O governo brasileiro encontra-se em uma encruzilhada em relação à China. Por um lado, a China representa, sob diversos aspectos, muitas das coisas que o atual governo repudia. Tratando-se de um Estado sob o controle de um partido comunista, não é difícil perceber o quão distante ideologicamente está do Brasil de Bolsonaro.
A China é o nosso principal parceiro comercial e o sustentáculo de importante parcela de nossas exportações de produtos agrícolas e minério. No entanto, é perfeitamente possível desenhar uma estratégia que atenda à demanda retórica e ao mesmo tempo preserve a balança comercial.
Primeiramente, redirecionar integralmente o que vendemos à China para o mercado norte-americano não é tarefa fácil e não se encaixaria dentro do perfil de importação/exportação dos
EUA a curto prazo.
O governo brasileiro poderia fatiar a política para a China nas seguintes partes: comercial, política/econômica, doméstica/tecnológica e multilateral.
A política comercial é a mais sensível. Setores produtivos críticos para nossa economia dependem da China. A busca por uma alternativa deve ser feita antes de abandonar determinada parceria. Além do mais, o pragmatismo deve reinar nas relações comerciais e a manutenção do comércio bilateral deve ser estimulada e não freada.
Já a relação política bilateral nunca teve vida própria. O governo chinês sempre foi prolífico em fomentar relações entre o Partido Comunista Chinês e diversos partidos brasileiros (incluindo o PSL).
Não há uma agenda robusta de alinhamento político fora do espectro comercial, multilateral e, ocasionalmente, tecnológico.
A relação com a China do ponto de vista da política doméstica é algo que pode satisfazer parte da retórica do atual governo.
Houve inúmeras tentativas no passado de pressão chinesa para a compra de terras produtivas e a consecução de operações de infraestrutura sem necessidade de licitações e órgãos temporários que unificassem a burocracia existente que, geralmente, é diluída entre vários órgãos.
Esses pontos nunca prosperaram, o que contradiz, de certa forma, a afirmação de que a China estava “comprando o país”. Inibir a participação chinesa em alguns processos licitatórios no país não seria tarefa fácil.
O ponto mais emblemático seria o da Huawei e sua eventual participação no leilão de 5G programado para março de 2020. Uma saída cogitada informalmente entre membros do governo poderia ser a da criação de uma versão brasileira do CFIUS (Comitê de Investimento Externo nos EUA) americano.
O CFIUS funciona como um comitê composto por membros de vários órgãos do governo que avalia a presenca de investimentos externos e como isso pode afetar negativamente a competitividade, segurança nacional e atuação do governo entre outras coisas.
Se de fato criarem um CFIUS brasileiro, a subjetividade da análise do que é benéfico ou não ao Brasil poderá beneficiar a narrativa do governo Bolsonaro.
No aspecto multilateral, muito se insinuou que o Brasil poderia deixar os BRICS dada à percepção que se trata de algo ineficiente. Além de um organismo que busca fomentar o comércio entre seus membros (ponto positivo para o Brasil), os BRICS cogitaram criar uma espécie de Conselho de Segurança próprio, para contrabalançar (metaforicamente) o da ONU. Essa iniciativa russa foi cozinhada por um bom tempo com apoio brasileiro. O que parece ser uma péssima ideia, poderia vir a calhar.
A maior crise de segurança na nossa região é a Venezuela. Dois dos três principais atores de influência no regime de Maduro (Cuba, China e Rússia) estão nos BRICS. Existe uma busca por um protagonismo ainda maior do Brasil na tentativa de solucionar a crise no país vizinho. Juntando as peças, os BRICS podem se tornar um formidável instrumento de influência por parte do Brasil sobre dois atores críticos para a manutenção da segurança na região.
Com a possibilidade de sentar-se, todos os anos, cara a cara com Vladimir Putin e Xi Jinping, Jair Bolsonaro poderia manter uma relação amigável com a China, e ademais ter poder de influência sobre a interferência do país asiático na região. Além disso, assegurar uma balança comercial forte e controlar interesses no território brasileiro por meio de mecanismos como o CFIUS.
A China é incrivelmente complexa. Ter uma estratégia inteligente poderá unir os benefícios comerciais com o fortalecimento da narrativa que vem sendo feita desde a campanha. Basta o Brasil tomar as rédeas de como essa relação poderá se desenvolver.