tratamentos e reais impactos do vírus.

No Peru, por exemplo, o governo precisou desmentir que o vírus poderia ser combatido com alho e cocaína. Nos EUA, uma parcela enorme da população associou o coronavírus à marca de cerveja Corona. Essa ignorância não é a exceção, mas a norma na maioria das sociedades no mundo.

Ao contrário da China, onde um típico paciente da covid-19 era internado à força, a aplicabilidade desse procedimento em democracias é mais difícil. Um efeito inverso, muito perigoso, tem a chance de ocorrer. O temor da contaminação, demonstrado por simples sinais de qualquer tipo de gripe, poderá levar uma quantidade ainda maior de pessoas a se apresentar no SUS. Caso o número de pacientes siga aumentando exponencialmente, o transporte público também poderá sofrer um colapso. Não de saturação, mas de ausência de passageiros, conduzindo a um aumento no uso de carros, táxis, vans e gerando problemas no fluxo de transporte nas grandes cidades.

São Paulo vem sendo o foco principal da doença no Brasil. Hoje, trata-se da maior cidade do mundo com a menor infraestrutura e preparo para lidar com a doença. O vírus não chegou com força em Pequim ou em Shangai. Em Tóquio, cidade bem mais preparada do que São Paulo, ele aterrissou com uma intensidade menor.

A covid-19 não acarreta apenas impactos econômicos, mas estruturais e institucionais que precisam ser debatidos para que , dessa vez, o improviso não seja o modus operandi.

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