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Guerra comercial: como, afinal, a China toma decisões

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A guerra comercial entre Estados Unidos e China iniciou-se com a acusação de Donald Trump de que a China mantinha uma forma injusta de se impor comercialmente no cenário mundial. O recente déficit apresentado na balança comercial levou o presidente norte-americano a impor tarifas a uma cesta de produtos que, juntos, representam US$ 250 bilhões de mercadorias chinesas que ingressam nos EUA.

Para a grande maioria desses produtos (aproximadamente US$ 200 bilhões), as tarifas aplicadas subiram de 10% para 25%. Os chineses não deixaram por menos e deram o troco aplicando tarifas nas importações de produtos americanos que entram em seu país totalizando US$ 110 bilhões. Enquanto os EUA ainda podem aplicar tarifas em mais US$ 250 bilhões, os chineses têm uma margem curta, podendo aplicar tarifas em apenas mais US$ 30 bilhões.

A estratégia chinesa no processo complexo dessas negociações não é das mais fáceis de detectar. A imprensa americana busca desvendar a forma como a tomada de decisões ocorre e o que está por trás de cada passo tomado pelos orientais na mesa de negociação. Certamente não conseguimos decifrar o todo, mas conhecendo quem são as peças no tabuleiro podemos ter uma visão um pouco mais clara sobre como e quem toma as decisões relacionadas à política comercial.

A disputa dentro do Partido Comunista

O presidente Xi Jinping lidera um grupo dentro do Partido Comunista que representa interesses e possui suas raízes nas cidades litorâneas. Esse grupo de Xi é conhecido como “coalizão elitista” (jingying tongmeng), ou também como Grupo Shaanxi. Ela surgiu na época do presidente Jiang Zemin e tem como uma de suas características a origem de seus membros – filhos, sobrinhos de membros ilustres do passado do partido –, e o foco no desenvolvimento econômico.

Seus rivais dentro da estrutura do partido formam o grupo conhecido como “coalizão populista” (mincui tongmeng), liderados pelo ex-presidente Hu Jintao e o atual premiê Li Keqiang. Também chamado de Tuanpai, a coalizão tem sua origem em membros mais humildes e de fora da elite histórica do partido. Muitos se tornaram importantes membros a partir de suas atuações nas províncias mais pobres, longe das ricas cidades e províncias do litoral. Apesar de se preocuparem com desenvolvimento econômico, a base de apoio desse grupo é formada essencialmente por fazendeiros e trabalhadores de classes mais baixas dos centros urbanos.

Dentro desse contexto, as negociações com os EUA têm como pano de fundo a disputa dentro do Partido Comunista Chinês. Xi Jinping busca, de forma sutil, diluir a posição de Li Keqiang como negociador. Li participou de algumas negociações comerciais com outros países no âmbito do projeto “Belt and Road”, entretanto não é a figura central na negociação com os EUA. O trio de ferro da formulação estratégica nas negociações com os EUA, que traduz os anseios e objetivos político-econômicos de Xi Jinping, é formado por Liu He, principal negociador e contraparte de Robert Lighthizer, negociador americano; Chen Xi, amigo pessoal de Xi Jinping e chefe do Departamento de Organização do Partido — sua antiga função como Vice-Ministro do Comércio e a confiança que Xi tem nele, faz de Chen um formulador na negociação com os EUA.O terceiro nome é o de Zhong Chan, atual Ministro do Comércio de Xi Jinping, e também um amigo de infância de Xi.

Transferência de tecnologia e outras questões que repercutem na disputa

As demandas dos EUA incluem a eliminação de práticas chinesas de transferência de tecnologia que não estão em conformidade com a Organização Mundial do Comércio; respeito a regras de patentes; fim de atividades consideradas suspeitas de ciberseguranca; retirada de determinadas tarifas na importação de produtos agrícolas americanos.

As questões de transferência de tecnologia e ciberseguranca seguramente são temas que possuem um forte impacto econômico, mas note-se que algumas políticas públicas de curto e médio prazo impactam muito mais. Esse tipo de problema afeta a forma de pensar da chamada “coalizão elitista” liderada por Xi. Já a questão agrícola e as consequências de uma não-solução aceleram o processo de queda da economia chinesa, afetando principalmente as províncias centrais, reduto dos principais membros da “coalizão populista”. Essas províncias estão bastante endividadas pelo excesso de linhas de crédito oferecidas visando um desenvolvimento acelerado que as colocassem em pé de igualdade com as províncias do litoral. No entanto, com o esfriamento da economia e o acúmulo de dívidas, linhas de crédito passaram a ter juros que dificilmente poderiam se manter subsidiados, prejudicando o desenvolvimento dessas regiões.

Politicamente, os conflitos do momento se traduziriam para confrontos internos capazes de rachar a liderança do Partido Comunista. Mesmo que esse racha não seja suficiente para minar o poder quase que absoluto que Xi Jinping conseguiu obter ao longo dos últimos anos, isso criaria um outro problema para Xi: o partido não se mostraria tão facilmente inclinado para seu lado.

A aplicação das novas tarifas anunciadas por Trump no Twitter pegou a todos de surpresa. De fato, coloca a China contra a parede. O grande ponto demandado pelos chineses para conseguir pensar em atender às demandas americanas é que os EUA reconheçam a China como economia de mercado. Caso isso ocorra, as penalidades aplicadas aos chineses por práticas de dumping, por exemplo, seriam mais leves do que as atuais. Nesse ponto, no entanto, tem uma pedra no meio do caminho e ela se chama Robert Lighthizer.

 

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