Quando Donald Trump foi eleito presidente dos Estados Unidos, muitos se perguntavam qual teria sido a fórmula de sucesso para esse feito tão extraordinário. As habilidades de Trump sempre foram questionáveis, assim como seus métodos. No entanto, sua capacidade de prender o outro dentro de uma narrativa inventada por ele mesmo faz de Trump um hipnotizador não só das plateias mais suscetíveis a serem influenciadas, mas até de quem se posiciona radicalmente contra ele.
Existem inúmeras formas de controlar uma narrativa. Politicamente, quem comanda a dinâmica das histórias contadas e das realidades percebidas controla também o alcance do poder que elas têm. A narrativa ostensiva, utilizada por Trump (e também por Bolsonaro, Boris Johnson, Maduro) faz com que o ritmo do que é dito parta de palavras e ações do próprio presidente dos EUA. Nesse caso, Trump eleva a velocidade de divulgação de opiniões, ações, decisões, elucubrações e, assim, torna prisioneiros grande parte do noticiário, formadores de opinião e sociedade dentro dessa esfera temática a qual ele comanda.
Esse processo narrativo traz inúmeras vantagens pelo fato de que se pode ditar o ritmo do que é debatido, desviar o foco de um erro ou equívoco a partir da criação de polêmicas de um tema paralelo e, mais ainda, manter-se perante à nação como o grande formador de opinião (para o bem e para o mal).
A velocidade tornou-se uma característica essencial da sociedade de consumo. Temos inúmeros serviços (Uber, Amazon, Netflix) que entregam o desejado na rapidez em que esperamos. A política entrou nesse processo a partir da popularização do Twitter e de outras redes sociais. Neste sentido, quem domina a narrativa ostensiva ocupa o espaço das redes sociais, fazendo com que o debate gire em torno de seus temas.
Para o político de narrativa reativa, seu poder só se sustenta quando sua popularidade é alta e sua relação com a imprensa e formadores de opinião é positiva. O grande risco para a narrativa reativa é justamente ter que ocupar o espaço público a partir de pautas que não são determinadas pelo próprio político, mas pelos fatos e acontecimentos do dia a dia. A incerteza aumenta e o inesperado passa a ter um papel mais forte na estabilidade de um governo.
O processo de impeachment que o Partido Democrata busca abrir na Câmara dos Deputados, em Washington, pode, pela primeira vez nesse governo, mudar a lógica de narrativa do presidente americano. Trump sabe, como ninguém, chocar com temas relativamente importantes quando fatos negativos surgem contra ele. Ele é capaz de quebrar a priorização do noticiário, que passa a noticiar dois fatos ao invés daquele negativo ao governo. Com o processo de impeachment em andamento, o presidente será forçado a adotar uma narrativa reativa, já que a Câmara dos Deputados dominará a agenda do noticiário a partir de suas conclusões. Trump não conseguirá criar nada mais explosivo do que um impeachment para poder manter o domínio da narrativa. Ele já demonstrou que derrete emocionalmente quando perde o controle da história e passa a ser colocado contra a parede. O Partido Democrata buscará exatamente isso, esticando o processo o máximo possível para que o clímax seja atingido por volta de junho, julho, quando o eleitorado estará se consolidando para as eleições presidenciais.
Ainda não se sabe qual será a estratégia de Donald Trump quando tiver de reagir diariamente a ataques factuais girando em torno de assuntos como o histórico de pagamento de impostos, pedidos especiais feitos a presidentes estrangeiros ou outros. Caso Trump siga mostrando que é um grande dominador do processo narrativo, ele inverterá a lógica do impeachment e enfatizará a velha história da caça às bruxas. Por outro lado, se a Câmara demonstrar problemas factuais e confrontações que conduzam uma parte relevante da sociedade a demandar respostas, Trump pode não saber como reagir e acusar o golpe.
O impeachment não se trata (ao menos hoje) da real possibilidade de impeachment. Ao que tudo indica, o Senado reverteria a decisão da Câmara americana. Mas o foco não é esse. O foco é mudar a lógica da narrativa em um momento crítico que antecede a eleição presidencial.
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