Quando o Brasil se propõe a reformar algo, várias fases ocorrem entre o início e a validação de todo o processo. A decisão do governo em avançar com uma reforma é sempre colocada em uma perspectiva de otimismo e de crença de que rapidamente o tema estará concluído e em boa direção. É gerada, então, uma onda de confiança, despertam-se discussões e análises sobre como essa reforma resgatará a capacidade do país de competir, atrair investimentos e, enfim, melhorar a vida do cidadão. Entraves e desentendimentos no meio do caminho, no entanto, podem alterar a perspectiva otimista e resultar em frustração. Vejamos um exemplo.
Na noite de quarta-feira (11), o Senado Federal aprovou um projeto de lei de fundamental importância para a sociedade e que, no entanto, passou praticamente despercebido por ela. O irônico é que enquanto o PLC 79/2016 [Nova Lei das Telecomunicações] era aprovado, milhões e milhões de cidadãos estavam conectados em seus celulares, usufruindo daquilo que o projeto de lei visa melhorar.
Após quase cinco anos de análises, lentidões, travamentos desnecessários, uns poucos heróis e muitos vilões, a aprovação do PLC 79 possibilitará algumas vantagens bem claras ao brasileiro. A criação de um mercado secundário de espectro aumentará a capacidade das empresas de entregar um serviço mais estável e de qualidade para o usuário. Isso porque as companhias poderão vender ou alugar parte das frequências que não utilizam para outras que estão sobrecarregadas em suas próprias frequências.
Entre outros pontos, a certeza de que as empresas poderão renovar sucessivamente suas outorgas (diferentemente da regra anterior, na qual essa renovação só ocorria uma vez), cria um ambiente favorável e seguro para que investimentos de longo prazo sejam calculados e postos em prática. A mudança da obrigação de investimentos em rede fixa para banda larga, por sua vez, será vital para conectar o brasileiro ainda mais e com mais solidez, não apenas nas redes urbanas óbvias como também nas não óbvias.
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Para que o PLC 79 seja implementado, no entanto, certas etapas ainda precisam ser cumpridas. Após a sanção do presidente da República, o MCTIC (Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicação) avaliará a urgência de enviar um projeto de decreto ao Planalto, que estabelecerá o novo Plano Geral de Outorga. Haverá também uma análise no MCTIC sobre a necessidade de se enviar uma proposta de decreto que regulamente os regimes de concessão para autorização. A análise da necessidade de uma portaria que especifique projetos prioritários também ocorrerá nas próximas semanas.
Em seguida, a bola passa para a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), que iniciará o processo de contratação de duas consultorias que identificarão a valoração dos bens reversíveis - etapa obrigatória no cronograma de implementação. O processo de contratação, execução do estudo e retorno à Anatel poderá levar alguns meses, culminando em uma consulta pública organizada pela própria agência sobre a valoração de bens realizada pelas consultorias.
A partir da consulta pública, o ponto mais crítico no processo de implementação ocorrerá quando a Anatel enviar as análises de valoração para o TCU (Tribunal de Contas da União). Lá, o tribunal decidirá se confirma ou não a valoração. E esse é o ponto chave, pois o TCU já sinaliza que não concorda com a capacidade da Anatel de avaliar quais são os bens reversíveis e como esses devem ser valorados. O próprio ministro Walton Alencar Rodrigues afirma que a Anatel não possui dados, conhecimento ou informações suficientes que permitam valorar quais são os bens reversíveis.
Assim, mesmo com o PLC 79 aprovado, sua confirmação não está clara, pois o TCU segue com o intuito e a narrativa de quebrar um ponto essencial do projeto, que é a interpretação de que bens reversíveis são somente aqueles críticos para a atividade de telefonia. Para o TCU, numa interpretação mais literal, a possível dívida das empresas com a União criaria um passivo que inviabilizaria investimentos no setor.
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Em um pedido de reexame emitido nesta sexta-feira (13) pelo TCU argumenta-se: “No presente momento, destaco que, caso o Projeto de Lei (PLC 79) seja aprovado na forma em que se encontra, haverá transferência dos bens reversíveis para o patrimônio das empresas, as quais, em contrapartida, deverão realizar investimentos no valor correspondente ao dos referidos bens. Diante disso, cabe indagar como será calculado esse valor, uma vez que a agência não possui dados confiáveis”.
A Anatel entende que esse patrimônio é privado e que a União tem o direito de assumir esses bens tão somente na medida necessária para garantir a continuidade do serviço. Ou seja, caso uma empresa não pudesse honrar com seus compromissos de prestação de serviço e a Anatel precisasse intervir, a União assumiria esses bens.
Já o TCU entende que esse patrimônio é público. A divergência faz com que o tribunal enxergue um valor de R$ 121 bilhões de bens reversíveis, enquanto a Anatel defende que o valor deva ser calculado com base no fluxo de caixa descontado, que certamente será muito menor do que o valor estipulado pelo TCU. Essa incerteza que paira sobre o entendimento do que seja o passivo das empresas é suficiente para afugentar qualquer investidor do país.
Utilizando esse argumento, o PLC corre o risco de morrer pelas mãos do Tribunal de Contas da União antes mesmo de nascer. Ou seja, o futuro da telefonia brasileira encontra-se em um impasse entre Anatel e TCU. A Agência Nacional de Telecomunicações demonstra confiança em seus dados sobre telecomunicações e em sua capacidade de liderar um processo de análise de valoração dos bens reversíveis. Já o TCU não entende desta forma. Se o passivo de dívidas das operadoras com a União (por conta da reversibilidade de bens) for um número exorbitante, isso não só inibirá investimentos como também empobrecerá a competitividade no país. A maré de frustração pode estar chegando para os que se empenharam nessa batalha.